Um dos maiores problemas do
Brasil é certamente sua desigualdade social. Apenas no último relatório do
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), se se levássemos em
consideração a desigualdade de renda, a posição ocupada pelo país no ranking
global de IDH[1],
atualmente 75º colocado, cairia incríveis 20 posições[2].
E se isto já não fosse o suficiente para
preocupar qualquer brasileiro, o cenário torna-se ainda pior quando levamos em consideração
que a nossa desigualdade voltou a aumentar, alcançado os patamares que já
ocupava no ano 2011[3].
Em comparação com os nossos vizinhos, apresentamos a antepenúltima colocação
numa lista que mede o índice local de desenvolvimento humano, estando apenas á
frente de países como Peru e Equador[4].
O que, entretanto, esquece-se por completo
quando tais índices vêm tona, é que as causas de tais problemas não se referem aos
velhos espantalhos do pensamento sociológico brasileiro. Ou, melhor dizendo, não
encontram sua causa fundamental em vilões históricos como o capitalismo ou o
mercado. Como sempre ocorreu, a defesa de uma chamada justiça social – cujos
significados variam enormemente de autor para autor – encontra neste cenário um
pano de fundo profícuo para seu desenvolvimento.
Sabemos que a desigualdade é inerente ao
funcionamento do “sistema do capital”, e que sua ação tende a criar desníveis
em termos de renda. Ainda assim, como afirma Hayek em sua obra A Miragem da Justiça Social[5],
há algo que por si só chama a atenção: o capitalismo não é um ente moral, um
ente racional capaz de proferir julgamentos ou executar ações passíveis de
censura ou aprovação, nem mesmo de agir de forma “justa” ou “injusta”. Como um
arranjo sócio-econômico que tem sua base nas próprias ações individuais,
fatores a ele associados, como a distribuição desigual de riqueza, correspondem
exatamente à ação de indivíduos livres.
Isto quer dizer, em suma, que é a própria
possibilidade de que todos possam escolher livremente, exercer suas influências
e perseguir seus objetivos que fundamenta, em essência, a desigualdade num
sistema capitalista. Não possuímos, muitas vezes, gostos, preferências,
histórias de vida, visões de mundo ou valores em comum; conceitos, como
bem-comum, necessidade, direito, são interpretados de forma completamente
diferente entre nós. Em razão disso, a apreciação subjetiva que possuímos sobre
os bens e serviços que são produzidos em cooperação também difere de indivíduo
para indivíduo: há aqueles que valorizam um concerto de música clássica, e por
isso desembolsariam uma quantia maior para ter acesso a este bem, ao passo que
há outros que valorizam um show de rock, e portanto, não estariam dispostas a desembolsar os
mínimos recursos para assistir a uma ópera ou apresentação de balé.
A consequência clara disso tudo resume-se, por
um lado, no fato de que nosso poder de escolha contribui para o sucesso de
alguns. São as nossas preferências refletidas nas escolhas pessoais que, em
suma, premiam aquele ou aqueles que melhor convergiram para fornecer um bem em
condições melhores e mais acessíveis aos consumidores que o demandavam.
E, por outro, resume-se no fato de que são
todas as demais pessoas que convivem comigo em sociedade (incluindo eu) que
decidirão aquilo que é valioso, ou a necessidade que precisa ser satisfeita
naquele momento específico, e de que forma. As demandas por serviços diferentes
tendem a variar de acordo com as circunstâncias nas quais estamos inseridos, e
fazem com que determinados profissionais tenham um valor maior num determinado
momento do que em outros.
É claro que outros fatores concorrem para a
definição de um preço de um bem ou de um salário, como, por exemplo, a relação
entre a oferta de mão-de-obra adequada para a realização de uma determinada
tarefa e a quantidade demandada para este mesmo fim; a péssima qualidade do
ensino básico e a existência de uma alta carga tributária. Mas, ainda assim, a
apreciação subjetiva de cada um e a liberdade de escolha seguem como as
principais causas da famigerada desigualdade – que, por si só, não
representaria algo imoral ou opressor.
Ora, estabelecido isto, surge a seguinte
questão: há injustiça na desigualdade econômica? É justo que haja um processo
redistributivo que atinja a todos? O filósofo francês Betrand de Jouvenel, em
sua obra A Ética da Redistribuição[6],
pôs-se a debruçar sobre o tópico, e chegou a conclusões surpreendentes. Longe
de avaliar as consequências sobre a estrutura de incentivos, o autor avaliou
seu impacto sobre as questões concernentes à liberdade individual e a ação
política: para redistribuir a riqueza, novas estruturas e burocracia tornam-se
necessárias, e os montantes necessários para suprir certa carência muitas vezes
não advém somente das classes mais abastadas ou medianas. Impostos e taxas
tendem a ser externalizados de alguma forma, e o aumento de preços e a
monopolização em razão da falência financeira de empresas concorrentes ocorrem,
com prejuízo das classes mais desfavorecidas. Além disso, as políticas de
redistribuição possuem uma temerosa tendência de discriminar as minorias, uma
vez que, inevitavelmente, favorecem a maioria[7].
No entanto, sua crítica mais forte à
redistribuição atinge a centralização e o aumento do poder político que o
acompanham. A perda da responsabilidade pessoal que muitas vezes se segue á
consolidação de um programa redistributivo faz repassar à esfera estatal a
responsabilidade de prover e ofertar serviços que antes eram fornecidos pelo
próprio setor privado. Num cenário extremo, em que a poupança e os
investimentos são objeto de forte tributação, passa-se ao Estado a iniciativa
de prover a seus cidadãos serviços que antes necessitavam de capital, como, por
exemplo, o suporte e o fomento a alta cultura e às artes, o transporte, a
extração de certos minérios, etc. Por conseguinte, o controle que o Estado, de
forma direta ou indireta, passa a exercer sobre as pessoas recrudesce em grau
considerável e perigoso, uma vez que ele passa a influenciar diretamente nas
opções e na vontade de escolha de cada um. Em última instância, a
redistribuição seria capaz de conduzir uma determinada comunidade a adoção de
um método coercitivo para decidir o conteúdo e a quantidade de cada bem
demandado. Por fim, a redistribuição nada mais produziria senão resultados
conflitantes com os próprios valores que a animaram.
Voltando ao caso brasileiro, as lições
apresentadas pelos dois autores reverberam com força e nos indicam que as
tentativas de “justiça social” aplicadas recentemente, destinadas a emancipar
os mais desfavorecidos e prejudicados com a herança de regimes brutais,
serviram para piorar o fenômeno da concentração de renda, agindo no sentindo de
neutralizar a melhoria das condições de vida que também fazem se sentir para as
camadas mais pobres de uma determinada população quando esta passa por um
crescimento econômico acentuado.
Estima-se, por exemplo, que o custo com um
trabalhador com carteira assinada pode chegar ao dobro de seu próprio salário[8]. Como consequência mais
imediata, o numero de ofertas de trabalho diminui, e a fixação, por lei, de um
salário mínimo, muitas vezes acima do nível de produtividade médio da população
brasileira, tende a alijar para o mercado informal os candidatos que menos
receberam formação e ensino – digam-se, os negros e os mais pobres. Segundo o
IPEA[9], a renda média mensal das
mulheres negras no Brasil “ é de R$ 279,70 – contra R$ 554,60 para mulheres
brancas, R$428,30 para homens negros e R$ 931,10 para homens brancos”. No que
tange ao desemprego, hoje no patamar de 11%, o sétimo maior do mundo[10], as taxas são bem maiores
entre as populações negras e jovens[11]. Uma das explicações para
este fenômeno também diz respeito à educação: já que famílias com poder de
renda maior tendem a garantir o acesso a seus filhos a uma educação de
qualidade não pública, sua entrada no mercado de trabalho e no mundo universitário
tendem a ser favorecidos[12].
Já em relação ao funcionalismo público, vê-se
que o mesmo é um dos mais privilegiados do país. De acordo com a Relação Anual de
Informações Sociais (Rais), em 2010 a renda média dos trabalhadores do país era
de R$ 1.742,00 por mês, ao passo que a média para os trabalhadores do setor
público representava uma diferença de 41,1% para mais: R$ 2.458,00 por mês[13]. Além disso, nos últimos
13 anos, o salário dos servidores públicos cresceu 33% acima da inflação, ao
passo que na iniciativa privada o mesmo aumento não passou dos 10%[14]. Já segundo o IBGE, a
administração pública, responsável por 0,4% de empresas no país, foi
responsável por absorver 17,5% do pessoal ocupado, 20,2% do pessoal ocupado
assalariado e ainda pagou 29,4% dos salários e outras remunerações[15]. Boa parte deste inchaço
deveu-se, segundo especialistas, a criação infindável de secretarias,
ministérios, cargos comissionados, cujas principais finalidades eram justamente
o combate às mazelas sociais causadas pela desigualdade social[16].
Em direção semelhante encontram-se os gastos
governamentais nas áreas sociais. A participação dos gastos do governo em áreas
como assistência social, educação e saúde pulou de 59,9% em 2002 para incríveis
67,3% em 2015, chegando ao montante de R$ 928 bilhões neste último ano[17].
Entretanto, o que mais chama a atenção com relação
á administração publica e seus gastos é o seguinte: ao passo que o aumento nos
investimentos públicos sociais não significou aumento da qualidade dos serviços
ofertados, a pobreza tornou a subir[18] – desde 2012, antes da
crise -, mais riqueza passou-se a concentrar no topo da pirâmide[19] e o setor privado não foi
capaz de acompanhar o aumento dos gastos do governo, financiados via impostos
que, somados a todos os outros encargos e obstáculos de natureza burocrática, reduziu
a oferta de empregos para os mais desfavorecidos[20].
Dito de outro modo, a ideia de uma “justiça
social” que pudesse combater, de forma ativa, as desigualdades existentes no
Brasil até hoje não tem funcionado como seus defensores pretendiam. E,
tragicamente, tem inclusive influenciado para que as diferenças entre ricos e
pobres mais se acentuassem em detrimento dos segundos. Sem fundamento ético,
econômico ou filosófico, a ideia de justiça social, aplicada à redistribuição
ou à ação afirmativa de governos e ministérios tem raríssimos exemplos de
sucesso. Já está mais do que na hora de abandonar esta ideia.
[1] http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-fica-em-75-no-ranking-do-idh--atras-do-sri-lanka,10000004754
[2] http://oglobo.globo.com/economia/desigualdade-levaria-brasil-cair-20-posicoes-no-ranking-18287486
[3] http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/09/140918_desigualdade_ibge_brasil_pnad_rb
[4] http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2015/12/14/desigualdade-no-brasil-tiraria-26-do-idh-e-deixaria-pais-abaixo-de-vizinhos.htm
[5] http://www.libertarianismo.org/livros/fahdllvol2.pdf
[6] https://www.skoob.com.br/a-etica-da-redistribuicao-255189ed285758.html
[7] http://www.mises.org.br/EbookChapter.aspx?id=515
[8] http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2012/02/custos-com-empregado-vao-alem-do-salario
[9] http://www.ipea.gov.br/retrato/pdf/primeiraedicao.pdf
[10] http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/08/desemprego-no-brasil-e-o-7-maior-do-mundo-em-ranking-com-51-paises.html
[11] http://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/desemprego-diferencas-taxa-mais-alta-entre-jovens-negros-553031.html
[12] http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-98432005000200005
[13] http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2012-08-26/salario-do-funcionalismo-publico-e-cerca-de-40-maior-que-media-nacional-segundo-ministerio-do-trabalh
[14] http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,em-13-anos-salario-do-servico-publico-subiu-tres-vezes-mais-que-o-privado,10000079369
[15] http://www.valor.com.br/brasil/4096522/inchado-setor-publico-paga-salario-maior-que-setor-privado-diz-ibge
[16] http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/03/criacao-de-secretaria-com-status-de-ministerio-sera-votada-em-plenario.html
[17] http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/06/area-social-representou-quase-70-do-gasto-total-em-2015-diz-estudo.html
[18] https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=3&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwiZwJq1ovfPAhXBdD4KHSsLAFYQFggqMAI&url=http%3A%2F%2Fwww.ebc.com.br%2Fnoticias%2Feconomia%2F2014%2F11%2Fnumero-de-brasileiros-na-extrema-pobreza-aumenta-pela-primeira-vez-em-dez&usg=AFQjCNH9l_2YsncU9M3qUWPNlNTF49909g&bvm=bv.136593572,d.eWE
[19] http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/10/concentracao-de-renda-cresce-e-brasileiros-mais-ricos-superam-74-mil.html
[20] http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/09/brasil-registra-o-fechamento-de-33-mil-postos-formais-de-trabalho-em-agosto.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário