Antes daquela data, os americanos já haviam
rompido relações diplomáticas, econômicas e políticas com a ilha de Fidel em
razão das expropriações de cidadãos e empresas americanas e da violação dos
direitos humanos, cujas denúncias nunca deixaram de existir.
Porém, estou longe de acreditar – como demonstrei
em outro ensaio[1]
– que os problemas atualmente enfrentados por Cuba, também nele descritos,
sejam decorrentes da prática econômica americana. Ainda assim, isto não quer
dizer que o embargo não se trata de uma irracionalidade, de uma imoralidade, um
abuso político.
Com efeito, é antes de tudo um abuso de poder
frente ao cidadão livre americano: na condição de homem livre, que desfruta ou
pelo menos deveria desfrutar de sua total liberdade de fazer o que bem deseja
sem sofrer restrições ou constrangimentos de terceiros, ele poderia estabelecer
relações com quem quisesse, ir para onde bem entendesse, produzir, vender,
consumir, manifestar, se associar com quem desejasse. O fato de que parte deste
direito absoluto lhe fosse restringido de forma coercitiva não encontra
fundamento nem pode se originar em um governo que se queira livre.
Se este princípio é válido para os americanos,
o é no mesmo grau para os cubanos. Com a liberdade tão restringida, tampouco
podemos dizer que estes estejam em bons lençóis. A ideia de fim do embargo americano
ganha com isso uma conotação de soma: tornando a esfera de liberdade pessoal
maior e mais autônoma frente ao poder estabelecido, pode também contribuir para
que o senso de autonomia e liberdade penetrem no país dos irmãos Castro.
Disso decorre o caráter imoral de qualquer
ideia de embargo: seres morais, livres, que possuem um universo em si, são
coagidos pela força e pela arma. Não podem valer-se do próprio julgamento, nem
do que ele produz, isto é, a ação, o conhecimento, o pensamento. No caso de
Cuba, isto atingiu proporções muito maiores, evidentemente. Mas, a imoralidade
é clara nos dois casos: o agir humano não se torna livre, nem ético, e padece
de forte constrangimento.
Por último, a ideia é irracional. Homens e
mulheres sempre viveram, em qualquer época para a qual voltemos nossos olhos, em
permuta, em troca de bens perecíveis e imperecíveis. O mercado é a existência,
a possibilidade de satisfação de nossas necessidades. Onde quer que o comércio
seja livre, necessidades são satisfeitas em melhor grau, a riqueza se cria, a
pobreza se diminui. Fronteiras geográficas são irrelevantes neste sentido.
Muito menos deveriam ser as fronteiras ideológicas de cada Estado.
Uma abertura comercial, política, de informação
ao ocidente também irá, progressivamente, à ilha com o fim do embargo. Óbvio
que pode levar anos, talvez gerações, até que este regime sanguinário seja
posto abaixo. Mas, é necessário que reformas sejam feitas. Quem mais se
beneficiará com o fim do embargo, a longo prazo, será o próprio povo cubano: no
sentido material, com o melhoramento de suas tecnologias e de bens de consumo,
e no sentido civil e humanitário, com o acesso a informação e tudo o mais que
nos garante uma condição humana básica.
Antes da revolução de 1959, Cuba já despontava
como nação independente e de futuro prodigioso na América. Em 1957, apresentava
a terceira maior concentração de dentistas a cada mil habitantes em toda a
América Latina[2].
Era referência em termos de tratamento de doenças infantis. Sua medicina já
chamava a atenção. Tinha o terceiro melhor PIB per capita em todo o continente[3].
Hoje, a ineficiência da agricultura fê-la cair
para a 11ª posição no ranking americano de calorias consumidas por dia e por
pessoa (era terceira colocada em 1957). Os investimentos em educação caíram
mais da metade desde 1960 até hoje, de 23% do PIB em 1957, para 10% no último
censo realizado pelas Nações Unidas[4]. O problema crônico a
ineficiência de muitos outros serviços públicos também não parece existir
quando os recursos são destinados para os “caciques” do regime ou para
estrangeiros.
Não é difícil enxergar que, da mesma forma
como, sem a revolução cubana, o país hoje provavelmente seria uma potência
econômica e social do continente, quiçá do globo, com o fim do embargo, com o
tempo, torna-se um país com potenciais incríveis de crescimento e melhoria das
qualidades de vida de seus cidadãos.
Por último, outro motivo: não sabemos de fato
o que se passa na ilha. Temos apenas uma visão incompleta do que o turismo
enxerga e relata, e do que cubanos exilados e fugitivos narram com temor. A
abertura das portas deste presídio, pode, com certeza, lançar ao mundo mais uma
prova cabal do quanto é torpe dirigir de cima e concentrar poder absoluto que
não hesita em entrar em ação. As revelações e outras histórias inéditas ainda
estão por vir a público. Aguardemos.
[1] http://oensaistapolitico.blogspot.com.br/2016/10/sim-cuba-e-uma-ditadura-em-todos-os.html
[2] http://super.abril.com.br/comportamento/fidel-castro-deu-educacao-e-saude-ao-povo-cubano
[3] http://www.economist.com/node/12851254
[4] http://super.abril.com.br/comportamento/fidel-castro-deu-educacao-e-saude-ao-povo-cubano
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