"Quando vejo o princípio de liberdade em ação, vejo agir um princípio vigoroso, e isto, de início, é tudo que sei. É o mesmo caso de um líquido; os gases que ele contém se liberam bruscamente: para se fazer um julgamento, é necessário que o primeiro movimento se acalme, que o liquido se torne mais claro, e que nossa observação possa ir um pouco além da superfície".
Edmund Burke.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Por que devemos apoiar o fim do embargo a Cuba?


Tendo se iniciado formalmente no ano de 1996 com a aprovação da lei Helms-Burton Act, o embargo norte americano a ilha de Cuba tornou-se o maior símbolo do insidioso embate entre os ideais de prosperidade e liberdade, personificados na nação americana, e aqueles de igualdade e poder popular, encabeçados principalmente pela União Soviética.

 Antes daquela data, os americanos já haviam rompido relações diplomáticas, econômicas e políticas com a ilha de Fidel em razão das expropriações de cidadãos e empresas americanas e da violação dos direitos humanos, cujas denúncias nunca deixaram de existir.

 Porém, estou longe de acreditar – como demonstrei em outro ensaio[1] – que os problemas atualmente enfrentados por Cuba, também nele descritos, sejam decorrentes da prática econômica americana. Ainda assim, isto não quer dizer que o embargo não se trata de uma irracionalidade, de uma imoralidade, um abuso político.

 Com efeito, é antes de tudo um abuso de poder frente ao cidadão livre americano: na condição de homem livre, que desfruta ou pelo menos deveria desfrutar de sua total liberdade de fazer o que bem deseja sem sofrer restrições ou constrangimentos de terceiros, ele poderia estabelecer relações com quem quisesse, ir para onde bem entendesse, produzir, vender, consumir, manifestar, se associar com quem desejasse. O fato de que parte deste direito absoluto lhe fosse restringido de forma coercitiva não encontra fundamento nem pode se originar em um governo que se queira livre.

 Se este princípio é válido para os americanos, o é no mesmo grau para os cubanos. Com a liberdade tão restringida, tampouco podemos dizer que estes estejam em bons lençóis. A ideia de fim do embargo americano ganha com isso uma conotação de soma: tornando a esfera de liberdade pessoal maior e mais autônoma frente ao poder estabelecido, pode também contribuir para que o senso de autonomia e liberdade penetrem no país dos irmãos Castro.

 Disso decorre o caráter imoral de qualquer ideia de embargo: seres morais, livres, que possuem um universo em si, são coagidos pela força e pela arma. Não podem valer-se do próprio julgamento, nem do que ele produz, isto é, a ação, o conhecimento, o pensamento. No caso de Cuba, isto atingiu proporções muito maiores, evidentemente. Mas, a imoralidade é clara nos dois casos: o agir humano não se torna livre, nem ético, e padece de forte constrangimento.

 Por último, a ideia é irracional. Homens e mulheres sempre viveram, em qualquer época para a qual voltemos nossos olhos, em permuta, em troca de bens perecíveis e imperecíveis. O mercado é a existência, a possibilidade de satisfação de nossas necessidades. Onde quer que o comércio seja livre, necessidades são satisfeitas em melhor grau, a riqueza se cria, a pobreza se diminui. Fronteiras geográficas são irrelevantes neste sentido. Muito menos deveriam ser as fronteiras ideológicas de cada Estado.

 Uma abertura comercial, política, de informação ao ocidente também irá, progressivamente, à ilha com o fim do embargo. Óbvio que pode levar anos, talvez gerações, até que este regime sanguinário seja posto abaixo. Mas, é necessário que reformas sejam feitas. Quem mais se beneficiará com o fim do embargo, a longo prazo, será o próprio povo cubano: no sentido material, com o melhoramento de suas tecnologias e de bens de consumo, e no sentido civil e humanitário, com o acesso a informação e tudo o mais que nos garante uma condição humana básica.

 Antes da revolução de 1959, Cuba já despontava como nação independente e de futuro prodigioso na América. Em 1957, apresentava a terceira maior concentração de dentistas a cada mil habitantes em toda a América Latina[2]. Era referência em termos de tratamento de doenças infantis. Sua medicina já chamava a atenção. Tinha o terceiro melhor PIB per capita em todo o continente[3].

 Hoje, a ineficiência da agricultura fê-la cair para a 11ª posição no ranking americano de calorias consumidas por dia e por pessoa (era terceira colocada em 1957). Os investimentos em educação caíram mais da metade desde 1960 até hoje, de 23% do PIB em 1957, para 10% no último censo realizado pelas Nações Unidas[4]. O problema crônico a ineficiência de muitos outros serviços públicos também não parece existir quando os recursos são destinados para os “caciques” do regime ou para estrangeiros.

 Não é difícil enxergar que, da mesma forma como, sem a revolução cubana, o país hoje provavelmente seria uma potência econômica e social do continente, quiçá do globo, com o fim do embargo, com o tempo, torna-se um país com potenciais incríveis de crescimento e melhoria das qualidades de vida de seus cidadãos.

 Por último, outro motivo: não sabemos de fato o que se passa na ilha. Temos apenas uma visão incompleta do que o turismo enxerga e relata, e do que cubanos exilados e fugitivos narram com temor. A abertura das portas deste presídio, pode, com certeza, lançar ao mundo mais uma prova cabal do quanto é torpe dirigir de cima e concentrar poder absoluto que não hesita em entrar em ação. As revelações e outras histórias inéditas ainda estão por vir a público. Aguardemos.




[1] http://oensaistapolitico.blogspot.com.br/2016/10/sim-cuba-e-uma-ditadura-em-todos-os.html
[2] http://super.abril.com.br/comportamento/fidel-castro-deu-educacao-e-saude-ao-povo-cubano
[3] http://www.economist.com/node/12851254
[4] http://super.abril.com.br/comportamento/fidel-castro-deu-educacao-e-saude-ao-povo-cubano

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