"Quando vejo o princípio de liberdade em ação, vejo agir um princípio vigoroso, e isto, de início, é tudo que sei. É o mesmo caso de um líquido; os gases que ele contém se liberam bruscamente: para se fazer um julgamento, é necessário que o primeiro movimento se acalme, que o liquido se torne mais claro, e que nossa observação possa ir um pouco além da superfície".
Edmund Burke.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Cuidado, a Voyager não sabe o que diz sobre o Liberalismo

Recentemente o grupo de comunicação online “Voyager” publicou[1] uma matéria na qual tentou demonstrar supostas afinidades entre a doutrina liberal e o fascismo. Numa primeira leitura, a mensagem do texto até se afigura estranhamente razoável. Após uma abordagem mais rígida, utilizando-se de uma pesquisa mais acurada e um olhar mais crítico acerca das fontes utilizadas, o texto parece ruir até desaparecer por completo. Abaixo, seleciono os principais equívocos da matéria que evidenciam porque a Voyager não faz a mínima ideia (ou age de má fé) do que está dizendo sobre o fenômeno do fascismo e a doutrina liberal.


Pareto e a Teoria das Elites

 O artigo inicia-se com a famosa ligação histórica entre Pareto e Mussolini, arvorando-se sobre a posição historiográfica que considera Vilfredo Pareto o mentor intelectual do fascismo. A despeito das controvérsias se Pareto pode ou não ser considerado “pai” do fascismo, é ponto pacífico a admiração que nutria por Mussolini.

 Formidável intelectual francês, foi Pareto fundamental para o desenvolvimento de modernos conceitos e instrumentos de cálculo econométrico a respeito da formação de preços e variações de renda. Talvez seja a “Lei de Pareto” a sua contribuição mais decisiva e conhecida para a ciência econômica. No campo da sociologia e da política, é inquestionável sua importância para o desenvolvimento do conceito de “elite” aplicada à moderna ciência política, segundo o qual em toda a sociedade existe sempre apenas um minoria que, por diversas formas, faz-se detentora do poder em detrimento de uma maioria que dele está privada[2]. Ora, a riqueza de tal conceito – que Pareto concebia como tendo em si não apenas a articulação bem organizada de um pequeno grupo político ou econômico, mas sobremaneira também intelectual – tem sua origem em outro teórico anterior, Gaetano Mosca, também considerado como um dos fundadores da moderna ciência política e para o qual, assim como para Pareto, a ciência da política consistiria numa análise descritiva do fenômeno do poder político e hierárquico observado em sociedade.

 Neste sentido, para ambos, a diferença entre governantes e governados, a ordem hierárquica e sujeição de uma maioria a uma minoria “elitista” fazia-se fator recorrente ao longo da história, fato praticamente natural e que sancionava o pensamento de que um governo igualitário, de governo direto e massificado era não apenas impossível, como algo indesejável.

 É indiscutível que Pareto foi, de certa forma, um liberal, mas esta constatação deve ficar limitada ao campo de seu pensamento econômico. Com efeito, salvo o pensamento contratualista (em especial Locke) para o qual a desigualdade material não era alvo de reflexão, encontramos ao longo da tradição liberal uma forte aversão a qualquer tipo de racionalização ou justificação do governo de elites aristocráticas, oligárquicas ou feudais. A primeira constatação deste tipo pode ser encontrada nos escritos de Adam Smith[3], o qual afirmava, clara e concisamente, ser a emergência do capitalismo o fator por excelência dissociador dos elementos riqueza e poder. Ao longo de sua obra A Riqueza das Nações[4], argumenta Smith que o novo tipo de arranjo sócio-econômico nascido com o fim do feudalismo e impulsionado em grande velocidade com o advento da Revolução Industrial traria implicações ao campo da política ao depositar um poder cada vez maior de decisão e autonomia em cada indivíduo, por “menor” que pudesse parecer aos olhos de um governante.

 De forma análoga, no século subsequente encontramos nos escritos de Alexis de Toqueville e John Stuart Mill outras importantes considerações a respeito deste assunto. Ao primeiro, o fenômeno da democracia[5] consistia num movimento irresistível de igualdade civil que abarcaria a todas as nações num dado momento da história humana, fenômeno este que obviamente poderia colocar em risco a tão amada liberdade. Já para o segundo, a doutrina liberal era antes de tudo um pensamento político que devia baixar por terra as tradições “opressoras” da sociedade que imprimiam sobre os cidadãos e a liberdade de agir e pensar poderosos tabus e regras normativas de comportamento[6]. Num campo ainda mais abstrato da filosofia, devemos inclusive a Immanuel Kant conceitos importantíssimos tais como espaço público, uso da razão, autonomia[7]. Inclusive em seu pensamento político podemos observar uma intransigente devesa dos valores republicanos de liberdade individual, liberdade de imprensa e autodeterminação, que à época digladiava-se fortemente com o despotismo iluminado prussiano.

 Voltando a Pareto, não se pode deixar de afirmar que ele fez-se forte crítico do socialismo e dos regimes de massa, mas é igualmente fundamental salientar que sua teoria política pouco ou praticamente nada se associa com o pensamento democrático e político de grande parte dos liberais que compõem esta longa tradição. É bem possível, inclusive, interpretar o forte apoio fornecido a Mussolini quando de sua subida ao poder em virtude do receio de que o bolchevismo e sua filosofia adentrassem aos pórticos de Roma e igualmente de toda a Itália.  

O Corporativismo Fascista

 No tópico seguinte, pode-se observar a tamanha desonestidade que impera por trás deste texto. Diz o autor: “De 1922 a 1925, o regime de Mussolini seguiu a política econômica do laissez-faire, sob o comando de um ministro de finanças liberal, Alberto De Stefani. O ministro reduziu impostos, regulações, restrições comerciais e permitiu que empresas competissem umas com as outras[8].” Ora, se digitarmos este mesmo trecho na plataforma google, encontramos não apenas a sua origem, mas percebemos, igualmente, a omissão do restante do texto de forma a enquadrar a mensagem inicial à finalidade ideológica que o orientava. Na fonte original:

De 1922 a 1925, o regime de Mussolini seguiu a política econômica do laissez-faire, sob o comando de um ministro de finanças liberal, Alberto De Stefani. O ministro reduziu impostos, regulações, restrições comerciais e permitiu que empresas competissem umas com as outras. Porém [e aqui continua a fonte original, omitida pelo canal Voyager], essa oposição ao protecionismo e aos subsídios desagradava alguns líderes da indústria e De Stefani acabou tendo que pedir demissão. Quando Mussolini consolidou sua ditadura, em 1925, a Itália entrou em uma nova fase. Como vários outros líderes daquele tempo, Mussolini acreditava que a economia não funcionaria construtivamente sem a supervisão do governo. Como um prenúncio do que aconteceria na Alemanha Nazista e até, de certa forma, nos Estados Unidos após o New Deal, Mussolini iniciou um grande programa que incluía um imenso déficit do governo, obras públicas e, por fim, investimento militar.

O Fascismo de Mussolini avançou ainda mais com a criação do Estado Corporativo, uma estrutura supostamente pragmática, sob a qual as decisões econômicas eram tomadas por conselhos compostos por trabalhadores e empregadores que representavam o comércio e as indústrias. A partir desse arranjo, a suposta rivalidade entre os empregados e os empregadores deveria ser extinta, evitando que a luta de classes prejudicasse a luta nacional. No Estado Corporativo, por exemplo, as greves seriam ilegais e ações trabalhistas deveriam ser mediadas por uma agência estatal[9].

 Por aqui observamos o erro gigantesco em salientar apenas aquilo que convém a sua consciência, deixando às escusas as partes subsequentes. Até mesmo para os iniciados em economia liberal, o principal sinônimo desta teoria pode ser descrita corretamente como a soberania do consumidor. Veja como conclui o autor da fonte Ordem Livre:

Mussolini também eliminou a capacidade do mercado de tomar decisões independentes: o governo controlava todos os preços e salários, e firmas de qualquer indústria poderiam ser forçadas a fazer parte de um cartel, caso a maioria se posicionasse nesse sentido. Os líderes das grandes empresas tinham alguma participação na elaboração de políticas, enquanto os pequenos empreendedores eram, na verdade, transformados em empregados do estado, competindo com burocracias corruptas. Eles aceitavam sua submissão na esperança de que as restrições fossem temporárias. Vendo a terra como bem fundamental à nação, o Estado fascista dominou a agricultura de uma forma ainda mais completa, definindo safras, dividindo fazendas e fazendo das ameaças de expropriação um instrumento para reforçar suas ordens.

[...]Na medida em que a Segunda Guerra Mundial se aproximava, os sinais do fracasso do fascismo na Itália eram evidentes: o consumo privado per capita estava abaixo dos níveis de 1929 e a produção industrial italiana, entre 1929 e 1939, tinha crescido apenas 15 por cento - menos que as taxas de crescimento dos outros países da Europa Ocidental. A produtividade do trabalho estava baixa e os preços de produção não eram competitivos. O erro econômico do fascismo residia na transferência do poder de decisão dos empreendedores para os burocratas do governo e na distribuição dos recursos, feita através de decretos, em detrimento do mercado. Mussolini desenvolveu seu sistema para abastecer as necessidades do Estado, não dos consumidores. Esse sistema, no fim das contas, não serviu a nenhum dos dois[10].


 Mas esta atitude censurável não fica apenas nisto. O autor da Voyager conclui o tópico com um trecho de um discurso de Mussolini proclamado ainda em 1922, anos antes do arrefecimento do regime e da mudança de políticas econômicas que caracterizam o fascismo italiano e ainda são consideradas características praticamente intrínsecas desta forma de regime. Esta mudança de posição do Dulce é evidenciada em discursos posteriores: “O fascismo é definitivamente e absolutamente oposto às doutrinas do liberalismo, tanto na esfera econômica quanto na política[11]”. Também tornou-se especialmente conhecida sua famosa tríada, vinda à público em 1933: “Tudo para o Estado, nada contra o Estado, nada fora do Estado”.

 Estas noções de regulação e amor ao Estado ecoaram inclusive no movimento integralista brasileiro, cujas propostas, embebidas por Plinio Salgado e Miguel Reale, transparecem no Manifesto de Outubro de 1932 e deixam claro o viés anti-liberal e fortemente popular e trabalhista do fascismo:

Uma Nação, para progredir em paz, para ver frutificar seus esforços, para lograr prestígio no Interior e no Exterior, precisa ter uma perfeita consciência do Princípio de Autoridade [...]Precisamos de hierarquia, de disciplina, sem o que só haverá desordem. Um governo que saia da livre vontade de todas as classes é representativo da Pátria: como tal deve ser auxiliado, respeitado, estimado e prestigiado. Nele deve repousar a confiança do povo.

[...]A questão social deve ser resolvida pela cooperação de todos, conforme a justiça e o desejo que cada um nutre de progredir e melhorar. O direito de propriedade é fundamental para nós, considerado no seu caráter natural e pessoal. O capitalismo atenta hoje contra esse direito, baseado como se acha no individualismo desenfreado, assinalador da fisionomia do sistema econômico liberal-democrático. Temos de adotar novos processos reguladores da produção e do comércio, de modo que o governo possa evitar os desequilíbrios nocivos à estabilidade social [...]Nós ensinamos a doutrina da coragem, da esperança, do amor à Pátria, à Sociedade, à Vida, no que esta tem de mais belo e de conquistável, da ambição justa de progredir, de possuir os bens, de elevar-se, de elevar a família. Não destruímos a pessoa, como o comunismo; nem a oprimimos, como a liberal-democracia; dignificamo-la. Queremos o operário, com garantia de salários adequados às suas necessidades, interessando-se nos lucros conforme o seu esforço e capacidade; de fronte erguida, tomando parte em estudos de assuntos que lhes dizem respeito; de olhar iluminado, como um homem livre; tomando parte nas decisões do governo, como um ente superior[12].

A Distorção das Obras de Mises e Hayek:

 Não satisfeito com o que fizera até li, o autor da Voyager prossegue em sua empreitada, agora demonstrando seu profundo desconhecimento das obras O Caminho da Servidão, de Friedrich Hayek, e O Liberalismo, de Ludwig von Mises.

 Utilizando-se de citações fora de contexto, o autor parece descurar, primeiramente, da tese central da obra de Hayek já citada, a saber, a caracterização[13] do fascismo e do totalitarismo como desmembramentos do socialismo e consequências necessariamente advindas do planejamento central econômico que se sustentava sobre rígidos mecanismos de distribuição e condução da atividade econômica para perseguir seus fins sociais considerados “superiores”. Em seu entender, a substituição de um modelo de livre iniciativa por um intervencionismo cada vez mais presente e regulador só faria conduzir, paulatinamente, ao desaparecimento das liberdades individuais e da democracia. O Corporativismo de estado, deste modo, seria apenas um estágio intermediário entre a sociedade livre e o regime político mais autoritário e inteiramente totalitário.

 Por outro lado, no que tange às citações de Mises, os trechos são dispostos a inverter totalmente o argumento do autor na obra também citada. Na primeira citação que faz de Mises “...Tal moderação resulta do fato de que os pontos de vista tradicionais do liberalismo continuam a exercer influência inconsciente sobre os fascistas”, a Voyager não se dá conta do pensamento do autor a respeito do fascismo, isto é, não se dá conta de que, segundo Mises, este fenômeno em seu início foi de fato freado pelos princípios racionais do liberalismo[14], tendo apenas deixado de lado a conclamação dos princípios caros à civilização ocidental, como a propriedade privada, o direito à vida ou a paz a partir da intensificação do bolchevismo e de suas atrocidades. Como infere Mises em sua obra:

A adesão sincera a uma política de aniquilamento dos adversários e os assassinatos cometidos em sua busca deram origem ao movimento de oposição.  Contudo, caíram, de vez, as máscaras dos inimigos não comunistas do liberalismo.  Até então, acreditavam que mesmo em luta contra um inimigo odioso era, ainda, necessário respeitar certos princípios liberais.  Haviam-se obrigado, mesmo que de modo relutante, a excluir o assassinato da lista de medidas a serem utilizadas em suas lutas políticas.  Haviam-se conformado a muitas limitações, na perseguição à imprensa opositora e na censura à palavra.  Ora, logo compreenderam que lhes surgiam opositores que não observavam tais recomendações e para quem era lícito toda forma de eliminação do adversário.  Os inimigos militaristas e nacionalistas da Terceira Internacional sentiram-se ludibriados pelo liberalismo.  O liberalismo, assim pensavam, contivera sua mão, ao desejarem esmagar os partidos revolucionários, quando isto ainda era possível.  Se o liberalismo não tivesse impedido, teriam cortado pela raiz, assim acreditavam, os movimentos revolucionários[15].

 Já na última citação que faz do autor de A Ação Humana, “Não se pode negar que o fascismo e movimentos semelhantes, visando ao estabelecimento de ditaduras, estejam cheios das melhores intenções e que sua intervenção, até o momento, salvou a civilização europeia[16]...”, A Voyager se esquece, ou finge não saber, que tal afirmação consiste antes num juízo de fato: os regimes ditatórias como o nazismo, o socialismo soviético e o fascismo tinham excelentes razões para fundamentar suas violências diárias. Notadamente a busca de um bem comum e de um tipo de justiça social que aplacasse as desigualdades constituíam o cerne de praticamente todas estas ideologias. Da mesma forma, segundo Mises, o fascismo, pelo menos em seu início, esforçava-se para preservar valores que haviam se erigido ao longo de séculos na Europa, como a liberdade, a autonomia e a propriedade privada. Neste sentido, evidencia Mises um fato histórico

O fascismo pode triunfar, hoje, porque a indignação universal contra as infâmias cometidas pelos socialistas e comunistas lhes concedeu as simpatias de largos círculos.  Mas, quando a memória ainda fresca dos crimes dos bolcheviques estiver empalidecida, o programa dos socialistas, de novo, exercerá poder de atração sobre as massas, porque os fascistas nada fazem para combatê-los, a não ser suprimir as ideias socialistas e perseguir quem as divulgue.  Se, de fato, quisessem combater o socialismo, deveriam opor-lhe suas ideias[17].

Mises, deste modo, de forma alguma correlacionava o fascismo com o liberalismo:

 O que distingue a tática política liberal da do fascismo não é uma diferença de opinião relativa à necessidade de usar a força armada para resistir a atacantes armados, mas uma diferença na consideração do fundamento do papel da violência na luta pelo poder.  O grande perigo que ameaça a política interna na perspectiva do fascismo reside na sua total fé no decisivo poder da violência.  Para assegurar o êxito, deve-se estar imbuído da vontade de vencer e de sempre proceder de modo violento.  É este o mais alto princípio[18].


Mises e Dollfuss

 Outra acusação de forte peso consiste na associação entre Mises e o fascismo de Dollfuss, líder político da Áustria morto pelos nazistas pouco antes da anexação do país pelos alemães, às vésperas da Segunda Guerra Mundial. Com efeito, Mises de fato foi conselheiro econômico durante o governo Dollfuss. A principal razão disto consistiu efetivamente em impedir o avanço das políticas econômicas fascistas, corporativistas que até então haviam legado apenas consequências nefastas para o país. Como o próprio esclarece em suas correspondências pessoais, seus mais importantes papeis nesse período foram os de travar a inflação e prevenir a falência do banco central que se encontrava em crise[19]. Em momento algum, é vista qualquer afirmação ou endosso por parte do intelectual austríaco das visões ideológicas ou das medidas políticas arbitrárias engendradas por Dollfuss. Muito pelo contrário, o que se pode observar são severas críticas ao mesmo.

Hayek e Pinochet

 No mesmo sentido das acusações contra Mises seguem estas contra Hayek, porém com um agravante: o trecho mencionado pela Voyager que supostamente teria sido mencionado por Hayek, e que contém de fato uma forte afirmação de caráter utilitário não pode ser encontrada na fonte mencionada. Segundo a Voyager, em entrevista ao periódico El Mercúrio em abril de 1981, Hayek teria dito: “Uma sociedade livre requer certas morais que em última instância se reduzem à manutenção das vidas; não à manutenção de todas as vidas, porque poderia ser necessário sacrificar vidas individuais para preservar um número maior de vidas. Portanto, as únicas normas morais são as que levam ao ‘cálculo de vidas’: a propriedade e o contrato”.

Ocorre que, ao irmos a fonte desta entrevista, não apenas não foi isto que Hayek mencionou como, ainda por cima, tal informação não pode ser encontrada na entrevista. Conforme a íntegra da mesma[20], a afirmação mais polêmica do filósofo e do economista austríaco naquela oportunidade referia-se à seguinte pergunta: “Em sua opinião, deveríamos ter ditaduras?”, ao que, sucintamente, se manifestou dizendo que, entre viver numa ditadura ferrenhamente intervencionista e outra economicamente livre, sua preferência pendia para a segunda:

Bueno, yo diría que estoy totalmente en contra de las dictaduras, como instituciones a largo plazo. Pero una dictadura puede ser un sistema necesario para un período de transición. A veces es necesario que un país tenga, por un tiempo, una u otra forma de poder dictatorial. Como usted comprenderá, es posible que un dictador pueda gobernar de manera liberal. Y también es posible para una democracia el gobernar con una total falta de liberalismo. Mi preferencia personal se inclina a una dictadura liberal y no a un gobierno democrático donde todo liberalismo esté ausente[21].

 No decorrer da entrevista, também, Hayek esclarece sua posição referente à necessidade temporária de ditaduras. Fornecendo exemplos como os da Inglaterra de Cromwell e Portugal de Salazar, o filósofo deixa claro que a experiência histórica nestes casos comprovou que a redemocratização nestes países foi apenas possível com a consolidação de diversas instituições criadas durante tais períodos sanguinários, sendo suas principais contribuições o fato de terem impedido que tais comunidades políticas continuassem no caos prolongado de guerras ou turbulências civis; embora em nenhum momento afirme que isto por si só possa constituir um juízo universal capaz de considerar, por isto mesmo, um regime ditatorial como algo desejável e até mesmo aceitável[22]. Novamente, trata-se de uma constatação histórica que não esclarece a opinião, o julgamento de valor de seu autor sobre determinada circunstância.

  Além disso, é necessário contextualizar que Hayek diferencia a democracia no sentido de poder ilimitado e, portanto, despótico, da democracia limitada e arregimentada sobre o estado de direito e a plena consolidação das liberdades individuais. É com este viés que devemos entender as críticas que destrinchou, ao longo de toda sua obra, aos regimes despóticos e anti-liberais que utilizavam o termo “democracia” para fornecer um salvo-conduto a suas ações.

Considerações Finais

 Por tudo o que foi exposto acima, pode-se considerar que o fascismo e a doutrina liberal, além de diametralmente opostos em valores, considerações políticas e econômicas, nascem em momentos distintos da história europeia e correspondem a finalidades e contextos totalmente diferentes.

 De fato, conforme menciona o sociólogo Demetrio Magnoli neste vídeo[23], o fascismo, por unanimidade histórica, consistiu num movimento político arregimentado, de forma absoluta, sobre o lumpem-proletariado, sobre uma massa de trabalhadores que buscava num líder demagógico a resolução de suas dificuldades e obstáculos de emancipação. Neste sentido, o fascismo é sobremaneira a antítese a qualquer liberalismo político e econômico: é populista, trabalhista, anti-liberal e autoritário, valendo-se da força, e não da cooperação voluntária entre os indivíduos, para perseguir e conquistar os objetivos a que se propõe.



[1] http://voyager1.net/historia/pare-de-achar-que-liberalismo-e-fascismo-sao-opostos/
[2] http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1135
[3] http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3775
[5] http://www.gutenberg.org/files/815/815-h/815-h.htm
[6] http://socserv2.socsci.mcmaster.ca/econ/ugcm/3ll3/mill/liberty.pdf
[7] https://plato.stanford.edu/entries/kant-social-political/
[8] http://voyager1.net/historia/pare-de-achar-que-liberalismo-e-fascismo-sao-opostos/
[9] http://ordemlivre.org/posts/a-economia-do-fascismo
[10] Ibidem.
[11] http://spotniks.com/pare-de-chamar-os-outros-de-fascistas-voce-nem-sabe-o-que-essa-palavra-quer-dizer/
[12] http://www.integralismo.org.br/?cont=75
[13] http://www.mises.org.br/files/literature/O%20CAMINHO%20DA%20SERVID%C3%83O%20-%20WEB.pdf
[14] https://idealismoradical.wordpress.com/2014/12/17/mises-o-fascista-o-que-e-visto-um-argumento-e-o-que-nao-e-visto-o-absurdo/
[15] http://www.mises.org.br/EbookChapter.aspx?id=282
[16] http://voyager1.net/historia/pare-de-achar-que-liberalismo-e-fascismo-sao-opostos/
[17] http://www.mises.org.br/EbookChapter.aspx?id=282
[18] Ibidem.
[19] http://www.il-al.com.br/mises-o-fascista/
[20] http://www.fahayek.org/index.php?option=com_content&task=view&id=121
[21] https://puntodevistaeconomico.wordpress.com/2011/05/26/hayek-pinochet-y-la-democracia/
[22] http://eprints.lse.ac.uk/63318/1/__lse.ac.uk_storage_LIBRARY_Secondary_libfile_shared_repository_Content_Caldwell%2C%20B_Hayek%20and%20Chile_Cladwell_Hayek%20and%20Chile_2015.pdf
[23] https://www.youtube.com/watch?v=xWeQOxcY7i8

4 comentários:

  1. Excelente. Você poderia desmascarar mais textos desse site que de forma desonesta, tem convencido muita gente.

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    1. Obrigado!

      Segue novo texto sobre a Voyager:

      http://ocorreioliberal.blogspot.com.br/2017/10/impostos-e-curva-de-laffer-o-site.html

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  2. Por favor, por mais textos como esse!

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    1. Obrigado!

      Segue novo texto sobre a Voyager:

      http://ocorreioliberal.blogspot.com.br/2017/10/impostos-e-curva-de-laffer-o-site.html

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