"Quando vejo o princípio de liberdade em ação, vejo agir um princípio vigoroso, e isto, de início, é tudo que sei. É o mesmo caso de um líquido; os gases que ele contém se liberam bruscamente: para se fazer um julgamento, é necessário que o primeiro movimento se acalme, que o liquido se torne mais claro, e que nossa observação possa ir um pouco além da superfície".
Edmund Burke.

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Entendam: restringir a liberdade econômica é infringir liberdades pessoais.


 Debater com apoiadores do socialismo, igualitarismo ou mesmo de uma economia dirigida revela um fato perturbador: por trás de todas estas ideias há um forte componente autoritário. Nestas discussões, muitos se questionam a respeito da relevância da liberdade econômica num cenário onde cada vez mais direitos sociais são alçados a um patamar idílico inalcançável e intocável. Lançam mão de argumentos conceituais como “direitos universais e gratuitos” para todos, “serviços públicos, gratuitos e de qualidade para todos e principalmente para os mais pobres” e fazem de tudo para que os gastos governamentais se expandam de forma a corrigir os problemas que, se pensarmos bem, não serão solucionados com a injeção forçada de mais recursos: segundo eles, o Estado deve coordenar e dirigir a economia, evitar “distorções” do mercado, distribuir recursos de forma igualitária e proteger os mais vulneráveis da ação terrível e desumanizadora do capitalismo.

 Este raciocínio está hoje em voga e bem difundido. Tais pessoas condenam ou relegam às dimensões menores os direitos à liberdade e à propriedade, como se, num átimo, deles não dependessem, nem a eles nada devessem. Não obstante, não possui fundamentação, coerência ou possibilidade de ser concretizado na prática.

 O que eles não entendem é que a vulga “liberdade econômica” é apenas um termo que faz referência a algo muito maior, a saber, a própria liberdade e sua esfera. A liberdade econômica não significa apenas liberdade para produzir ou vender, para empreender ou empregar sem restrições; o termo “liberdade econômica” designa a extensão de uma liberdade ainda mais fundamental.

 Com efeito, não há ninguém nesta terra que possua um poder absoluto sobre outrem. Não há poder, autoridade alguma que possa, legitimamente, exercer qualquer restrição coercitiva sobre qualquer homem ou mulher. Todos somos diferentes, possuímos desejos, sonhos, interesses, objetivos, constituições diferentes, e, portanto, desiguais. No entanto, combinamos numa coisa: cada um necessita do outro para satisfazer as próprias necessidades que si mesmo não é capaz ou não possui forças para satisfazer.

 Jamais fomos, nem seremos autossuficientes. Vivemos em sociedade justamente porque, sozinhos e sem a constituição de fortes laços afetivos ou sociais, padeceríamos facilmente. Nessa vida coletiva, em que partilhamos experiências e criações, nenhuma palavra ganha tanto destaque quanto a cooperação.

 No arranjo social e econômico em que vivemos, o fator da cooperação, aliado à divisão do trabalho e à especialização, é o único, por excelência, capaz de explicar como as pessoas, separadas por distâncias inimagináveis, por fusos opostos, com interesses e valores tão distintos, conseguem ajustar suas preferências entre si sem necessitar da ação de qualquer força alheia assentada sobre a coerção. A esse processo, dinâmico e sempre em constante transformação, damos o nome de mercado.

 A livre interação entre homens e mulheres pressupõe o valor máximo da ação voluntária, não dirigida, livre de restrições externas. O interesse privado de cada um é satisfeito quando decido, voluntariamente, incorrer no auxilio daquele, ou daqueles indivíduos, que mal conheço. Nesse ínterim, informações são descobertas e criadas, e ação empreendedora supera dificuldades e obstáculos antes considerados intransponíveis. O sistema de preços, quando resultado desta livre interação, opera como linguagem universal que transmite as informações reais acerca de escassez e valor de recursos bens, cuja combinação é preciosa e faz alocar com eficiência todos os insumos disponíveis.

 Este arranjo, em razão da possibilidade de ajuste voluntário entre ações e vontades, sem exigir por isso o uso da força e da violência, é em si mesmo moralmente superior a qualquer outro já pensado. Ação do poder político transmutado em burocracia, ação estatal, intervencionismo, exige da coerção para funcionar, sendo tanto mais perniciosa ao primeiro quanto maior for sua extensão. A condução ou distribuição de recursos pelo Estado, conforme planejamento central e posto em prática através de meios coercitivos, interfere sobremaneira nesta complexa e vastíssima rede de relações. Com liberdade econômica reduzida, a cooperação perde eficiência, muitas vezes sentido; as informações locais, mínimas, não são fornecidas, os recursos não podem ser alocados com a mesma eficiência; perde-se a racionalidade de combinar recursos e como resultado se obtém a escassez, a baixa qualidade de bens e a restrição a certos produtos.

 Os direitos universais sociais, que obrigam ao Estado fornecer serviços gratuitos – termo equívoco, afinal há sempre alguém que paga por algo– e públicos, de interesse do bem-comum, encontram sua fundamentação na ideia de que parte desta liberdade pode ser sacrificada, mesmo à revelia dos discordantes e dissidentes. Nisso não há respeito, nem moralidade. A livre interação é prejudicada, indivíduos se veem restringidos na sua esfera da interação, da livre escolha, do que fazer com suas próprias faculdades.

 Um dirigismo central, um controle da economia, do mercado, para satisfazer demandas muito específicas – tudo isto pressupõe que um arranjo livre seja substituído, aos poucos ou de súbito, por uma força autoritária que decide onde cada recurso, em qual quantidade e por qual valor será aplicado. O indivíduo não terá mais a liberdade, tão digna de sua condição.

 É uma verdadeira falácia dizer que restringir a liberdade econômica não fere a liberdade como um todo, ou que, com isso, a liberdade não é sacrificada. Pergunto: de que serve meia liberdade? De que serve um estatuto formal que assegura minha integridade, meu direito à vida, à dissidência, à livre reunião, pensamento e iniciativa, se não poderei empregar os recursos que possuo – seja de qual natureza forem – para os fins que desejar? Se não posso valer-me das faculdades conforme meu próprio arbítrio? Se sou forçado a agir conforme ordens estritas?

 Os direitos sociais e leis distributivas são perigosos: terceirizam responsabilidades; transferem seu ônus, muitas vezes, aos cidadãos mais vulneráveis; concentram poder nas mãos de poucos e sacrificam a decisão racional de muitos agentes pelo achismo cego de pouquíssimos burocratas. Fazem muitos crerem na expansão do Estado, sem entender que, para distribuir riqueza, é necessário que a mesma seja produzida por aqueles que são os únicos que podem produzi-la: indivíduos. Também muitas vezes encontram-se baseados na violência fatal resultante da tentativa de dirigir uma sociedade inteira: para atingir fins estipulados previamente, os indivíduos precisam ser controlados, manipulados, forçados a performar papeis e atividades que podem destoar completamente de suas convicções pessoais, ainda que de forma indireta. Podem vir a tornar-se peças de uma máquina violenta, como proletários de uma grande máquina que lhes domina e escraviza.    


 Por isso, estejam cientes de que, onde há liberdade econômica irrestrita, o primeiro passo já foi dado para que liberdades fundamentais sejam asseguradas. Isto não significa que apenas ele será suficiente para garantir e proteger uma sociedade livre; muito além disso precisa ser feito. A “liberdade econômica”, o livre sistema de produção e trocas mútuas, não sendo condição suficiente, é, porém, condição primeira para que qualquer regime político livre venha a se estabelecer no futuro. Mas nisso, devemos concordar: ideologias diferentes entre si, mas que partilham da mesma forma de coordenação coercitiva de pessoas, partilham do mesmo autoritarismo velho e odioso.  

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