Este raciocínio está hoje em voga e bem
difundido. Tais pessoas condenam ou relegam às dimensões menores os direitos à
liberdade e à propriedade, como se, num átimo, deles não dependessem, nem a
eles nada devessem. Não obstante, não possui fundamentação, coerência ou
possibilidade de ser concretizado na prática.
O que eles não entendem é que a vulga
“liberdade econômica” é apenas um termo que faz referência a algo muito maior,
a saber, a própria liberdade e sua esfera. A liberdade econômica não significa
apenas liberdade para produzir ou vender, para empreender ou empregar sem
restrições; o termo “liberdade econômica” designa a extensão de uma liberdade
ainda mais fundamental.
Com efeito, não há ninguém nesta terra que
possua um poder absoluto sobre outrem. Não há poder, autoridade alguma que
possa, legitimamente, exercer qualquer restrição coercitiva sobre qualquer
homem ou mulher. Todos somos diferentes, possuímos desejos, sonhos, interesses,
objetivos, constituições diferentes, e, portanto, desiguais. No entanto,
combinamos numa coisa: cada um necessita do outro para satisfazer as próprias
necessidades que si mesmo não é capaz ou não possui forças para satisfazer.
Jamais fomos, nem seremos autossuficientes. Vivemos
em sociedade justamente porque, sozinhos e sem a constituição de fortes laços
afetivos ou sociais, padeceríamos facilmente. Nessa vida coletiva, em que
partilhamos experiências e criações, nenhuma palavra ganha tanto destaque
quanto a cooperação.
No arranjo social e econômico em que vivemos,
o fator da cooperação, aliado à divisão do trabalho e à especialização, é o
único, por excelência, capaz de explicar como as pessoas, separadas por
distâncias inimagináveis, por fusos opostos, com interesses e valores tão
distintos, conseguem ajustar suas preferências entre si sem necessitar da ação de qualquer força alheia assentada sobre a
coerção. A esse processo, dinâmico e sempre em constante transformação, damos
o nome de mercado.
A livre interação entre homens e mulheres
pressupõe o valor máximo da ação voluntária, não dirigida, livre de restrições
externas. O interesse privado de cada um é satisfeito quando decido,
voluntariamente, incorrer no auxilio daquele, ou daqueles indivíduos, que mal
conheço. Nesse ínterim, informações são descobertas e criadas, e ação
empreendedora supera dificuldades e obstáculos antes considerados
intransponíveis. O sistema de preços, quando resultado desta livre interação,
opera como linguagem universal que transmite as informações reais acerca de
escassez e valor de recursos bens, cuja combinação é preciosa e faz alocar com
eficiência todos os insumos disponíveis.
Este arranjo, em razão da possibilidade de
ajuste voluntário entre ações e vontades, sem exigir por isso o uso da força e
da violência, é em si mesmo moralmente
superior a qualquer outro já pensado. Ação do poder político transmutado em
burocracia, ação estatal, intervencionismo, exige da coerção para funcionar,
sendo tanto mais perniciosa ao primeiro quanto maior for sua extensão. A
condução ou distribuição de recursos pelo Estado, conforme planejamento central
e posto em prática através de meios coercitivos, interfere sobremaneira nesta
complexa e vastíssima rede de relações. Com liberdade econômica reduzida, a
cooperação perde eficiência, muitas vezes sentido; as informações locais,
mínimas, não são fornecidas, os recursos não podem ser alocados com a mesma
eficiência; perde-se a racionalidade de combinar recursos e como resultado se
obtém a escassez, a baixa qualidade de bens e a restrição a certos produtos.
Os direitos universais sociais, que obrigam ao
Estado fornecer serviços gratuitos – termo equívoco, afinal há sempre alguém
que paga por algo– e públicos, de interesse do bem-comum, encontram sua
fundamentação na ideia de que parte desta liberdade pode ser sacrificada, mesmo
à revelia dos discordantes e dissidentes. Nisso não há respeito, nem
moralidade. A livre interação é prejudicada, indivíduos se veem restringidos na
sua esfera da interação, da livre escolha, do que fazer com suas próprias
faculdades.
Um dirigismo central, um controle da economia,
do mercado, para satisfazer demandas muito específicas – tudo isto pressupõe
que um arranjo livre seja substituído, aos poucos ou de súbito, por uma força
autoritária que decide onde cada recurso, em qual quantidade e por qual valor será
aplicado. O indivíduo não terá mais a liberdade, tão digna de sua condição.
É uma verdadeira falácia dizer que restringir
a liberdade econômica não fere a liberdade como um todo, ou que, com isso, a
liberdade não é sacrificada. Pergunto: de que serve meia liberdade? De que
serve um estatuto formal que assegura minha integridade, meu direito à vida, à
dissidência, à livre reunião, pensamento e iniciativa, se não poderei empregar
os recursos que possuo – seja de qual natureza forem – para os fins que
desejar? Se não posso valer-me das faculdades conforme meu próprio arbítrio? Se
sou forçado a agir conforme ordens estritas?
Os direitos sociais e leis distributivas são perigosos:
terceirizam responsabilidades; transferem seu ônus, muitas vezes, aos cidadãos
mais vulneráveis; concentram poder nas mãos de poucos e sacrificam a decisão
racional de muitos agentes pelo achismo cego de pouquíssimos burocratas. Fazem
muitos crerem na expansão do Estado, sem entender que, para distribuir riqueza,
é necessário que a mesma seja produzida por aqueles que são os únicos que podem
produzi-la: indivíduos. Também muitas vezes encontram-se baseados na violência
fatal resultante da tentativa de dirigir uma sociedade inteira: para atingir
fins estipulados previamente, os indivíduos precisam ser controlados, manipulados,
forçados a performar papeis e atividades que podem destoar completamente de
suas convicções pessoais, ainda que de forma indireta. Podem vir a tornar-se
peças de uma máquina violenta, como proletários de uma grande máquina que lhes
domina e escraviza.
Por isso, estejam cientes de que, onde há
liberdade econômica irrestrita, o primeiro passo já foi dado para que
liberdades fundamentais sejam asseguradas. Isto não significa que apenas ele
será suficiente para garantir e proteger uma sociedade livre; muito além disso
precisa ser feito. A “liberdade econômica”, o livre sistema de produção e
trocas mútuas, não sendo condição suficiente, é, porém, condição primeira para que
qualquer regime político livre venha a se estabelecer no futuro. Mas nisso,
devemos concordar: ideologias diferentes entre si, mas que partilham da mesma
forma de coordenação coercitiva de pessoas, partilham do mesmo autoritarismo
velho e odioso.
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