"Quando vejo o princípio de liberdade em ação, vejo agir um princípio vigoroso, e isto, de início, é tudo que sei. É o mesmo caso de um líquido; os gases que ele contém se liberam bruscamente: para se fazer um julgamento, é necessário que o primeiro movimento se acalme, que o liquido se torne mais claro, e que nossa observação possa ir um pouco além da superfície".
Edmund Burke.

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

PEC 241: entenda como o congelamento e a redução de gastos podem ser o melhor remédio para a corrupção.

 Hoje muito se reprete a respeito da conexão, inequívoca, entre o inchaço governamental e os escândalos de corrupção. A frase procede, e em muitos aspectos. No entanto, neste momento de forte discussão polarizada em torno da PEC 241, é importante pontuar como esta pode ser importante no combate à corrupção ao iniciar uma conscientização sobre a necessidade de voltar-se contra uma tradição de privilégios e políticas públicas que concentram renda e espalham a pobreza.

 Este ensaio tem por objetivo, portanto, esclarecer definitivamente como se dá esta conexão entre tamanho da maquinaria estatal e corrupção, e como ambas podem ser reduzidas se seu “espírito” servir de exemplo para decisões futuras. Para começar, trago os dados internacionais levantados pelo índice de corrupção do Fórum Econômico Mundial: o Brasil ocupa o quarto lugar no índice de países mais corruptos do mundo, atrás apenas do Chade, Bolívia e Venezuela[1]. Já no estudo divulgado pela agência Transparência Internacional, o Brasil aparece em 76º colocado numa lista que inclui no total 168 países, após queda de 7 posições causadas pelo escândalo do “Petrolão”, onde, numa escala de 0 (extremamente corrupto) a 100 (extremamente transparente), pôde performar apenas 38 pontos[2].

 Comparando ambos os relatórios, pode-se observar uma fato no mínimo curioso: dos dez países mais corruptos do globo – Venezuela, Bolívia, Chade, Brasil, Iêmen, Paraguai, Nigéria, República Dominicana, Moldávia, Bangladesh e Argentina[3] -, dos quais cinco são sul-americanos, nenhum figura entre as economias mais livres, de acordo com o Index de Liberdade Econômica da heritage Foundation[4]. Apenas o Yemen não pode ser considerado nesta última lista, uma vez que não recebeu considerações da Fundação. Para se ter uma ideia, destes dez, o melhor colocado no Index foi o Paraguai, que aparece apenas na 83ª posição, num índice que engloba 178 nações. Por outro lado, entre os países mais transparentes, os dez primeiros colocados figuram – Dinamarca, Nova Zelândia, Finlândia, Suécia, Noruega, Suíça, Cingapura, Holanda, Luxemburgo, Canadá – segundo o mesmo Index, entre as economias mais livres, sendo a Noruega a nação, dentre estas, a ocupar posição mais desfavorável com a posição de numero 32. Há, portanto, um gap considerável entre o último dos dez mais transparentes e o primeiro dos mais corruptos de 51 países, aproximadamente 1/3 do total de países avaliados.

 Não obstante esta constatação alarmante, há uma ressalva que deve ser feita no caso brasileiro: nossa corrupção, em termos de valor desviado de suas fontes públicas, é exageradamente pequena. Explico: se considerarmos o PIB brasileiro de 2015, aproximado no montante de R$ 5,9 trilhões[5], o valor atualmente estimado em desvios no escândalo da Petrobrás, entre R$ 1,2 e R$ 1,4 bilhão, não apresenta nem sequer 1% do que a economia produziu. E se considerarmos tudo o que pode ter se perdido em termos de prejuízo financeiro conforme esclarecimentos da operação Lava Jato (R$ 42 bilhões[6]), esta porcentagem não chega nem mesmo a casa dos 2%. Tudo isto nos leva a concluir que a corrupção, a despeito de toda a repercussão negativa que a acompanha – com razão – não é a causa principal de nossos problemas econômicos e sociais. Melhor dizendo, é a consequência de uma causa ainda anterior.

 Nos termos do economista Samuel Pessoa, o risco que hoje acompanha o Brasil é a crença malfada de que “o fim da corrupção apresenta o fim de nossos problemas[7]”, quando, na verdade, a causa mor de nossas tribulações reside, acima de tudo, no desperdício e no esgotamento fiscal a que chegamos: “A sociedade, nos últimos 30 anos, jogou sobre os ombros do Estado brasileiro uma série de demandas e gastos [...] A verdade é que a corrupção cria uma série de problemas e acho que estamos combatendo-a. Mas o custo corrupção é muito menor do que as pessoas imaginam. O combate à corrupção, embora melhore o país, não fará aparecer recursos vultuosos do Tesouro Nacional. O Estado brasileiro está mal dimensionado. Arrecada menos do que gasta. E não porque está crescendo menos. Arrecada menos do que gasta por um problema estrutural, que gerou expectativas ruins, que geraram crescimento econômico baixo. O nó brasileiro hoje é o Estado[8].”

 Mas o que significa dizer exatamente que o “nó” brasileiro é o Estado? Significa, antes de mais nada, que a causa dos desperdícios e, consequentemente, da pobreza estabelecida no Brasil decorre, sobretudo, de políticas públicas. Conforme aponta Adriano Gianturco G., em seu excelente artigo[9], o repasse de recursos do Tesouro ao BNDES custam em média aos cofres públicos 9% do PIB. O déficit das 200 empresas estatais, somadas com as pedaladas, também ultrapassa facilmente este último patamar. A onerosa da guerra ao tráfico, os custos com o intervencionismo, com a aplicação dos 92 tributos atualmente existentes e conseguinte distribuição do valor adquirido, além da exclusão comercial dos mais pobres em decorrente das políticas protecionistas chamadas leis trabalhistas servem apenas para piorar o cenário e contribuir para que menos riqueza seja gerada pelo setor produtivo.

 Assim, a estrutura atual brasileira consiste num péssimo sistema de incentivos, de arranjos institucionais que fomentam comportamentos negativos e que levam ás últimas consequências algo que até mesmo Joaquim Nabuco, em sua obra o Abolicionismo, já observava: o sempre crescente funcionalismo público, incapaz de criar progresso e, ao mesmo tempo, extremamente dispendioso e parasitário aos cofres públicos[10]. Dados do IBGE recentemente mostraram, por exemplo, que a administração pública, apesar de representar 0,4% das empresas, absorveu cerca de 17,5% do pessoal ocupado total, 20,2% do pessoal ocupado assalariado e foi responsável por 29,4% dos salários e outras remunerações[11]. Isto refletiu-se também nos salários, pois enquanto órgãos estatais hoje pagam em média R$ 2.987,09 por pessoa, no setor privado a média salarial individual corresponde a R$ 1.889,29.

 Toda esta péssima estrutura, caracterizada por um crescente inchaço do funcionalismo público e da maquinaria estatal, tem como principal consequência o fato de se constituir, com isso, numa vitrine de negócios para grandes empresários e políticos. No caso destes, – a despeito da ingenuidade de muitos, que insiste em apostar na salvação através de políticos como Jandira Feghali, Marcelo Freixo, Jair Bolsonaro e outros – qualquer dúvida está fora de questão. Afinal, dado que a corrupção existe no homem, como Hobbes comumente dizia, e dado também que podemos crer que, no mais das vezes, todos agem movidos pelo interesse de maximizar seu bem-estar, diga-se interesse particular, a política torna-se, nos termos de Lord Acton, o poder que corrompe especialmente o homem mau, isto é, trata-se de uma fonte inesgotável de recursos e de corrupção à medida que que a concentração e seu tamanho aumentam[12]. Como novamente afirma Gianturco G., não seria um equívoco afirmar que a política é na verdade uma atividade humana por natureza corrupta quanto qualquer outra atividade cujo decurso está sujeito à desonestidade e à ação corrupta dos indivíduos que a conduzem[13].

 Por dedução lógica, chega-se a conclusão de que à medida que se intensifica o poder nas mãos da classe política, mais intervencionismo, menos liberdade e mais corrupção surgirão no âmbito da sociedade. Muitos dizem que a saída para os problemas da corrupção e da pobreza poderão ser solucionados pela fiscalização, pelo aumento da regulação pública e pela exclusão do financiamento privado das campanhas político-partidárias. Nada mais errôneo. Como qualquer outra protecionismo na economia, mercados clandestinos tendem a surgir. Não será diferente quanto às eleições de fundo exclusivamente partidário; também não será culpa em absoluto do poder econômico de grandes empresários a falência da democracia, visto que é justamente sua burocracia e o tamanho de seu poder em impor restrições e barreiras a concorrentes que tornam extremamente atrativa a obtenção de vantagens espúrias através da compra e troca de favores com políticos influentes. A melhor alternativa como sempre, é diminuir a capacidade de intervenção do setor público.

 Salta à vista, portanto, que a PEC 241 pode se tornar um marco em nossa história política e econômica, principalmente se tiver sucesso ao impor um limite máximo ao poder político já imenso. É óbvio, porém, que somente o estabelecimento de um teto de gastos não será o suficiente para desestimular a prática geral da corrupção no setor público, embora possa tornar-se o pontapé inicial para reformas estruturais necessárias voltadas, sobretudo, a redução gradual da intervenção estatal em nossa economia, fenômeno sempre ruim e com efeitos colaterais muitas vezes piores do que se imagina. Estamos longe de um cenário ideal, sem BNDES, sem impressão monopolizada de moeda e com liberdades individuais plenamente asseguradas e defendidas. Mas, assim creio, talvez ainda haja esperança.    




[1] http://brasil.elpais.com/brasil/2016/10/03/internacional/1475517627_935822.html
[2] http://brasil.elpais.com/brasil/2016/01/27/internacional/1453882221_604111.html
[3] http://reports.weforum.org/global-competitiveness-index/competitiveness-rankings/#series=GCI.A.01.01.02
[4] http://www.heritage.org/index/ranking
[5] http://br.advfn.com/indicadores/pib/brasil/2015
[6] http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2015/11/pf-estima-que-prejuizo-da-petrobras-com-corrupcao-pode-ser-de-r-42-bi.html
[7] http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2016/03/samuel-pessoa-o-no-brasileiro-hoje-nao-e-corrupcao-mas-o-estado.html
[8] Ibidem.
[9] http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2365
[10] http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000127.pdf
[11] http://www.valor.com.br/brasil/4096522/inchado-setor-publico-paga-salario-maior-que-setor-privado-diz-ibge
[12] http://oll.libertyfund.org/index.php?option=com_content&task=view&id=1407&Itemid=283
[13] http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2365

Nenhum comentário:

Postar um comentário