Hoje muito se reprete a
respeito da conexão, inequívoca, entre o inchaço governamental e os escândalos
de corrupção. A frase procede, e em muitos aspectos. No entanto, neste momento
de forte discussão polarizada em torno da PEC 241, é importante pontuar como
esta pode ser importante no combate à corrupção ao iniciar uma conscientização
sobre a necessidade de voltar-se contra uma tradição de privilégios e políticas
públicas que concentram renda e espalham a pobreza.
Este ensaio tem por objetivo, portanto,
esclarecer definitivamente como se dá esta conexão entre tamanho da maquinaria
estatal e corrupção, e como ambas podem ser reduzidas se seu “espírito” servir
de exemplo para decisões futuras. Para começar, trago os dados internacionais
levantados pelo índice de corrupção do Fórum Econômico Mundial: o Brasil ocupa
o quarto lugar no índice de países mais corruptos do mundo, atrás apenas do
Chade, Bolívia e Venezuela[1]. Já no estudo divulgado
pela agência Transparência Internacional, o Brasil aparece em 76º colocado numa
lista que inclui no total 168 países, após queda de 7 posições causadas pelo
escândalo do “Petrolão”, onde, numa escala de 0 (extremamente corrupto) a 100
(extremamente transparente), pôde performar apenas 38 pontos[2].
Comparando ambos os relatórios, pode-se
observar uma fato no mínimo curioso: dos dez países mais corruptos do globo –
Venezuela, Bolívia, Chade, Brasil, Iêmen, Paraguai, Nigéria, República
Dominicana, Moldávia, Bangladesh e Argentina[3] -, dos quais cinco são
sul-americanos, nenhum figura entre as economias mais livres, de acordo com o
Index de Liberdade Econômica da heritage Foundation[4]. Apenas o Yemen não pode
ser considerado nesta última lista, uma vez que não recebeu considerações da
Fundação. Para se ter uma ideia, destes dez, o melhor colocado no Index foi o
Paraguai, que aparece apenas na 83ª posição, num índice que engloba 178 nações.
Por outro lado, entre os países mais transparentes, os dez primeiros colocados
figuram – Dinamarca, Nova Zelândia, Finlândia, Suécia, Noruega, Suíça, Cingapura,
Holanda, Luxemburgo, Canadá – segundo o mesmo Index, entre as economias mais
livres, sendo a Noruega a nação, dentre estas, a ocupar posição mais
desfavorável com a posição de numero 32. Há, portanto, um gap considerável
entre o último dos dez mais transparentes e o primeiro dos mais corruptos de 51
países, aproximadamente 1/3 do total de países avaliados.
Não obstante esta constatação alarmante, há
uma ressalva que deve ser feita no caso brasileiro: nossa corrupção, em termos
de valor desviado de suas fontes públicas, é exageradamente pequena. Explico: se
considerarmos o PIB brasileiro de 2015, aproximado no montante de R$ 5,9
trilhões[5], o valor atualmente
estimado em desvios no escândalo da Petrobrás, entre R$ 1,2 e R$ 1,4 bilhão,
não apresenta nem sequer 1% do que a economia produziu. E se considerarmos tudo
o que pode ter se perdido em termos de prejuízo financeiro conforme
esclarecimentos da operação Lava Jato (R$ 42 bilhões[6]), esta porcentagem não
chega nem mesmo a casa dos 2%. Tudo isto nos leva a concluir que a corrupção, a
despeito de toda a repercussão negativa que a acompanha – com razão – não é a
causa principal de nossos problemas econômicos e sociais. Melhor dizendo, é a
consequência de uma causa ainda anterior.
Nos termos do economista Samuel Pessoa, o
risco que hoje acompanha o Brasil é a crença malfada de que “o fim da corrupção
apresenta o fim de nossos problemas[7]”, quando, na verdade, a
causa mor de nossas tribulações reside, acima de tudo, no desperdício e no
esgotamento fiscal a que chegamos: “A
sociedade, nos últimos 30 anos, jogou sobre os ombros do Estado brasileiro uma
série de demandas e gastos [...] A verdade é que a corrupção cria uma série de
problemas e acho que estamos combatendo-a. Mas o custo corrupção é muito menor
do que as pessoas imaginam. O combate à corrupção, embora melhore o país, não
fará aparecer recursos vultuosos do Tesouro Nacional. O Estado brasileiro está
mal dimensionado. Arrecada menos do que gasta. E não porque está crescendo
menos. Arrecada menos do que gasta por um problema estrutural, que gerou
expectativas ruins, que geraram crescimento econômico baixo. O nó brasileiro
hoje é o Estado[8].”
Mas o que significa dizer exatamente que o “nó”
brasileiro é o Estado? Significa, antes de mais nada, que a causa dos
desperdícios e, consequentemente, da pobreza estabelecida no Brasil decorre,
sobretudo, de políticas públicas. Conforme aponta Adriano Gianturco G., em seu
excelente artigo[9],
o repasse de recursos do Tesouro ao BNDES custam em média aos cofres públicos
9% do PIB. O déficit das 200 empresas estatais, somadas com as pedaladas,
também ultrapassa facilmente este último patamar. A onerosa da guerra ao
tráfico, os custos com o intervencionismo, com a aplicação dos 92 tributos
atualmente existentes e conseguinte distribuição do valor adquirido, além da
exclusão comercial dos mais pobres em decorrente das políticas protecionistas
chamadas leis trabalhistas servem apenas para piorar o cenário e contribuir
para que menos riqueza seja gerada pelo setor produtivo.
Assim, a estrutura atual brasileira consiste
num péssimo sistema de incentivos, de arranjos institucionais que fomentam
comportamentos negativos e que levam ás últimas consequências algo que até
mesmo Joaquim Nabuco, em sua obra o
Abolicionismo, já observava: o sempre crescente funcionalismo público,
incapaz de criar progresso e, ao mesmo tempo, extremamente dispendioso e
parasitário aos cofres públicos[10]. Dados do IBGE recentemente
mostraram, por exemplo, que a administração pública, apesar de representar 0,4%
das empresas, absorveu cerca de 17,5% do pessoal ocupado total, 20,2% do
pessoal ocupado assalariado e foi responsável por 29,4% dos salários e outras
remunerações[11].
Isto refletiu-se também nos salários, pois enquanto órgãos estatais hoje pagam
em média R$ 2.987,09 por pessoa, no setor privado a média salarial individual
corresponde a R$ 1.889,29.
Toda esta péssima estrutura, caracterizada por
um crescente inchaço do funcionalismo público e da maquinaria estatal, tem como
principal consequência o fato de se constituir, com isso, numa vitrine de
negócios para grandes empresários e políticos. No caso destes, – a despeito da
ingenuidade de muitos, que insiste em apostar na salvação através de políticos
como Jandira Feghali, Marcelo Freixo, Jair Bolsonaro e outros – qualquer dúvida
está fora de questão. Afinal, dado que a corrupção existe no homem, como Hobbes
comumente dizia, e dado também que podemos crer que, no mais das vezes, todos
agem movidos pelo interesse de maximizar seu bem-estar, diga-se interesse
particular, a política torna-se, nos termos de Lord Acton, o poder que corrompe
especialmente o homem mau, isto é, trata-se de uma fonte inesgotável de
recursos e de corrupção à medida que que a concentração e seu tamanho aumentam[12]. Como novamente afirma
Gianturco G., não seria um equívoco afirmar que a política é na verdade uma
atividade humana por natureza corrupta quanto qualquer outra atividade cujo
decurso está sujeito à desonestidade e à ação corrupta dos indivíduos que a
conduzem[13].
Por dedução lógica, chega-se a conclusão de
que à medida que se intensifica o poder nas mãos da classe política, mais
intervencionismo, menos liberdade e mais corrupção surgirão no âmbito da
sociedade. Muitos dizem que a saída para os problemas da corrupção e da pobreza
poderão ser solucionados pela fiscalização, pelo aumento da regulação pública e
pela exclusão do financiamento privado das campanhas político-partidárias. Nada
mais errôneo. Como qualquer outra protecionismo na economia, mercados
clandestinos tendem a surgir. Não será diferente quanto às eleições de fundo
exclusivamente partidário; também não será culpa em absoluto do poder econômico
de grandes empresários a falência da democracia, visto que é justamente sua
burocracia e o tamanho de seu poder em impor restrições e barreiras a
concorrentes que tornam extremamente atrativa a obtenção de vantagens espúrias
através da compra e troca de favores com políticos influentes. A melhor
alternativa como sempre, é diminuir a capacidade de intervenção do setor
público.
Salta à vista, portanto, que a PEC 241 pode se
tornar um marco em nossa história política e econômica, principalmente se tiver
sucesso ao impor um limite máximo ao poder político já imenso. É óbvio, porém,
que somente o estabelecimento de um teto de gastos não será o suficiente para
desestimular a prática geral da corrupção no setor público, embora possa
tornar-se o pontapé inicial para reformas estruturais necessárias voltadas,
sobretudo, a redução gradual da intervenção estatal em nossa economia, fenômeno
sempre ruim e com efeitos colaterais muitas vezes piores do que se imagina.
Estamos longe de um cenário ideal, sem BNDES, sem impressão monopolizada de
moeda e com liberdades individuais plenamente asseguradas e defendidas. Mas,
assim creio, talvez ainda haja esperança.
[1] http://brasil.elpais.com/brasil/2016/10/03/internacional/1475517627_935822.html
[2] http://brasil.elpais.com/brasil/2016/01/27/internacional/1453882221_604111.html
[3] http://reports.weforum.org/global-competitiveness-index/competitiveness-rankings/#series=GCI.A.01.01.02
[4] http://www.heritage.org/index/ranking
[5] http://br.advfn.com/indicadores/pib/brasil/2015
[6] http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2015/11/pf-estima-que-prejuizo-da-petrobras-com-corrupcao-pode-ser-de-r-42-bi.html
[7] http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2016/03/samuel-pessoa-o-no-brasileiro-hoje-nao-e-corrupcao-mas-o-estado.html
[8] Ibidem.
[9] http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2365
[10] http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000127.pdf
[11] http://www.valor.com.br/brasil/4096522/inchado-setor-publico-paga-salario-maior-que-setor-privado-diz-ibge
[12] http://oll.libertyfund.org/index.php?option=com_content&task=view&id=1407&Itemid=283
[13] http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2365
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