"Quando vejo o princípio de liberdade em ação, vejo agir um princípio vigoroso, e isto, de início, é tudo que sei. É o mesmo caso de um líquido; os gases que ele contém se liberam bruscamente: para se fazer um julgamento, é necessário que o primeiro movimento se acalme, que o liquido se torne mais claro, e que nossa observação possa ir um pouco além da superfície".
Edmund Burke.

sábado, 19 de novembro de 2016

Se a Classe Proletária tudo produzisse, nem mesmo a Lâmpada teria sido inventada

  “Se a classe proletária tudo produz, a ela tudo pertence” – é com este chavão que muitos defensores do socialismo e afins defendem a aquisição, por parte de colegas, de itens de tecnologia avançada proporcionados no mundo capitalista. A verdade, no entanto, é que esta crítica “neoliberal” e “sem fundamentos” não é nova e, contrariamente ao que esta esquerda pensa, faz muito sentido.  

 A explicação para esta frase chavão pode ser encontrada logo no primeiro capitulo da obra O Capital[1], de Karl Marx. Nele, encontramos as primeiras formulações de sua análise econômica sobre o processo de produção do capital, sua acumulação e funcionamento neste novo arranjo social no qual as relações sociais entre seres humanos é agora mediada.

 Tal como outros economistas e estudiosos da área que o antecederam, o alemão via no trabalho a origem de toda a riqueza material. Ele observava que, com as inovações tecnológicas como máquinas a vapor e manufatura, de fato a capacidade produtiva do trabalho ganhara um forte incremento em termos de valor se comparada aos séculos passados. A famosa frase neste capitulo, “20 metros de linho é igual a 01 casaco” ou “04 horas para se produzir um casaco”, ilustra bem este ponto: Marx não negava que havia grandes diferenças de produtividade entre nações, cidades, e até mesmo fábricas e corporações da mesma região. E bem era capaz de explicar o fenômeno ao situar a origem desta diferença nos fatores de produção que haviam avançado em relação de novas descobertas tecnológicas, ou “de uma nova aplicação de mais capital”, para utilizar seus termos.

 A questão, no entanto, fica aberta se ficarmos apenas em sua leitura. Segundo Marx, a classe proletária também era responsável por estes ganhos de produtividade a partir da aplicação de capital, afinal, uma máquina ou ferramenta antes indisponível, também havia sido previamente construída pelo trabalho humano, diga-se da classe proletária. No entanto, como instituir uma nova máquina ou uma nova ferramenta, antes indisponível, apenas com o trabalho humano? Em outros termos: é apenas o trabalho objetivo o fator responsável pelo ganho de produtividade, e, em suma, pela criação de riqueza no capitalismo?

 Para tornar a questão mais clara, basta pensarmos que, diferentemente desta dialética marxista, uma criação que revolucione um determinado método, diminuindo os custos de produção e sendo capaz de proporcionar uma qualidade superior a um determinado produto, só pode ser resultado de um trabalho de outra ordem e espécie totalmente distintas. É resultado, sem dúvida, de um trabalho intelectual. É óbvio que, sem o trabalho humano, de transformação de matéria prima, uma lâmpada, um celular, um computador ou até mesmo uma caneca não existiriam. No entanto, este trabalho manual, ou de transformação de elementos naturais em bens manufaturados, segue finalidades previamente estabelecidas. Não é meramente a combinação de recursos que foi capaz de fazer surgir a máquina à vapor, a engrenagem, o moinho ou o carro; antes, foi necessário que uma mente genial fosse capaz de trazer à lume alguma grande criação que revolucionasse, de alguma forma, o meio em que está inserido e proporcionasse à classe proletária uma nova estratégia de produção. Para isto, concorreram com glória Thomas Edson, Benjamim Franklin, Os Irmãos Wright, Karl Benz e tantos outros que, com formidável ação intelectiva, inovaram e trouxeram benefícios a praticamente todos nós.

 Se pode objetar que a invenção e o trabalho intelectual também estão inclusas no que Marx chamaria de “fator Trabalho”. É discutível, e bem provável que não, dado que a classe proletária é entendida por Marx como totalmente distinta de uma classe intelectual. No entanto, para efeito deste ensaio, aceitarei que, de fato, o trabalho, tanto intelectual quanto material, é responsável pela criação de riqueza – riqueza no sentido de fornecer um bem ou serviço mais acessível a partir do momento em que seus custos de produção caem.

 Mesmo tento procedido desta forma, a teoria econômica marxista ainda não conseguiu tapar aquele buraco. Pois, o que de fato pode permitir o aumento de produtividade e consequente queda nos preços é o próprio capital em si, o excedente de riqueza que é fruto da abstenção de consumo e que permite a reaplicação de insumos num fator produtivo. O trabalho humano, por si só, não é capaz de criar riqueza alguma, nem de tornar acessível os frutos de sua criação, se não houver algo que poderíamos chamar de   poupança ou lucro. Nos termos de Ludwig von Mises, em sua A Mentalidade Anti-Capitalista:
O capital não é uma dádiva gratuita de Deus ou da natureza.  É o resultado de uma prudente restrição do consumo por parte do homem.  É criado e aumentado pela poupança e mantido pela abstenção dos gastos.
Nem o capital nem os bens de capital têm o poder de elevar a produtividade dos recursos naturais e do trabalho humano.  Somente se os frutos da poupança forem adequadamente empregados ou investidos é que poderão aumentar o rendimento do insumo dos recursos naturais e do trabalho.  Se isso não acontece, eles são dissipados ou perdidos.
A acumulação de novo capital, a manutenção do capital previamente acumulado e a utilização do capital para aumentar a produtividade do esforço humano são os frutos da atividade humana intencional.  Resultam da conduta de pessoas prósperas que poupam e se abstêm de gastar, isto é, os capitalistas que ganham juros; e das pessoas que são bem-sucedidas ao utilizar o capital disponível para a melhor satisfação possível das necessidades dos consumidores, isto é, os empresários que ganham lucros.
Nem o capital (ou os bens de capital) nem a conduta dos capitalistas e empresários que lidam com o capital poderiam melhorar o padrão de vida do resto das pessoas, se os não capitalistas e os não empresários não reagissem de certa forma[2].

 Em termos mais claros, é justamente o excedente na acumulação de riqueza ou a abstenção do consumo imediato que fazem possível investir na criação de um método mais eficaz de produção. Foi justamente o lucro da empresa Apple, ou a poupança de Steve Jobs, que tornou possível o investimento num empreendimento primeiramente intelectual, depois material, de criação de computadores mais avançados e, por fim, do próprio iPhone.

 Voltando ao primeiro capítulo da obra magna de Marx, as diferenças de produtividade e riqueza material têm sua origem na diferença de capital acumulado e reinvestido. Ou seja, é o capital, o lucro, a poupança, que fez com que inventores como Thomas Edson, Benjamim Franklin, Karl Benz tivessem recursos e tempo para se dedicar a empreendimentos puramente, de início, intelectuais. A classe proletária não foi responsável pela criação de absolutamente nada de novo ou que pudesse ter contribuído para os ganhos de produtividade testemunhados ao longo da história. Em suma, o verdadeiro responsável e criador pelo iPhone, assim como a lâmpada e o computador e todas as outras invenções responsáveis pela melhoria de nossa qualidade de vida, foi o lucro, a acumulação de capital, a livre concorrência, que tornaram possíveis sua invenção e consequente produção em larga escala. Mais ainda, se a classe proletária tudo produzisse e a ela tudo pertencesse, não poderíamos nem mesmo ter-nos emancipado das duras realidades sócio-econômicas dos sistemas feudais e pré-capitalistas. Sem o fator capital, provavelmente ainda estaríamos levando horas, dias e semanas para produzir um único casaco.  



[1] http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_fontes/acer_marx/ocapital-1.pdf
[2] http://www.mises.org.br/EbookChapter.aspx?id=274

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