“Se a
classe proletária tudo produz, a ela tudo pertence” – é com este chavão que
muitos defensores do socialismo e afins defendem a aquisição, por parte de
colegas, de itens de tecnologia avançada proporcionados no mundo capitalista. A
verdade, no entanto, é que esta crítica “neoliberal” e “sem fundamentos” não é
nova e, contrariamente ao que esta esquerda pensa, faz muito sentido.
A explicação para esta frase chavão pode ser
encontrada logo no primeiro capitulo da obra O Capital[1],
de Karl Marx. Nele, encontramos as primeiras formulações de sua análise
econômica sobre o processo de produção do capital, sua acumulação e
funcionamento neste novo arranjo social no qual as relações sociais entre seres
humanos é agora mediada.
Tal como outros economistas e estudiosos da
área que o antecederam, o alemão via no trabalho a origem de toda a riqueza
material. Ele observava que, com as inovações tecnológicas como máquinas a
vapor e manufatura, de fato a capacidade produtiva do trabalho ganhara um forte
incremento em termos de valor se comparada aos séculos passados. A famosa frase
neste capitulo, “20 metros de linho é igual a 01 casaco” ou “04 horas para se
produzir um casaco”, ilustra bem este ponto: Marx não negava que havia grandes
diferenças de produtividade entre nações, cidades, e até mesmo fábricas e
corporações da mesma região. E bem era capaz de explicar o fenômeno ao situar a
origem desta diferença nos fatores de produção que haviam avançado em relação
de novas descobertas tecnológicas, ou “de uma nova aplicação de mais capital”,
para utilizar seus termos.
A questão, no entanto, fica aberta se ficarmos
apenas em sua leitura. Segundo Marx, a classe proletária também era responsável
por estes ganhos de produtividade a partir da aplicação de capital, afinal, uma
máquina ou ferramenta antes indisponível, também havia sido previamente
construída pelo trabalho humano, diga-se da classe proletária. No entanto, como
instituir uma nova máquina ou uma nova ferramenta, antes indisponível, apenas
com o trabalho humano? Em outros termos: é apenas o trabalho objetivo o fator
responsável pelo ganho de produtividade, e, em suma, pela criação de riqueza no
capitalismo?
Para tornar a questão mais clara, basta pensarmos
que, diferentemente desta dialética marxista, uma criação que revolucione um
determinado método, diminuindo os custos de produção e sendo capaz de
proporcionar uma qualidade superior a um determinado produto, só pode ser
resultado de um trabalho de outra ordem e espécie totalmente distintas. É resultado,
sem dúvida, de um trabalho intelectual. É óbvio que, sem o trabalho humano, de
transformação de matéria prima, uma lâmpada, um celular, um computador ou até
mesmo uma caneca não existiriam. No entanto, este trabalho manual, ou de
transformação de elementos naturais em bens manufaturados, segue finalidades
previamente estabelecidas. Não é meramente a combinação de recursos que foi
capaz de fazer surgir a máquina à vapor, a engrenagem, o moinho ou o carro;
antes, foi necessário que uma mente genial fosse capaz de trazer à lume alguma
grande criação que revolucionasse, de alguma forma, o meio em que está inserido
e proporcionasse à classe proletária uma nova estratégia de produção. Para isto,
concorreram com glória Thomas Edson, Benjamim Franklin, Os Irmãos Wright, Karl Benz
e tantos outros que, com formidável ação intelectiva, inovaram e trouxeram
benefícios a praticamente todos nós.
Se pode objetar que a invenção e o trabalho
intelectual também estão inclusas no que Marx chamaria de “fator Trabalho”. É
discutível, e bem provável que não, dado que a classe proletária é entendida
por Marx como totalmente distinta de uma classe intelectual. No entanto, para
efeito deste ensaio, aceitarei que, de fato, o trabalho, tanto intelectual quanto
material, é responsável pela criação de riqueza – riqueza no sentido de
fornecer um bem ou serviço mais acessível a partir do momento em que seus
custos de produção caem.
Mesmo tento procedido desta forma, a teoria
econômica marxista ainda não conseguiu tapar aquele buraco. Pois, o que de fato
pode permitir o aumento de produtividade e consequente queda nos preços é o
próprio capital em si, o excedente de
riqueza que é fruto da abstenção de consumo e que permite a reaplicação de
insumos num fator produtivo. O trabalho humano, por si só, não é capaz de criar
riqueza alguma, nem de tornar acessível os frutos de sua criação, se não houver
algo que poderíamos chamar de poupança
ou lucro. Nos termos de Ludwig von Mises, em sua A Mentalidade Anti-Capitalista:
O capital não é uma dádiva gratuita de
Deus ou da natureza. É o resultado de
uma prudente restrição do consumo por parte do homem. É criado e aumentado pela poupança e mantido pela
abstenção dos gastos.
Nem o capital nem os bens de capital
têm o poder de elevar a produtividade dos recursos naturais e do trabalho
humano. Somente se os frutos da poupança
forem adequadamente empregados ou investidos é que poderão aumentar o
rendimento do insumo dos recursos naturais e do trabalho. Se isso não acontece, eles são dissipados ou
perdidos.
A acumulação de novo capital, a
manutenção do capital previamente acumulado e a utilização do capital para
aumentar a produtividade do esforço humano são os frutos da atividade humana
intencional. Resultam da conduta de
pessoas prósperas que poupam e se abstêm de gastar, isto é, os capitalistas que
ganham juros; e das pessoas que são bem-sucedidas ao utilizar o capital
disponível para a melhor satisfação possível das necessidades dos consumidores,
isto é, os empresários que ganham lucros.
Nem o capital (ou os bens de capital)
nem a conduta dos capitalistas e empresários que lidam com o capital poderiam
melhorar o padrão de vida do resto das pessoas, se os não capitalistas e os não
empresários não reagissem de certa forma[2].
Em
termos mais claros, é justamente o excedente na acumulação de riqueza ou a
abstenção do consumo imediato que fazem possível investir na criação de um
método mais eficaz de produção. Foi justamente o lucro da empresa Apple, ou a
poupança de Steve Jobs, que tornou possível o investimento num empreendimento
primeiramente intelectual, depois material, de criação de computadores mais
avançados e, por fim, do próprio iPhone.
Voltando ao primeiro capítulo da obra magna de
Marx, as diferenças de produtividade e riqueza material têm sua origem na
diferença de capital acumulado e reinvestido. Ou seja, é o capital, o lucro, a
poupança, que fez com que inventores como Thomas Edson, Benjamim Franklin, Karl
Benz tivessem recursos e tempo para se dedicar a empreendimentos puramente, de
início, intelectuais. A classe proletária não foi responsável pela criação de
absolutamente nada de novo ou que pudesse ter contribuído para os ganhos de
produtividade testemunhados ao longo da história. Em suma, o verdadeiro
responsável e criador pelo iPhone, assim como a lâmpada e o computador e todas
as outras invenções responsáveis pela melhoria de nossa qualidade de vida, foi
o lucro, a acumulação de capital, a livre concorrência, que tornaram possíveis
sua invenção e consequente produção em larga escala. Mais ainda, se a classe
proletária tudo produzisse e a ela tudo pertencesse, não poderíamos nem mesmo ter-nos
emancipado das duras realidades sócio-econômicas dos sistemas feudais e
pré-capitalistas. Sem o fator capital, provavelmente ainda estaríamos levando
horas, dias e semanas para produzir um único casaco.
muito legal sua analise
ResponderExcluirOpa, Obrigado!
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