"Quando vejo o princípio de liberdade em ação, vejo agir um princípio vigoroso, e isto, de início, é tudo que sei. É o mesmo caso de um líquido; os gases que ele contém se liberam bruscamente: para se fazer um julgamento, é necessário que o primeiro movimento se acalme, que o liquido se torne mais claro, e que nossa observação possa ir um pouco além da superfície".
Edmund Burke.

sábado, 4 de novembro de 2017

A Afro-Matemática não deve ser uma Anti-ciência


 Em outubro deste ano realizou-se a inclusão, na UFABC, do ensino obrigatório da “afro-etnomatemática” no curso de licenciatura em Matemática. A medida, que disparou opiniões controvertidas na opinião pública, apresenta pontos extremamente positivos e notáveis– mas, em contrapartida, outros igualmente deletérios.

 De autoria de Jorge Costa e do Coletivo Negro Vozes, a medida é resultado da plataforma Matemáfrica, cujo objetivo é criar um espaço de publicação de projetos e pesquisas associadas ao ensino e aprendizagem da afro-matemática. A escolha pela implementação da afro-matemática, por sua vez, destina-se a eliminar a sub-representação de negras e negros tanto entre discentes, quanto entre os docentes escolares e universitários.  

Nas palavras de Jorge,

“Referências como o filme ‘Estrela Além do Tempo’, demonstram o quanto negras e negros são produtoras de conhecimento científico e que devem ser introduzidos em nossas escolas, com a finalidade de se quebrar estereótipos e demonstrar o talento e a genialidade de nosso povo também nas áreas consideradas ciências duras como matemática, física e química”.

 Em síntese, a instituição das matérias de Estudos Étnico-raciais e Afro-Matemáticas como Transformadora Social resulta da tentativa de descolonizar o curriculum de ensino atualmente vigente no Brasil e no Ocidente: numa palavra, resistir à imposição de matérias e saberes europeus que excluíram ou deixaram forçosamente à margem contribuições e autores africanos. A sub-representação étnica e, doravante, o racismo ainda em voga encontram sua subsistência e sua retroalimentação no ensino de um conjunto de saberes colonizador – porque oriundo da imposição forçada de colonialistas europeus -  e discriminatório.


 Ora, com base nos ensinamentos de um dos mais notórios filósofos da ciência do século XX, karl Popper, o processo de fazer ciência, e portanto, de constituição do conhecimento, tem na tradição racionalista um se seus aspectos mais importantes. O livre debate e aquilo que herdamos dos filósofos gregos e helênicos, posteriormente renascidos pela pena de Galileu, como a busca da verdade através de uma abordagem racional rica e de múltiplas visões, são fatores fundamentais para a valorização da ciência e para a capacidade humana de se livrar de velhas crenças e preconceitos.

 O debruçar-se sobre teorias e autores até então excluídos em virtude de um processo civilizador é louvável e necessário. Popper nos mostrou sabiamente que a ciência se faz com a virtude da humildade. A ciência e o próprio saber deparam-se com a possibilidade de falseabilidade de suas conclusões a partir do nascimento de novas teorias, e nos conduzem sempre à busca de melhoramentos e da solidificação de nosso conhecimento. Nos termos do próprio Popper:

 “Dentro dessa tradição racionalista, a ciência é estimada, reconhecidamente, pelas suas realizações práticas, mais ainda, porém, pelo conteúdo informativo e a capacidade de livrar nossas mentes de velhas crenças e preconceitos, velhas certezas, oferecendo-nos em seu lugar novas conjecturas e hipóteses ousadas. A ciência é valorizada pela influência liberalizadora que exerce – uma das forças mais poderosas que contribuiu para a liberdade humana.”  

 Este aspecto de natureza deveras positiva do Coletivo, choca-se, contudo, com outro inteiramente distinto, que lhe é inclusive oposto. Jorge Costa parece não se furtar à lógica da racialização que tanto marcou as expedições brutais de exclusão e divisão segundo o critério da raça ou da cor. Há, para ele e o Coletivo, racismo na matemática “tradicional”, pois “a disciplina de matemática é uma das responsáveis pela exclusão de negros e negras das escolas, e consequentemente dos cursos superiores nas áreas tecnológicas”.

 A afirmação é alarmante e levanta, de imediato, muitas questões. São a ciência e o conhecimento racistas? Sabemos que a teoria científica pode ser dita como modelo matemático que descreve e codifica as observações que fazemos; que descreve uma vasta série de fenômenos com base em postulados simples e é capaz de fazer previsões igualmente claras e sujeitas ao teste empírico. Neste sentido, ainda que nosso curriculum contemporâneo possa ter sido implementado pelas forças excludentes do colonialismo europeu, de forma alguma pode-se desconsiderar as contribuições imensuráveis de autores como Pitágoras, Newton ou Leibniz para o campo da ciência. Tampouco é isento de exagero associar a engenhosidade de suas obras com a finalidade de exaltar a raça branca ou excluir povo considerados inferiores. Suas descobertas estão muito mais alinhadas com o senso do pensar filosófico e do ímpeto de solucionar mistérios físicos ou matemáticos do que propriamente á exclusão de um grupo sub-representado.  

 Construindo uma analogia com a medicina dos dias atuais, é possível remontar as contribuições mais relevantes neste campo, em sua maioria, ao trabalho acadêmico de cientistas ocidentais. Não por isso, porém, podemos afirmar que um médico oncologista que se anima a salvar seu paciente age de forma discriminadamente racista. Muito menos é crível salientar que um professor de medicina no Brasil ou alhures cometa um ato racista ao apresentar as inovações de Lavoisier ou da descoberta da penicilina.  

 Ademais, salta à vista a conclusão, em si mesmo errônea e muito perigosa, de que a sub-representação de um grupo étnico seja resultado explícito da exclusão institucional promovida por um conjunto de normas e instituições igualmente racistas. Há tantos casos de sub-representação documentados ao longo da história que se faz impossível acreditar que um único fator sobrepujante seja capaz de explicar uma desigualdade que já ocorreu ou que ainda persiste. No caso brasileiro, poderíamos afirmar que a matemática “tradicional” é um fator igualmente decisivo para a exclusão de muitos outros brancos, descendentes de europeus ou imigrantes japoneses, que possam não ter tido acesso a uma educação básica de qualidade. No sul do país, por exemplo, onde parte considerável da população é de pele branca, as parcelas da população de baixa renda e com poucas oportunidades de mobilidade social incluem um grande contingente de descendentes de europeus. Tanto no caso da exclusão dos negros como no dos brancos do sul (e em muitos ouros estados da União, onde há também muitos brancos e mestiços pobres), é possível indagar: foram as condições de natureza sócio-econômica, aliadas a fatores como fragilidade dos serviços públicos, ou a cor da pele os fatores primordiais para a eventual definição do ingresso numa universidade pública ou a um ofício bem remunerado?


 Há ainda neste imbróglio outro aspecto relevante. É evidente que a matemática e as ciências “tradicionais” ocidentais são amplamente ensinadas no mundo acadêmico. Este fato, no entanto, pode estar relacionado à faculdade que elas possuem de responder às necessidades existentes no mundo contemporâneo. A tecnologia da computação, a engenharia, as ciências biológicas, a construção civil e o próprio desenvolvimento econômico e social são extremamente dependentes da boa formação de mão-de-obra, que seja capaz de lidar com os desafios que nascem com a globalização e a competividade – e até o momento, a matemática tradicional tem correspondido com sucesso às demandas do progresso material e das melhorias nas condições básicas de vida.

 A inclusão de vozes e contribuições até então relegadas à marginalização é fundamental para o enriquecimento do processo de se fazer ciência e para o próprio desenvolvimento de novas teorias. Já a prática de rotular um determinado campo do saber, não. Por outros meios, classificar a matemática tradicional como racista implica desestimular ou mesmo condenar seu ensino e aprendizado, tal como fizemos, no passado, com as contribuições de grupos subjugados sob a justificativa de que sua cultura e saber eram inferiores. A difusão de uma ciência não pode se ajoelhar, como argumentaria Popper, a um projeto ideológico de poder. É tudo isto extremamente contrário à tradição filosófica que nos legou o que há de mais precioso para a construção do conhecimento em qualquer sociedade: o debate, a livre expressão e o exercício da razão.

Bibliografia



Um comentário:

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