"Quando vejo o princípio de liberdade em ação, vejo agir um princípio vigoroso, e isto, de início, é tudo que sei. É o mesmo caso de um líquido; os gases que ele contém se liberam bruscamente: para se fazer um julgamento, é necessário que o primeiro movimento se acalme, que o liquido se torne mais claro, e que nossa observação possa ir um pouco além da superfície".
Edmund Burke.

domingo, 30 de outubro de 2016

Ana Julia Ribeiro e O Discurso Vazio


Como tinha de ser, um vídeo polêmico[1] de uma estudante secundarista da escola Senador Manuel Alencar Guimarães viralizou na rede num piscar de olhos. Com voz embargada, a menina de apenas 16 anos proclamou em alto e bom tom o que já suspeitávamos: o senso comum, a vacuidade de um discurso “politizado” que, ao mesmo tempo, se auto nomeia legítimo, legal e reserva a si todas as virtudes da luta política, excluindo do debate, como posições incompreensíveis e erradas, qualquer alternativa de pensamento.

 Desde o inicio de seu discurso, é fácil perceber os equívocos em que ela incorre. “É um insulto dizer que estamos sendo doutrinados”. Não, não é. Pode ser doloroso e mesmo grosseiro dizer que o ensino no Brasil está bem longe do ideal e padece de uma doutrinação estrutural. Mas é, infelizmente, verdade.

 Para constatá-la, basta observar boa parte dos materiais didáticos de história e geografia. Entre os mais vendidos, há visões para lá de distorcidas: zumbi dos palmares é um herói do povo negro sequestrado no continente africano que lutou bravamente contra a opressão da elite e pelo fim da escravização de seus compatriotas. Os índios viviam em paz e harmonia até a chegada dos portugueses. A coluna Prestes trouxe esperança aos famintos e miseráveis do nordeste brasileiro. A revolução de Castro e Che foi o melhor acontecimento da história cubana. Papo furado: zumbi, no quilombo dos palmares, possuía escravos[2]. Os índios eram extremamente violentos, faziam da guerra o modo de relações com boa parte das outras tribos[3]. A coluna Prestes foi pior do que o cangaço[4]. O socialismo foi a pior tragédia da história cubana[5].

 Em sequência, a estudante continua: “Para quem duvidar da legalidade e legitimidade, basta ver o Inciso 6 do artigo 16 da lei 8069”. Pois bem, o referido inciso pertence ao Estatuto da Criança e do Adolescente, promulgado em 13 julho de 1990[6]. Nele, o inciso 6 do artigo 16 diz o seguinte: “[o direito à liberdade da criança e do adolescente compreende] participar da vida política na forma da lei.” Em primeiro lugar, por “forma da lei” deve-se entender que uma ocupação de espaço publico não referendada por todos, mas exatamente todos que compõem o corpo político e que viole o direito de ir e vir dos cidadãos é, no mínimo, ilegal - afinal resoluções de uma assembleia estudantil sem registro em cartório e sem escopo jurídico que fundamente sua atividade não tem poder algum sobre qualquer outro cidadão, incluindo aquele poder de força-lo ou fazê-lo deixar de fazer o que tem por interesse fazer. E mesmo que atendesse a tais condições, suas resoluções jamais poderiam sobrepor-se ao artigo 5º de nossa Constituição Federal[7] ou sobre a liberdade individual que é intrínseca ao individuo em razão de sua constituição moral.  

 Em segundo lugar, o ato de participar da vida política pode ser concretizado de maneiras tão variadas que chega a causar risos a ideia de que um projeto de ampla ocupação de escolas corresponda a algo como inteirar-se e participar com cidadania da vida política. Esta, entendida como cidadania, pressupõe um espaço público no qual todos, a despeito de suas diferenças, encontram-se como iguais e discutem, cada um com os mesmos direitos, os aspectos necessários para a manutenção das liberdades e para a conservação das melhores instituições que protegem e dão ânimo a uma comunidade. Ora, o simples fato de se ocupar um determinado local já põe abaixo qualquer respeito pela condição e pelas funções de outrem. É um ato eminentemente autoritário e que divide todo o corpo entre o “nós” que estabelecemos uma assembleia, expulsando aqueles que lá residiam suas funções, e o “eles”, que, do lado de fora, os acompanham como seres apolíticos.

 “Nosso movimento é apartidário”. Bem, isto é realmente, para dizer o mínimo, MUITO duvidoso. No Paraná, boa parte das escolas ocupadas recebe apoio de entidades como A Associação dos Professores do Paraná[8], em cuja página há menção clara de apoio ao grupo por parte de outras entidades sindicais como a CUT e o MST[9]. Não causa surpresa o alinhamento de boa parte das reivindicações dos estudantes que ocupam escolas com as pautas de muitos sindicatos e grupos políticos do Brasil[10]. Também não se pode dizer que estas ocupações e suas lideranças sejam afeitas ao debate. Não apenas os pais e muitos adultos e estudantes contrários ás ocupações foram muitas vezes impedidos de entrar nas escolas[11] – fato que não justifica, é claro, o uso da violência contra estudantes que realizam as ocupações -, como grupos com visões contrárias tiveram seu acesso ás assembleias impedido e seus membros hostilizados[12][13].

 “Como representantes do Estado, os senhores estão com as mãos sujas de sangue”. De fato, o Estado pode e deve ser responsabilizado por muitas tragédias sociais e econômicas nesse país. No entanto, se há alguém responsável pela morte do jovem Lucas, este alguém não é um parlamentar. Muitos foram os fatores que influíram no assassinato: o uso de entorpecentes, a ausência de adultos, a própria ocupação. Ainda assim, o verdadeiro infrator não deixa de ser aquele que se valeu da navalha. E a questão torna-se ainda mais espinhosa para a estudante quando menciona: “De acordo com o ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente], a responsabilidade cabe à família, à sociedade e ao Estado”. Bem, sendo seu movimento uma parte – movimentada, iluminada pelas virtudes da cidadania – importante da sociedade, creio que a ela também deve ser reservado um punhado desta sagrada prestação de contas.

 Por fim, “representamos os estudantes” não deixa de ser outro aforismo desajeitado e cheio da mesma vacuidade ilusória. Quais estudantes? Quantos? Onde? Em verdade, o que realmente ocorre é que boa parte dos estudantes secundaristas de cidades onde escolas estão ocupadas colocam-se contra às ocupações[14] [15]. Não vejo como isto, esta posição de desacordo pode representar a livre anuência ou consentimento a um movimento como a da jovem Ana Julia. È incrível inclusive como seu discurso parece desconsiderar a existência de movimentos contrários às ocupações, como o Curitiba contra a Corrupção e o Patriotas.

 Em suma, seu discurso, precedido de muita coragem, mas, que sem conteúdo torna-se estupidez, não é nada novo no cenário da militância política brasileira. Repete lugares-comuns e se baseia de muitas frases de efeito, sem contudo nada trazer de verdadeiro ao debate.  





[1] https://www.youtube.com/watch?v=oY7DMbZ8B9Y
[2] http://educacao.uol.com.br/noticias/2011/05/13/zumbi-era-um-lider-autoritario-e-tinha-escravos-veja-as-polemicas-sobre-a-escravidao-no-brasil.htm
[3] http://super.abril.com.br/blogs/historia-sem-fim/quem-mais-matou-indios-foram-os-proprios-indios/
[4] http://mundoestranho.abril.com.br/historia/o-que-foi-a-coluna-prestes/
[5] http://oensaistapolitico.blogspot.com.br/2016/10/sim-cuba-e-uma-ditadura-em-todos-os.html
[6] http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei8069_02.pdf
[7] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm
[8] http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2016/10/1827500-sindicatos-partidos-e-mbl-inflamam-tensao-em-ocupacao-de-escolas-no-pr.shtml
[9] http://appsindicato.org.br/
[10] https://pcb.org.br/portal2/12400
[11] http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2016/10/1826273-protesto-em-escola-ocupada-do-parana-tem-tensao-apitaco-e-xingamentos.shtml
[12] https://www.youtube.com/watch?v=DxkcfLSP21M
[13] https://www.youtube.com/watch?v=ZLuY8GUPXK0
[14] http://paranaportal.uol.com.br/curitiba/curitiba-tera-manifestacao-contra-ocupacao-nas-escolas/
[15] http://g1.globo.com/minas-gerais/triangulo-mineiro/noticia/2016/10/pais-e-alunos-reivindicam-contra-ocupacoes-de-escolas-em-uberlandia.html

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Por que a Justiça Social é o Verdadeiro Vilão da Nossa Desigualdade?

 Um dos maiores problemas do Brasil é certamente sua desigualdade social. Apenas no último relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), se se levássemos em consideração a desigualdade de renda, a posição ocupada pelo país no ranking global de IDH[1], atualmente 75º colocado, cairia incríveis 20 posições[2].

 E se isto já não fosse o suficiente para preocupar qualquer brasileiro, o cenário torna-se ainda pior quando levamos em consideração que a nossa desigualdade voltou a aumentar, alcançado os patamares que já ocupava no ano 2011[3]. Em comparação com os nossos vizinhos, apresentamos a antepenúltima colocação numa lista que mede o índice local de desenvolvimento humano, estando apenas á frente de países como Peru e Equador[4].  

 O que, entretanto, esquece-se por completo quando tais índices vêm tona, é que as causas de tais problemas não se referem aos velhos espantalhos do pensamento sociológico brasileiro. Ou, melhor dizendo, não encontram sua causa fundamental em vilões históricos como o capitalismo ou o mercado. Como sempre ocorreu, a defesa de uma chamada justiça social – cujos significados variam enormemente de autor para autor – encontra neste cenário um pano de fundo profícuo para seu desenvolvimento.

 Sabemos que a desigualdade é inerente ao funcionamento do “sistema do capital”, e que sua ação tende a criar desníveis em termos de renda. Ainda assim, como afirma Hayek em sua obra A Miragem da Justiça Social[5], há algo que por si só chama a atenção: o capitalismo não é um ente moral, um ente racional capaz de proferir julgamentos ou executar ações passíveis de censura ou aprovação, nem mesmo de agir de forma “justa” ou “injusta”. Como um arranjo sócio-econômico que tem sua base nas próprias ações individuais, fatores a ele associados, como a distribuição desigual de riqueza, correspondem exatamente à ação de indivíduos livres.

 Isto quer dizer, em suma, que é a própria possibilidade de que todos possam escolher livremente, exercer suas influências e perseguir seus objetivos que fundamenta, em essência, a desigualdade num sistema capitalista. Não possuímos, muitas vezes, gostos, preferências, histórias de vida, visões de mundo ou valores em comum; conceitos, como bem-comum, necessidade, direito, são interpretados de forma completamente diferente entre nós. Em razão disso, a apreciação subjetiva que possuímos sobre os bens e serviços que são produzidos em cooperação também difere de indivíduo para indivíduo: há aqueles que valorizam um concerto de música clássica, e por isso desembolsariam uma quantia maior para ter acesso a este bem, ao passo que há outros que valorizam um show de rock, e portanto,  não estariam dispostas a desembolsar os mínimos recursos para assistir a uma ópera ou apresentação de balé.

 A consequência clara disso tudo resume-se, por um lado, no fato de que nosso poder de escolha contribui para o sucesso de alguns. São as nossas preferências refletidas nas escolhas pessoais que, em suma, premiam aquele ou aqueles que melhor convergiram para fornecer um bem em condições melhores e mais acessíveis aos consumidores que o demandavam.

 E, por outro, resume-se no fato de que são todas as demais pessoas que convivem comigo em sociedade (incluindo eu) que decidirão aquilo que é valioso, ou a necessidade que precisa ser satisfeita naquele momento específico, e de que forma. As demandas por serviços diferentes tendem a variar de acordo com as circunstâncias nas quais estamos inseridos, e fazem com que determinados profissionais tenham um valor maior num determinado momento do que em outros.

 É claro que outros fatores concorrem para a definição de um preço de um bem ou de um salário, como, por exemplo, a relação entre a oferta de mão-de-obra adequada para a realização de uma determinada tarefa e a quantidade demandada para este mesmo fim; a péssima qualidade do ensino básico e a existência de uma alta carga tributária. Mas, ainda assim, a apreciação subjetiva de cada um e a liberdade de escolha seguem como as principais causas da famigerada desigualdade – que, por si só, não representaria algo imoral ou opressor.

 Ora, estabelecido isto, surge a seguinte questão: há injustiça na desigualdade econômica? É justo que haja um processo redistributivo que atinja a todos? O filósofo francês Betrand de Jouvenel, em sua obra A Ética da Redistribuição[6], pôs-se a debruçar sobre o tópico, e chegou a conclusões surpreendentes. Longe de avaliar as consequências sobre a estrutura de incentivos, o autor avaliou seu impacto sobre as questões concernentes à liberdade individual e a ação política: para redistribuir a riqueza, novas estruturas e burocracia tornam-se necessárias, e os montantes necessários para suprir certa carência muitas vezes não advém somente das classes mais abastadas ou medianas. Impostos e taxas tendem a ser externalizados de alguma forma, e o aumento de preços e a monopolização em razão da falência financeira de empresas concorrentes ocorrem, com prejuízo das classes mais desfavorecidas. Além disso, as políticas de redistribuição possuem uma temerosa tendência de discriminar as minorias, uma vez que, inevitavelmente, favorecem a maioria[7].

 No entanto, sua crítica mais forte à redistribuição atinge a centralização e o aumento do poder político que o acompanham. A perda da responsabilidade pessoal que muitas vezes se segue á consolidação de um programa redistributivo faz repassar à esfera estatal a responsabilidade de prover e ofertar serviços que antes eram fornecidos pelo próprio setor privado. Num cenário extremo, em que a poupança e os investimentos são objeto de forte tributação, passa-se ao Estado a iniciativa de prover a seus cidadãos serviços que antes necessitavam de capital, como, por exemplo, o suporte e o fomento a alta cultura e às artes, o transporte, a extração de certos minérios, etc. Por conseguinte, o controle que o Estado, de forma direta ou indireta, passa a exercer sobre as pessoas recrudesce em grau considerável e perigoso, uma vez que ele passa a influenciar diretamente nas opções e na vontade de escolha de cada um. Em última instância, a redistribuição seria capaz de conduzir uma determinada comunidade a adoção de um método coercitivo para decidir o conteúdo e a quantidade de cada bem demandado. Por fim, a redistribuição nada mais produziria senão resultados conflitantes com os próprios valores que a animaram.

 Voltando ao caso brasileiro, as lições apresentadas pelos dois autores reverberam com força e nos indicam que as tentativas de “justiça social” aplicadas recentemente, destinadas a emancipar os mais desfavorecidos e prejudicados com a herança de regimes brutais, serviram para piorar o fenômeno da concentração de renda, agindo no sentindo de neutralizar a melhoria das condições de vida que também fazem se sentir para as camadas mais pobres de uma determinada população quando esta passa por um crescimento econômico acentuado.   

 Estima-se, por exemplo, que o custo com um trabalhador com carteira assinada pode chegar ao dobro de seu próprio salário[8]. Como consequência mais imediata, o numero de ofertas de trabalho diminui, e a fixação, por lei, de um salário mínimo, muitas vezes acima do nível de produtividade médio da população brasileira, tende a alijar para o mercado informal os candidatos que menos receberam formação e ensino – digam-se, os negros e os mais pobres. Segundo o IPEA[9], a renda média mensal das mulheres negras no Brasil “ é de R$ 279,70 – contra R$ 554,60 para mulheres brancas, R$428,30 para homens negros e R$ 931,10 para homens brancos”. No que tange ao desemprego, hoje no patamar de 11%, o sétimo maior do mundo[10], as taxas são bem maiores entre as populações negras e jovens[11]. Uma das explicações para este fenômeno também diz respeito à educação: já que famílias com poder de renda maior tendem a garantir o acesso a seus filhos a uma educação de qualidade não pública, sua entrada no mercado de trabalho e no mundo universitário tendem a ser favorecidos[12].

 Já em relação ao funcionalismo público, vê-se que o mesmo é um dos mais privilegiados do país. De acordo com a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), em 2010 a renda média dos trabalhadores do país era de R$ 1.742,00 por mês, ao passo que a média para os trabalhadores do setor público representava uma diferença de 41,1% para mais: R$ 2.458,00 por mês[13]. Além disso, nos últimos 13 anos, o salário dos servidores públicos cresceu 33% acima da inflação, ao passo que na iniciativa privada o mesmo aumento não passou dos 10%[14]. Já segundo o IBGE, a administração pública, responsável por 0,4% de empresas no país, foi responsável por absorver 17,5% do pessoal ocupado, 20,2% do pessoal ocupado assalariado e ainda pagou 29,4% dos salários e outras remunerações[15]. Boa parte deste inchaço deveu-se, segundo especialistas, a criação infindável de secretarias, ministérios, cargos comissionados, cujas principais finalidades eram justamente o combate às mazelas sociais causadas pela desigualdade social[16].

 Em direção semelhante encontram-se os gastos governamentais nas áreas sociais. A participação dos gastos do governo em áreas como assistência social, educação e saúde pulou de 59,9% em 2002 para incríveis 67,3% em 2015, chegando ao montante de R$ 928 bilhões neste último ano[17].  

 Entretanto, o que mais chama a atenção com relação á administração publica e seus gastos é o seguinte: ao passo que o aumento nos investimentos públicos sociais não significou aumento da qualidade dos serviços ofertados, a pobreza tornou a subir[18] – desde 2012, antes da crise -, mais riqueza passou-se a concentrar no topo da pirâmide[19] e o setor privado não foi capaz de acompanhar o aumento dos gastos do governo, financiados via impostos que, somados a todos os outros encargos e obstáculos de natureza burocrática, reduziu a oferta de empregos para os mais desfavorecidos[20].

 Dito de outro modo, a ideia de uma “justiça social” que pudesse combater, de forma ativa, as desigualdades existentes no Brasil até hoje não tem funcionado como seus defensores pretendiam. E, tragicamente, tem inclusive influenciado para que as diferenças entre ricos e pobres mais se acentuassem em detrimento dos segundos. Sem fundamento ético, econômico ou filosófico, a ideia de justiça social, aplicada à redistribuição ou à ação afirmativa de governos e ministérios tem raríssimos exemplos de sucesso. Já está mais do que na hora de abandonar esta ideia.



[1] http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-fica-em-75-no-ranking-do-idh--atras-do-sri-lanka,10000004754
[2] http://oglobo.globo.com/economia/desigualdade-levaria-brasil-cair-20-posicoes-no-ranking-18287486
[3] http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/09/140918_desigualdade_ibge_brasil_pnad_rb
[4] http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2015/12/14/desigualdade-no-brasil-tiraria-26-do-idh-e-deixaria-pais-abaixo-de-vizinhos.htm
[5] http://www.libertarianismo.org/livros/fahdllvol2.pdf
[6] https://www.skoob.com.br/a-etica-da-redistribuicao-255189ed285758.html
[7] http://www.mises.org.br/EbookChapter.aspx?id=515
[8] http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2012/02/custos-com-empregado-vao-alem-do-salario
[9] http://www.ipea.gov.br/retrato/pdf/primeiraedicao.pdf
[10] http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/08/desemprego-no-brasil-e-o-7-maior-do-mundo-em-ranking-com-51-paises.html
[11] http://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/desemprego-diferencas-taxa-mais-alta-entre-jovens-negros-553031.html
[12] http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-98432005000200005
[13] http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2012-08-26/salario-do-funcionalismo-publico-e-cerca-de-40-maior-que-media-nacional-segundo-ministerio-do-trabalh
[14] http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,em-13-anos-salario-do-servico-publico-subiu-tres-vezes-mais-que-o-privado,10000079369
[15] http://www.valor.com.br/brasil/4096522/inchado-setor-publico-paga-salario-maior-que-setor-privado-diz-ibge
[16] http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/03/criacao-de-secretaria-com-status-de-ministerio-sera-votada-em-plenario.html
[17] http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/06/area-social-representou-quase-70-do-gasto-total-em-2015-diz-estudo.html
[18] https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=3&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwiZwJq1ovfPAhXBdD4KHSsLAFYQFggqMAI&url=http%3A%2F%2Fwww.ebc.com.br%2Fnoticias%2Feconomia%2F2014%2F11%2Fnumero-de-brasileiros-na-extrema-pobreza-aumenta-pela-primeira-vez-em-dez&usg=AFQjCNH9l_2YsncU9M3qUWPNlNTF49909g&bvm=bv.136593572,d.eWE
[19] http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/10/concentracao-de-renda-cresce-e-brasileiros-mais-ricos-superam-74-mil.html
[20] http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/09/brasil-registra-o-fechamento-de-33-mil-postos-formais-de-trabalho-em-agosto.html

domingo, 23 de outubro de 2016

Tributo aos "Dois Tratados" de John Locke

 Não é de menor importância a compreensão dos escritos políticos de John Locke. Filósofo inglês do século XVII, sua obra, extensa e tardia, tornou-se fundamental ao lançar as bases do pensamento político liberal clássico. Juntamente com Adam Smith, John Locke é considerado como um dos precursores da doutrina liberal e da defesa pelo direito inalienável à propriedade.

 Com efeito, suas principais obras no campo da política dizem respeito ao Segundo Tratado sobre o Governo Civil[1] e a Carta sobre a Tolerância,[2] a primeira publicada anonimamente ainda em 1681 e ao lado do Primeiro Tratado, e a segunda em seu exílio na Holanda praticamente uma década antes (não se sabe o ano exato de sua publicação). Nestas duas obras, e sobretudo na primeira, encontramos os fundamentos de um pensamento político profícuo e que anima, até os dias de hoje, a defesa intransigente pela liberdade.

Os Dois Tratados Sobre o Governo Civil

 No Segundo Tratado, vemos a tentativa de se fundamentar um poder político que se queira legítimo. Já no seu subtítulo vemos seu objeto de análise: a verdadeira origem, extensão e objetivo do Governo Civil. No entanto, para compreendê-lo, faz-se necessário remeter ao tratado anterior. Nele há, mais do que as formulações de sua teoria política, as refutações da tese adversa que, dentre outras, fornecia a sustentação teológica e política para o absolutismo real.  Em especial, destina-se o primeiro tratado à crítica bem fundamentada a obra “O Patriarca”, de Robert Filmer[3], a qual consiste numa tentativa teórica de legitimar, sobre balisas teológicas encadeadas de forma dedutiva, a monarquia absoluta de direito divino como única forma de governo “aceitável”.

  Num contexto político e social imerso na prática política fundamentada nos textos da Sagrada Escritura o ponto fundamental de qualquer teoria sobre o poder político deveria ser capaz de fundamentar as razões que conferissem ao soberano o poder – estendido até a atribuição de elaborar leis com penas de morte – sobre seus súditos. As teses transcendentes do poder enfrentavam, pois, esta particular dificuldade inicial.

 Baseando-se na Verdade Revelada, o autor de O Patriarca estabelecia o chamado “Primado de Adão”: no ato de criação do Homem, Deus confiou a Adão um poder, domínio e jurisdição absolutos sobre todas as demais criaturas, sobre a Terra e todos os seus descendentes.   A ele, portanto, em razão de sua condição de “Pai da Humanidade”, conferia-se o poder legítimo de legislar sobre os homens conforme sua vontade e de dominar as criaturas sob seu primado; de possuir todos os bens sobre a Terra e de dispor das posses de seus súditos e de ser, ele mesmo, soberano e executor absoluto de todos as leis, divinas e humanas, sobre todos as gerações futuras. Tal jurisdição é transmitida a seus descendentes exclusivamente, detentores, portanto, do único poder legítimo sobre a terra.

 Em resposta, e com o intuito de demonstrar a Filmer e seus seguidores que a única fonte do direito, ou seja, do poder legítimo, consiste unicamente no consentimento ou cooperação entre os homens, Locke principiará a erigir sua teoria acerca das diferenças entre poder político, paterno e despótico a partir de uma nova base – desta vez descendente – originária do poder político.

 Debruçando-se igualmente sobre as Sagradas Escrituras, dirá Locke que não há evidência manifesta alguma acerca da delegação a Adão de uma jurisdição absoluta sobre todos os demais homens. Antes, Deus fez todos os homens iguais em poder e legislatura, não tendo ninguém, assim, mais jurisdição sobre os seres humanos e as coisas do que qualquer outro indivíduo.  Em decorrência deste fato, também não há um só indivíduo que possua, por determinação divina, um direito maior à propriedade de bens e riqueza, do que qualquer outro.

 Por conseguinte, o poder exercido por um monarca ou príncipe que se creia ilimitado reside, sem qualquer fundamentação que o legitime, na força e na violência tirânicas que desrespeitam tanto as leis divinas, quanto as leis naturais.

 Excluído o Patriarcado de Adão do poder político, este, entendido por Locke como a atribuição de elaborar leis com as mais diferenciadas penas e de realizar a execução destes mesmos ordenamentos, terá suas bases assentadas sobre a lei natural, a determinação da vontade divina, cujo conteúdo expressa-se no dever de cada indivíduo de se preservar a si e a toda humanidade.

 De suas implicações, Locke extrai duas consequências: em primeiro lugar, em frontal oposição ao sentido que o autor de o Patriarca atribui ao termo “liberdade”, ele a define como a capacidade que possui cada individuo de dispor, sem coerção de terceiros, de suas posses, faculdades e si mesmo conforme pretenda sua razão. Diferentemente, todavia, de Filmer, para quem a liberdade é concebida como a isenção total de barreiras à faculdade volitiva, ele assevera ter a liberdade seu campo de ação circunscrito pela lei natural, devendo a primeira, por isso, prestar-lhe estrita observância.  

 E em segundo lugar, uma vez que é dever comum de cada individuo preservar a si e proteger a humanidade, concede a lei natural a disposição de ser cada um seu juiz e executor. Em resposta a qualquer delito ou “ofensa”que represente uma transgressão a lei natural, poderão os homens, sejam ou não as vítimas diretas deste ato, punir o agressor e reparar os danos por ele eventualmente causados.   

 Por conseguinte, em essência e em estado de natureza são todos os homens completamente livres e iguais. Não há qualquer indivíduo que seja capaz de, salvo pelo uso da força e da violência, exercer um poder desigual de domínio sobre as posses, liberdade e vida de qualquer outro. Em adição, neste mesmo estado são também os homens detentores do poder de aplicar a lei natural e de serem juízes sempre que houver um litígio entre partes conflitantes.  

Conceito de Propriedade

 Com efeito, dado que a liberdade e a igualdade caracterizam a essência natural do homem e que a terra foi concedida para o uso comum entre todos os membros da humanidade, a propriedade necessitará ser fundamentada noutros termos. Para tanto, Locke irá remetê-la ao trabalho.


 Todos os bens, objetos que resultarem do trabalho de um indivíduo constituir-se-ão sua propriedade.  O trabalho, desta forma, desempenhará no pensamento de Locke um papel, sobretudo, individualizante à medida em que é através de sua ação que os homens imprimem aos frutos da natureza as marcas distintas de sua personalidade. Por meio deste processo, todos os “produtos” da natureza que sofrerem pelos mãos do homem uma ação consciente e direcionada de transformação artificial de suas condições naturais em outro objeto mais elaborado não serão mais considerados “propriedade de uso comum”. Isto porque, através da atividade laboral, o indivíduo separa e retira o objeto ao qual despendeu suas energias do grande mar de terras comuns e o torna seu, a cujo uso e posse, portanto, apenas ele e aqueles a quem conceder permissão, terão direito.

 Deste modo confere o filósofo um estatuto ontológico ao conceito de propriedade que, além de incluir a extensão corpórea do sujeito produzida pelo trabalho, corresponde, em sua formulação final, à liberdade e à vida.

Sociedade Civil

 A despeito do estado de amizade e cooperação mútuas que caracterizam o estado de natureza, a instabilidade destas mesmas relações, que decorre da parcialidade dos julgamentos e da impossibilidade de uma fruição completa dos homens de seus direitos naturais, a criação de um corpo político torna-se necessário. Os homens deixam tal Estado e incorrem na fundação de um corpo político no momento em que consentem em abrir mão de uma parte de sua liberdade natural, concedendo a determinados indivíduos eleitos pela maioria o poder de elaborar leis e de executá-las em prol do bem comum, isto é, da preservação da propriedade de cada um.

 Sendo a sociedade civil em última instância, portanto, a união de homens na qual cada membro tem a quem apelar em caso de violação das leis naturais e positivas, a passagem deste estado de perfeita liberdade e igualdade a um regime político pode ser interpretada como a institucionalização dos direitos naturais: o objetivo último do corpo político consistirá na conservação da vida, liberdade e propriedade de cada um de seus membros por meio da efetivação de instrumentos de regulação e limitação do poder legislativo, entendido como poder supremo, dentro das esferas às quais cabem a sua livre operação.

Conclusão

 Passados mais de 300 anos desde sua publicação, os Dois Tratados ainda são objeto de estudo e fornecem um dos principais sustentáculos para o chamado Estado de Direito – toda a extensão dos valores da vida, propriedade e liberdade, fundamentais como condição para se estabelecer quaisquer outros direitos e como esfera de ação privada que confere à sociedade civil um espaço de limitação ao poder público.

 Doravante, regimes cujas propostas idealizem a supressão da propriedade privada e da liberdade individual em prol de um poder absoluto incorrem em massiva arbitrariedade, tirania e limitação das esferas de “refúgio” privadas e deslegitimação sucessiva do Estado de Direito, o qual, originário também na tradição liberal, sugere a igualdade de todos os elementos do corpo político perante a lei. Tal é, assim, a relevância dos escritos de John Locke para nosso tempo: a propriedade como condição necessária básica para a constituição de uma sociedade livre; a vida como valor supremo que não pode ser dissociada do direito à posse dos meios de auto conservação; e a liberdade, como princípio máximo que pressupõe a autonomia e ação livres de qualquer poder e restrição que não encontram sustentação senão na mera força e na arbitrariedade.




[1] https://direitasja.files.wordpress.com/2012/04/dois-tratados-sobre-o-governo.pdf
[2] http://dhnet.org.br/direitos/anthist/marcos/edh_locke_carta_tolerancia.pdf
[3] http://www.constitution.org/eng/patriarcha.htm

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Entendam: restringir a liberdade econômica é infringir liberdades pessoais.


 Debater com apoiadores do socialismo, igualitarismo ou mesmo de uma economia dirigida revela um fato perturbador: por trás de todas estas ideias há um forte componente autoritário. Nestas discussões, muitos se questionam a respeito da relevância da liberdade econômica num cenário onde cada vez mais direitos sociais são alçados a um patamar idílico inalcançável e intocável. Lançam mão de argumentos conceituais como “direitos universais e gratuitos” para todos, “serviços públicos, gratuitos e de qualidade para todos e principalmente para os mais pobres” e fazem de tudo para que os gastos governamentais se expandam de forma a corrigir os problemas que, se pensarmos bem, não serão solucionados com a injeção forçada de mais recursos: segundo eles, o Estado deve coordenar e dirigir a economia, evitar “distorções” do mercado, distribuir recursos de forma igualitária e proteger os mais vulneráveis da ação terrível e desumanizadora do capitalismo.

 Este raciocínio está hoje em voga e bem difundido. Tais pessoas condenam ou relegam às dimensões menores os direitos à liberdade e à propriedade, como se, num átimo, deles não dependessem, nem a eles nada devessem. Não obstante, não possui fundamentação, coerência ou possibilidade de ser concretizado na prática.

 O que eles não entendem é que a vulga “liberdade econômica” é apenas um termo que faz referência a algo muito maior, a saber, a própria liberdade e sua esfera. A liberdade econômica não significa apenas liberdade para produzir ou vender, para empreender ou empregar sem restrições; o termo “liberdade econômica” designa a extensão de uma liberdade ainda mais fundamental.

 Com efeito, não há ninguém nesta terra que possua um poder absoluto sobre outrem. Não há poder, autoridade alguma que possa, legitimamente, exercer qualquer restrição coercitiva sobre qualquer homem ou mulher. Todos somos diferentes, possuímos desejos, sonhos, interesses, objetivos, constituições diferentes, e, portanto, desiguais. No entanto, combinamos numa coisa: cada um necessita do outro para satisfazer as próprias necessidades que si mesmo não é capaz ou não possui forças para satisfazer.

 Jamais fomos, nem seremos autossuficientes. Vivemos em sociedade justamente porque, sozinhos e sem a constituição de fortes laços afetivos ou sociais, padeceríamos facilmente. Nessa vida coletiva, em que partilhamos experiências e criações, nenhuma palavra ganha tanto destaque quanto a cooperação.

 No arranjo social e econômico em que vivemos, o fator da cooperação, aliado à divisão do trabalho e à especialização, é o único, por excelência, capaz de explicar como as pessoas, separadas por distâncias inimagináveis, por fusos opostos, com interesses e valores tão distintos, conseguem ajustar suas preferências entre si sem necessitar da ação de qualquer força alheia assentada sobre a coerção. A esse processo, dinâmico e sempre em constante transformação, damos o nome de mercado.

 A livre interação entre homens e mulheres pressupõe o valor máximo da ação voluntária, não dirigida, livre de restrições externas. O interesse privado de cada um é satisfeito quando decido, voluntariamente, incorrer no auxilio daquele, ou daqueles indivíduos, que mal conheço. Nesse ínterim, informações são descobertas e criadas, e ação empreendedora supera dificuldades e obstáculos antes considerados intransponíveis. O sistema de preços, quando resultado desta livre interação, opera como linguagem universal que transmite as informações reais acerca de escassez e valor de recursos bens, cuja combinação é preciosa e faz alocar com eficiência todos os insumos disponíveis.

 Este arranjo, em razão da possibilidade de ajuste voluntário entre ações e vontades, sem exigir por isso o uso da força e da violência, é em si mesmo moralmente superior a qualquer outro já pensado. Ação do poder político transmutado em burocracia, ação estatal, intervencionismo, exige da coerção para funcionar, sendo tanto mais perniciosa ao primeiro quanto maior for sua extensão. A condução ou distribuição de recursos pelo Estado, conforme planejamento central e posto em prática através de meios coercitivos, interfere sobremaneira nesta complexa e vastíssima rede de relações. Com liberdade econômica reduzida, a cooperação perde eficiência, muitas vezes sentido; as informações locais, mínimas, não são fornecidas, os recursos não podem ser alocados com a mesma eficiência; perde-se a racionalidade de combinar recursos e como resultado se obtém a escassez, a baixa qualidade de bens e a restrição a certos produtos.

 Os direitos universais sociais, que obrigam ao Estado fornecer serviços gratuitos – termo equívoco, afinal há sempre alguém que paga por algo– e públicos, de interesse do bem-comum, encontram sua fundamentação na ideia de que parte desta liberdade pode ser sacrificada, mesmo à revelia dos discordantes e dissidentes. Nisso não há respeito, nem moralidade. A livre interação é prejudicada, indivíduos se veem restringidos na sua esfera da interação, da livre escolha, do que fazer com suas próprias faculdades.

 Um dirigismo central, um controle da economia, do mercado, para satisfazer demandas muito específicas – tudo isto pressupõe que um arranjo livre seja substituído, aos poucos ou de súbito, por uma força autoritária que decide onde cada recurso, em qual quantidade e por qual valor será aplicado. O indivíduo não terá mais a liberdade, tão digna de sua condição.

 É uma verdadeira falácia dizer que restringir a liberdade econômica não fere a liberdade como um todo, ou que, com isso, a liberdade não é sacrificada. Pergunto: de que serve meia liberdade? De que serve um estatuto formal que assegura minha integridade, meu direito à vida, à dissidência, à livre reunião, pensamento e iniciativa, se não poderei empregar os recursos que possuo – seja de qual natureza forem – para os fins que desejar? Se não posso valer-me das faculdades conforme meu próprio arbítrio? Se sou forçado a agir conforme ordens estritas?

 Os direitos sociais e leis distributivas são perigosos: terceirizam responsabilidades; transferem seu ônus, muitas vezes, aos cidadãos mais vulneráveis; concentram poder nas mãos de poucos e sacrificam a decisão racional de muitos agentes pelo achismo cego de pouquíssimos burocratas. Fazem muitos crerem na expansão do Estado, sem entender que, para distribuir riqueza, é necessário que a mesma seja produzida por aqueles que são os únicos que podem produzi-la: indivíduos. Também muitas vezes encontram-se baseados na violência fatal resultante da tentativa de dirigir uma sociedade inteira: para atingir fins estipulados previamente, os indivíduos precisam ser controlados, manipulados, forçados a performar papeis e atividades que podem destoar completamente de suas convicções pessoais, ainda que de forma indireta. Podem vir a tornar-se peças de uma máquina violenta, como proletários de uma grande máquina que lhes domina e escraviza.    


 Por isso, estejam cientes de que, onde há liberdade econômica irrestrita, o primeiro passo já foi dado para que liberdades fundamentais sejam asseguradas. Isto não significa que apenas ele será suficiente para garantir e proteger uma sociedade livre; muito além disso precisa ser feito. A “liberdade econômica”, o livre sistema de produção e trocas mútuas, não sendo condição suficiente, é, porém, condição primeira para que qualquer regime político livre venha a se estabelecer no futuro. Mas nisso, devemos concordar: ideologias diferentes entre si, mas que partilham da mesma forma de coordenação coercitiva de pessoas, partilham do mesmo autoritarismo velho e odioso.