Como é de praxe, gosto de
iniciar enxugando minha posição num única frase: sou contra a tributação de
religiões justamente porque entendo que nada, nem ninguém, deve ficar sob o
controle do Estado. E mais: o verdadeiro problema não é o fato de que igrejas
ou religiões sejam isentas de tributação, mas sim a existência de uma sufocante
carga tributária.
Da mesma forma como o autor deste texto se
manifesta[1], a grande pressão exercida
hoje no sentido de tributar igrejas recai sobre a associação de lideres
evangélicos com o crime organizado e com a lavagem de dinheiro. É cada vez mais
frequente ouvirmos denúncias de que tal grupo neo pentecostal desviou dinheiro,
sonegou impostos, ou enriqueceu absurdamente nos últimos anos.
Há cerca de 02 anos, 9 lideres da Igreja
Universal foram formalmente acusados pelo Ministério Publico de São Paulo por
formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, pois haviam ultrapassado o
montante financeiro de R$ 8 bilhões em transferências e depósitos no período
que vai de 2001 a 2008[2]. É óbvio que igrejas e
atividades “religiosas” de fachada nunca são um bom negócio, mais desvirtuam a
própria mensagem de uma religião do que a fortalecem. Também estou longe de
concordar com ilegalidades ou crimes que costumam ser acobertados por doações
ou dízimos. O problema, no entanto, é anterior a este.
Com efeito, a primeira confusão que se faz
aqui é entender a isenção de impostos como forma indireta de subsídios[3]. Na verdade, a isenção de
impostos não significa que seu beneficiário está sendo subsidiado, isto é, está
recebendo recursos de fontes públicas para operar. Tampouco significa, por
outro lado, que a isenção de tributos a determinado grupo é causa da falência
de outro, pois uma carga tributária equânime, sem distinção, não significa
menos impostos ou maior liberdade à iniciativa privada, mas exatamente o
contrário. Nada garante que a tributação de religiões irá fazer com que a
tributação geral e sobre outros setores irá diminuir.
No mesmo sentido se opera a defesa pela
tributação de igrejas. Como mencionei, há indícios suficientes para desconfiar
de certas entidades religiosas. Mas, seria justo que todas as outras religiões,
com seus templos, modestos ou não, também fossem tributados em razão de um
pequeno grupo de evangélicos?
Pensemos, por exemplo, em religiões e seitas
mais “humildes”, com um numero menor de adeptos. Com um sistema amplo de
tributação, que com certeza faria aumentar a burocracia, já enorme nesse país,
é provável que muitos centros deixassem de existir pela impossibilidade de
arcar com os novos custos. Centros espíritas, religiões de influência africana,
pequenas divisões do protestantismo – praticamente todas estas ver-se-iam
reduzidas em seus escopo de atuação. O resultado: como em qualquer esfera
econômica que sofre intervenção estatal, apenas as grandes entidades já
estabelecidas seriam capazes de suportar os novos encargos.
Ademais, pode-se pensar que, sendo todos
iguais perante a lei, a tributação deveria aplicar-se a todos, sem distinções
de qualquer natureza. Sem dúvida, trata-se de um raciocínio legítimo, com
respaldo constitucional e amparo em larga jurisprudência. No entanto, o próprio
conceito de “imposto” não se aplica a entidades consideradas sem fins
lucrativos – impostos, conforme definição, se dão sobre atividades nas quais
não se inclui a doação. Conforme lista o artigo 150 da Constituição Federal, tais
entidades não podem ser objeto de arrecadação de impostos por qualquer
organização pública a nível municipal, estadual ou federal[4].
A questão torna-se ainda mais complexa quando
consideramos um fato praticamente desconhecido. Apesar de não pagarem impostos,
templos e igrejas são tributadas.
Evidentemente, por viverem – segundo o conceito – de doações e ajuda voluntária
de terceiros, a isenção de impostos é garantida; no entanto, todas as igrejas
são obrigadas a apresentar anualmente a Receita a Declaração de Informações
Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica[5]. Isto significa, em resumo,
que todo e qualquer templo precisa apresentar ao órgão público competente os resultados
de sua contabilidade.
Mais um fato importante precisa ser adicionado
nesta discussão. Trata-se da situação de penúria em que a caridade privada
parece ter caído no Brasil, isto graças, principalmente, à ação do poder
público. Desde 2005, estima-se que a dívida das Santas Casas e Hospitais
filantrópicos saltou de R$ 1,5 bilhão para incríveis R$ 21 bilhões no final do
ano passado[6].
Só a Santa Casa de São Paulo já apresenta uma dívida no montante de R$ 900
milhões[7], cujas causas encontram-se
na corrupção de seus dirigentes, na compra de materiais superfaturados,
pagamentos de supersalários e fraudes em contratações e serviços. Isto se deve
em parte, sem dúvida, à criação do SUS e a declaração do acesso à saúde como um
direito fundamental e universal, pois com ambas houve um processo de substituição
das iniciativas privadas de caridade pela saúde pública, que passou a
patrociná-las e controla-las através do Sistema Único de Saúde. Instalou-se um
sistema de mão de dupla, no qual a irmandade (como as Santas Casas de
Misericórdia) responsável por determinado serviço público passou a receber
recursos do Estado, enquanto impostos foram também instituídos[8].
Isto gerou uma total disparidade entre a
quantidade de recursos demandada para cada procedimento o valor dos repasses originários
do SUS. Para citar um exemplo, segundo o presidente da Federação das Santas
Casas de Misericórdia e Hospitais Beneficentes do Paraná (Femipa), o valor
atualmente repassado pelo Ministério da Saúde corresponde a cerca de 65% do
valor gasto em um serviço[9]. Com a incompletude dos
recursos, boa parte delas teve de optar por buscar empréstimos no setor privado.
Tal disparidade nos ajuda a entender um pouco como tais instituições de
caridade chegaram a esta situação de calamidade financeira.
Ora, não são poucas as instituições sem fins
lucrativos que fornecem serviços sem custo voltados ao público de baixa renda.
E boa parte delas é, de algum modo, associada a alguma entidade religiosa. Num
cenário em que impostos sejam atribuídos às religiões e seus templos, não fica difícil
imaginar as consequências negativas que fatalmente adviriam.
Por fim, a questão principal que alarde ao se
defender a tributação das igrejas é, de fato, a sonegação e corrupção de
pessoas físicas, que se valem da isenção conferida às primeiras para acobertar
ganhos milionários. Isto sem dúvida é um problema. Contudo, é antes de tudo um
sintoma de um estado de coisas atual. Atividades ilegais ou clandestinas surgem
e buscam sua adaptação, novas alternativas e saídas conforme avança o controle
estatal. Mais controle, via impostos, restrições, burocracias não só não
resolvem o problema que muitas vezes costumam estimulá-lo. Não houvessem tantos
encargos, tantos obstáculos ao livre funcionamento da atividade empreendedora,
da acumulação de riqueza no Brasil, com certeza não haveriam tantos charlatões
se aproveitando da boa vontade de muitos fiéis para fazer da igreja o trampolim
para seu enriquecimento; afinal, este parece ser o único setor ainda imune às
garras do espoliador mor chamado Estado. Qual a alternativa para fazer com que
a religião volte a ser uma atividade dissociada de pretensos ladrões e
corruptos? Simples, retirem da iniciativa privada as amarras que lhe tolhem as
potencialidades, e estes efeitos adversos reduzirão drasticamente. O que
precisamos, de fato, é por fim à cultura do aumento excessivo e irresponsável
dos gastos públicos – que, exige, em contra partida, um aumento expressivo de
sua arrecadação.
[1] https://acidblacknerd.wordpress.com/2013/05/17/10-motivos-para-ser-contra-a-isencao-de-impostos-para-igrejas-sem-a-prestacao-de-contas/
[2] http://abdir.jusbrasil.com.br/noticias/1673814/universal-e-acusada-de-formacao-de-quadrilha-e-lavagem-de-dinheiro
[3] http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2151
[4] http://www.portaltributario.com.br/artigos/imunidadesisencoes.htm
[5] http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u70421.shtml
[6] http://www.cmb.org.br/cmb/index.php/noticias/1349-dividas-ameacam-funcionamento-de-santas-casas-e-hospitais-filantropicos
[7] http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/08/entenda-crise-financeira-da-santa-casa-de-misericordia-de-sp.html
[8] https://www.institutoliberal.org.br/blog/poder-corrupcao-tributos-e-santa-casa-de-misericordia/
[9] http://www.cmb.org.br/cmb/index.php/noticias/1349-dividas-ameacam-funcionamento-de-santas-casas-e-hospitais-filantropicos
Nenhum comentário:
Postar um comentário