"Quando vejo o princípio de liberdade em ação, vejo agir um princípio vigoroso, e isto, de início, é tudo que sei. É o mesmo caso de um líquido; os gases que ele contém se liberam bruscamente: para se fazer um julgamento, é necessário que o primeiro movimento se acalme, que o liquido se torne mais claro, e que nossa observação possa ir um pouco além da superfície".
Edmund Burke.

sábado, 5 de novembro de 2016

Por que sou contra a Tributação de Igrejas e Religiões?

Como é de praxe, gosto de iniciar enxugando minha posição num única frase: sou contra a tributação de religiões justamente porque entendo que nada, nem ninguém, deve ficar sob o controle do Estado. E mais: o verdadeiro problema não é o fato de que igrejas ou religiões sejam isentas de tributação, mas sim a existência de uma sufocante carga tributária.

 Da mesma forma como o autor deste texto se manifesta[1], a grande pressão exercida hoje no sentido de tributar igrejas recai sobre a associação de lideres evangélicos com o crime organizado e com a lavagem de dinheiro. É cada vez mais frequente ouvirmos denúncias de que tal grupo neo pentecostal desviou dinheiro, sonegou impostos, ou enriqueceu absurdamente nos últimos anos.

 Há cerca de 02 anos, 9 lideres da Igreja Universal foram formalmente acusados pelo Ministério Publico de São Paulo por formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, pois haviam ultrapassado o montante financeiro de R$ 8 bilhões em transferências e depósitos no período que vai de 2001 a 2008[2]. É óbvio que igrejas e atividades “religiosas” de fachada nunca são um bom negócio, mais desvirtuam a própria mensagem de uma religião do que a fortalecem. Também estou longe de concordar com ilegalidades ou crimes que costumam ser acobertados por doações ou dízimos. O problema, no entanto, é anterior a este.

 Com efeito, a primeira confusão que se faz aqui é entender a isenção de impostos como forma indireta de subsídios[3]. Na verdade, a isenção de impostos não significa que seu beneficiário está sendo subsidiado, isto é, está recebendo recursos de fontes públicas para operar. Tampouco significa, por outro lado, que a isenção de tributos a determinado grupo é causa da falência de outro, pois uma carga tributária equânime, sem distinção, não significa menos impostos ou maior liberdade à iniciativa privada, mas exatamente o contrário. Nada garante que a tributação de religiões irá fazer com que a tributação geral e sobre outros setores irá diminuir.

 No mesmo sentido se opera a defesa pela tributação de igrejas. Como mencionei, há indícios suficientes para desconfiar de certas entidades religiosas. Mas, seria justo que todas as outras religiões, com seus templos, modestos ou não, também fossem tributados em razão de um pequeno grupo de evangélicos?

 Pensemos, por exemplo, em religiões e seitas mais “humildes”, com um numero menor de adeptos. Com um sistema amplo de tributação, que com certeza faria aumentar a burocracia, já enorme nesse país, é provável que muitos centros deixassem de existir pela impossibilidade de arcar com os novos custos. Centros espíritas, religiões de influência africana, pequenas divisões do protestantismo – praticamente todas estas ver-se-iam reduzidas em seus escopo de atuação. O resultado: como em qualquer esfera econômica que sofre intervenção estatal, apenas as grandes entidades já estabelecidas seriam capazes de suportar os novos encargos.

 Ademais, pode-se pensar que, sendo todos iguais perante a lei, a tributação deveria aplicar-se a todos, sem distinções de qualquer natureza. Sem dúvida, trata-se de um raciocínio legítimo, com respaldo constitucional e amparo em larga jurisprudência. No entanto, o próprio conceito de “imposto” não se aplica a entidades consideradas sem fins lucrativos – impostos, conforme definição, se dão sobre atividades nas quais não se inclui a doação. Conforme lista o artigo 150 da Constituição Federal, tais entidades não podem ser objeto de arrecadação de impostos por qualquer organização pública a nível municipal, estadual ou federal[4].

 A questão torna-se ainda mais complexa quando consideramos um fato praticamente desconhecido. Apesar de não pagarem impostos, templos e igrejas são tributadas. Evidentemente, por viverem – segundo o conceito – de doações e ajuda voluntária de terceiros, a isenção de impostos é garantida; no entanto, todas as igrejas são obrigadas a apresentar anualmente a Receita a Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica[5]. Isto significa, em resumo, que todo e qualquer templo precisa apresentar ao órgão público competente os resultados de sua contabilidade.

 Mais um fato importante precisa ser adicionado nesta discussão. Trata-se da situação de penúria em que a caridade privada parece ter caído no Brasil, isto graças, principalmente, à ação do poder público. Desde 2005, estima-se que a dívida das Santas Casas e Hospitais filantrópicos saltou de R$ 1,5 bilhão para incríveis R$ 21 bilhões no final do ano passado[6]. Só a Santa Casa de São Paulo já apresenta uma dívida no montante de R$ 900 milhões[7], cujas causas encontram-se na corrupção de seus dirigentes, na compra de materiais superfaturados, pagamentos de supersalários e fraudes em contratações e serviços. Isto se deve em parte, sem dúvida, à criação do SUS e a declaração do acesso à saúde como um direito fundamental e universal, pois com ambas houve um processo de substituição das iniciativas privadas de caridade pela saúde pública, que passou a patrociná-las e controla-las através do Sistema Único de Saúde. Instalou-se um sistema de mão de dupla, no qual a irmandade (como as Santas Casas de Misericórdia) responsável por determinado serviço público passou a receber recursos do Estado, enquanto impostos foram também instituídos[8].

 Isto gerou uma total disparidade entre a quantidade de recursos demandada para cada procedimento o valor dos repasses originários do SUS. Para citar um exemplo, segundo o presidente da Federação das Santas Casas de Misericórdia e Hospitais Beneficentes do Paraná (Femipa), o valor atualmente repassado pelo Ministério da Saúde corresponde a cerca de 65% do valor gasto em um serviço[9]. Com a incompletude dos recursos, boa parte delas teve de optar por buscar empréstimos no setor privado. Tal disparidade nos ajuda a entender um pouco como tais instituições de caridade chegaram a esta situação de calamidade financeira.

 Ora, não são poucas as instituições sem fins lucrativos que fornecem serviços sem custo voltados ao público de baixa renda. E boa parte delas é, de algum modo, associada a alguma entidade religiosa. Num cenário em que impostos sejam atribuídos às religiões e seus templos, não fica difícil imaginar as consequências negativas que fatalmente adviriam.

 Por fim, a questão principal que alarde ao se defender a tributação das igrejas é, de fato, a sonegação e corrupção de pessoas físicas, que se valem da isenção conferida às primeiras para acobertar ganhos milionários. Isto sem dúvida é um problema. Contudo, é antes de tudo um sintoma de um estado de coisas atual. Atividades ilegais ou clandestinas surgem e buscam sua adaptação, novas alternativas e saídas conforme avança o controle estatal. Mais controle, via impostos, restrições, burocracias não só não resolvem o problema que muitas vezes costumam estimulá-lo. Não houvessem tantos encargos, tantos obstáculos ao livre funcionamento da atividade empreendedora, da acumulação de riqueza no Brasil, com certeza não haveriam tantos charlatões se aproveitando da boa vontade de muitos fiéis para fazer da igreja o trampolim para seu enriquecimento; afinal, este parece ser o único setor ainda imune às garras do espoliador mor chamado Estado. Qual a alternativa para fazer com que a religião volte a ser uma atividade dissociada de pretensos ladrões e corruptos? Simples, retirem da iniciativa privada as amarras que lhe tolhem as potencialidades, e estes efeitos adversos reduzirão drasticamente. O que precisamos, de fato, é por fim à cultura do aumento excessivo e irresponsável dos gastos públicos – que, exige, em contra partida, um aumento expressivo de sua arrecadação.



[1] https://acidblacknerd.wordpress.com/2013/05/17/10-motivos-para-ser-contra-a-isencao-de-impostos-para-igrejas-sem-a-prestacao-de-contas/
[2] http://abdir.jusbrasil.com.br/noticias/1673814/universal-e-acusada-de-formacao-de-quadrilha-e-lavagem-de-dinheiro
[3] http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2151
[4] http://www.portaltributario.com.br/artigos/imunidadesisencoes.htm
[5] http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u70421.shtml
[6] http://www.cmb.org.br/cmb/index.php/noticias/1349-dividas-ameacam-funcionamento-de-santas-casas-e-hospitais-filantropicos
[7] http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/08/entenda-crise-financeira-da-santa-casa-de-misericordia-de-sp.html
[8] https://www.institutoliberal.org.br/blog/poder-corrupcao-tributos-e-santa-casa-de-misericordia/
[9] http://www.cmb.org.br/cmb/index.php/noticias/1349-dividas-ameacam-funcionamento-de-santas-casas-e-hospitais-filantropicos

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