"Quando vejo o princípio de liberdade em ação, vejo agir um princípio vigoroso, e isto, de início, é tudo que sei. É o mesmo caso de um líquido; os gases que ele contém se liberam bruscamente: para se fazer um julgamento, é necessário que o primeiro movimento se acalme, que o liquido se torne mais claro, e que nossa observação possa ir um pouco além da superfície".
Edmund Burke.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Você sabe qual é a maior lição d’ A Riqueza das Nações?


 Passados mais de 240 anos da publicação de Uma Investigação acerca da Natureza e as Causas da Riqueza das Nações, a principal mensagem de Smith ainda ecoa em nossos ouvidos conforme avançam no mundo a mentalidade e as políticas econômicas neomercantilistas.

 Já nas primeiras páginas de sua Magnum opus, Smith estabelece aquilo que até os dias de hoje permanece atual e correto, não havendo quem, mesmo com o uso da força, houvesse de provar o contrário: a liberdade é o fundamento da prosperidade. E esta liberdade é bem sintetizada numa tríade exemplar – a busca livre pela satisfação dos objetivos pessoais, a divisão do trabalho e a liberdade do comércio.

 Sob o impulso da atmosfera febril estabelecida com o iluminismo escocês e com a consolidação dos valores e da soberania do indivíduo e da razão, Smith, numa centelha de poucas páginas – poucas, obviamente, se considerado o total de páginas da obra – pôs-se a explicar, com a utilização dos mais diversos exemplos, as causas do desenvolvimento econômico das nações, fenômeno este resultado em suma, da divisão do trabalho:

 O maior aprimoramento das forças produtivas do trabalho, e a maior parte da habilidade, destreza e bom senso com os quais o trabalho é em toda parte dirigido ou executado, parecem ter sido resultados da divisão do trabalho. A diferenciação das ocupações e empregos parece haver-se efetuado em decorrência dessa vantagem. Essa diferenciação, aliás, geralmente atinge o máximo nos países que se caracterizam pelo mais alto grau da evolução, no tocante ao trabalho e aprimoramento; o que, em uma sociedade em estágio primitivo, é o trabalho de uma única pessoa, é o de várias em uma sociedade mais evoluída.  

[...] Esse grande aumento da quantidade de trabalho que, em conseqüência da divisão do trabalho, o mesmo número de pessoas é capaz de realizar, é devido a três circunstâncias distintas: em primeiro lugar, devido à maior destreza existente em cada trabalhador; em segundo, à poupança daquele tempo que, geralmente, seria costume perder ao passar de um tipo de trabalho para outro; finalmente, à invenção de um grande número de máquinas que facilitam e abreviam o trabalho, possibilitando a uma única pessoa fazer o trabalho que, de outra forma, teria que ser feito por muitas[1].

 Em seguida, Smith logra demonstrar o fenômeno que por excelecência condiciona e impulsiona tal divisão e especialização do trabalho:

 Essa divisão do trabalho, da qual derivam tantas vantagens, não é, em sua origem, o efeito de uma sabedoria humana qualquer, que preveria e visaria esta riqueza geral à qual dá origem. Ela é a conseqüência necessária, embora muito lenta e gradual, de uma certa tendência ou propensão existente na natureza humana que não tem em vista essa utilidade extensa, ou seja: a propensão a intercambiar, permutar ou trocar uma coisa pela outra[2].

E – propõe-se a responder Smith – o que realmente origina a prática da permuta, e o que faz dela tão útil e objeto de grande estima por parte das sociedades humanas? A resposta é clara e certeira:

 O homem, entretanto, tem necessidade quase constante da ajuda dos semelhantes, e é inútil esperar esta ajuda simplesmente da benevolência alheia. Ele terá maior probabilidade de obter o que quer, se conseguir interessar a seu favor a auto-estima dos outros, mostrando-lhes que é vantajoso para eles fazer-lhe ou dar-lhe aquilo de que ele precisa. E isto o que faz toda pessoa que propõe um negócio a outra. Dê-me aquilo que eu quero, e você terá isto aqui, que você quer - esse é o significado de qualquer oferta desse tipo; e é dessa forma que obtemos uns dos outros a grande maioria dos serviços de que necessitamos.

 Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse. Dirigimo-nos não à sua humanidade, mas à sua auto-estima, e nunca lhes falamos das nossas próprias  necessidades, mas das vantagens que advirão para eles[3].

 Portanto, estabelece o autor já no primeira parte de sua obra quais as origens e como realmente se produz o capital e a riqueza numa economia capitalista. Por este modo, Smith é quase um revolucionário, um fundador da análise científica aplicada ao campo da ciência social econômica. Revoluciona ao dizer que a riqueza não consiste no acúmulo de metais preciosos ou de moeda, nem mesmo com a manutenção de colônias ultramarinas sob rígidas restrições e intervenção.

 Especialmente na terceira parte d’A Riqueza, Smith desfere suas críticas mais ferozes contra as doutrinas dos fisiocratas e dos mercantilistas. O desenvolvimento de uma nação não está de forma alguma associada à quantidade de capital que esta possui em seus cofres; o progresso econômico e material não decorre de uma taxação absurda da atividade comercial, das importações e das restrições sobre o comércio, com vistas exclusivas a impedir o fluxo de recursos e capitais para além das fronteiras nacionais. O Colbertismo falha ao considerar a intervenção do estado na economia condição necessária para o florescimento da riqueza. Em seu lugar, o escocês prova que a origem do desenvolvimento material está justamente na liberdade de empreender, utilizar recursos e intercambiar livremente.

 Contra Turgot e Quesnay, expoentes máximos do chamado “Governo da Natureza”, para os quais o trabalho da agricultura era o fonte máximo do valor e por isso mesmo a única atividade realmente produtiva, Smith demonstrou a necessidade da aplicação do capital no desenvolvimento da indústria moderna para o avanço das condições materiais de vida de toda uma população. Demonstrou os impactos positivos da atividade industrial e do desenvolvimento das modernas máquinas aplicadas às largas cadeias de produção. Ironicamente, inclusive, deve-se aos fisiocratas a origem e o uso do termo laissez-faire, que consideravam como positiva a coordenação da atividade de extração dos recursos naturais segundo os interesses dos próprios indivíduos. É interessante notar como esta expressão em nenhum momento aparece ao longo d’A Riqueza.

 Salta à vista, doravante, como temos assistido a um renascimento – se é que alguma vez tenha deixado de existir – das malogradas tentativas protecionistas de geração de riqueza e progresso a partir da intervenção do poder público na atividade econômica dos agentes envolvidos no processo de produção. No Brasil, é evidente a falência empírica deste modelo, ancorado sobre forte nacionalismo e discurso ideológico comovente. Nos EUA, as previsões de um empobrecimento geral parecem ser acertadas com as novas medidas anunciadas pelo presidente recém-eleito Donald Trump.

 No mesmo ano da proclamação da independência norte-americana, o filósofo escocês Adam Smith condensava numa extensa obra os pontos fundamentais para a prosperidade e o combate à pobreza. É triste perceber, no entanto, como a liberdade parece ser o valor mais combatido e odiado pelas elites políticas e pelo establishment de diversas nações. God bless us all.



[1] https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/69198/mod_resource/content/3/CHY%20A%20Riqueza%20das%20Na%C3%A7%C3%B5es.pdf
[2] Ibidem.
[3] Ibidem.

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