Passados mais de 240 anos da publicação de Uma Investigação acerca da Natureza e as
Causas da Riqueza das Nações, a principal mensagem de Smith ainda ecoa em
nossos ouvidos conforme avançam no mundo a mentalidade e as políticas
econômicas neomercantilistas.
Já nas primeiras páginas de sua Magnum opus,
Smith estabelece aquilo que até os dias de hoje permanece atual e correto, não
havendo quem, mesmo com o uso da força, houvesse de provar o contrário: a
liberdade é o fundamento da prosperidade. E esta liberdade é bem sintetizada numa
tríade exemplar – a busca livre pela satisfação dos objetivos pessoais, a
divisão do trabalho e a liberdade do comércio.
Sob o impulso da atmosfera
febril estabelecida com o iluminismo escocês e com a consolidação dos valores e
da soberania do indivíduo e da razão, Smith, numa centelha de poucas páginas –
poucas, obviamente, se considerado o total de páginas da obra – pôs-se a
explicar, com a utilização dos mais diversos exemplos, as causas do
desenvolvimento econômico das nações, fenômeno este resultado em suma, da
divisão do trabalho:
O maior aprimoramento das forças
produtivas do trabalho, e a maior parte da habilidade, destreza e bom senso com
os quais o trabalho é em toda parte dirigido ou executado, parecem ter sido
resultados da divisão do trabalho. A diferenciação das ocupações e empregos
parece haver-se efetuado em decorrência dessa vantagem. Essa diferenciação,
aliás, geralmente atinge o máximo nos países que se caracterizam pelo mais alto
grau da evolução, no tocante ao trabalho e aprimoramento; o que, em uma sociedade
em estágio primitivo, é o trabalho de uma única pessoa, é o de várias em uma sociedade
mais evoluída.
[...] Esse grande aumento da
quantidade de trabalho que, em conseqüência da divisão do trabalho, o mesmo
número de pessoas é capaz de realizar, é devido a três circunstâncias distintas:
em primeiro lugar, devido à maior destreza existente em cada trabalhador; em segundo,
à poupança daquele tempo que, geralmente, seria costume perder ao passar de um
tipo de trabalho para outro; finalmente, à invenção de um grande número de máquinas
que facilitam e abreviam o trabalho, possibilitando a uma única pessoa fazer o trabalho
que, de outra forma, teria que ser feito por muitas[1].
Em seguida, Smith logra
demonstrar o fenômeno que por excelecência condiciona e impulsiona tal divisão
e especialização do trabalho:
Essa divisão do trabalho, da qual
derivam tantas vantagens, não é, em sua origem, o efeito de uma sabedoria
humana qualquer, que preveria e visaria esta riqueza geral à qual dá origem.
Ela é a conseqüência necessária, embora muito lenta e gradual, de uma certa
tendência ou propensão existente na natureza humana que não tem em vista essa utilidade
extensa, ou seja: a propensão a intercambiar, permutar ou trocar uma coisa pela
outra[2].
E – propõe-se a responder
Smith – o que realmente origina a prática da permuta, e o que faz dela tão útil
e objeto de grande estima por parte das sociedades humanas? A resposta é clara
e certeira:
O homem, entretanto, tem necessidade
quase constante da ajuda dos semelhantes, e é inútil esperar esta ajuda
simplesmente da benevolência alheia. Ele terá maior probabilidade de obter o
que quer, se conseguir interessar a seu favor a auto-estima dos outros,
mostrando-lhes que é vantajoso para eles fazer-lhe ou dar-lhe aquilo de que ele
precisa. E isto o que faz toda pessoa que propõe um negócio a outra. Dê-me
aquilo que eu quero, e você terá isto aqui, que você quer - esse é o
significado de qualquer oferta desse tipo; e é dessa forma que obtemos uns dos outros
a grande maioria dos serviços de que necessitamos.
Não é da benevolência do açougueiro,
do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que
eles têm pelo seu próprio interesse. Dirigimo-nos não à sua humanidade, mas à
sua auto-estima, e nunca lhes falamos das nossas próprias necessidades, mas das vantagens que advirão
para eles[3].
Portanto, estabelece o autor
já no primeira parte de sua obra quais as origens e como realmente se produz o
capital e a riqueza numa economia capitalista. Por este modo, Smith é quase um revolucionário,
um fundador da análise científica aplicada ao campo da ciência social
econômica. Revoluciona ao dizer que a riqueza não consiste no acúmulo de metais
preciosos ou de moeda, nem mesmo com a manutenção de colônias ultramarinas sob
rígidas restrições e intervenção.
Especialmente na terceira parte d’A Riqueza, Smith desfere suas críticas
mais ferozes contra as doutrinas dos fisiocratas e dos mercantilistas. O
desenvolvimento de uma nação não está de forma alguma associada à quantidade de
capital que esta possui em seus cofres; o progresso econômico e material não
decorre de uma taxação absurda da atividade comercial, das importações e das
restrições sobre o comércio, com vistas exclusivas a impedir o fluxo de
recursos e capitais para além das fronteiras nacionais. O Colbertismo falha ao
considerar a intervenção do estado na economia condição necessária para o
florescimento da riqueza. Em seu lugar, o escocês prova que a origem do desenvolvimento
material está justamente na liberdade de empreender, utilizar recursos e
intercambiar livremente.
Contra Turgot e Quesnay, expoentes máximos do
chamado “Governo da Natureza”, para os quais o trabalho da agricultura era o
fonte máximo do valor e por isso mesmo a única atividade realmente produtiva,
Smith demonstrou a necessidade da aplicação do capital no desenvolvimento da
indústria moderna para o avanço das condições materiais de vida de toda uma
população. Demonstrou os impactos positivos da atividade industrial e do
desenvolvimento das modernas máquinas aplicadas às largas cadeias de produção.
Ironicamente, inclusive, deve-se aos fisiocratas a origem e o uso do termo laissez-faire, que consideravam como
positiva a coordenação da atividade de extração dos recursos naturais segundo
os interesses dos próprios indivíduos. É interessante notar como esta expressão
em nenhum momento aparece ao longo d’A
Riqueza.
Salta à vista, doravante, como temos assistido
a um renascimento – se é que alguma vez tenha deixado de existir – das malogradas
tentativas protecionistas de geração de riqueza e progresso a partir da
intervenção do poder público na atividade econômica dos agentes envolvidos no
processo de produção. No Brasil, é evidente a falência empírica deste modelo,
ancorado sobre forte nacionalismo e discurso ideológico comovente. Nos EUA, as
previsões de um empobrecimento geral parecem ser acertadas com as novas medidas
anunciadas pelo presidente recém-eleito Donald Trump.
No mesmo ano da proclamação da independência
norte-americana, o filósofo escocês Adam Smith condensava numa extensa obra os
pontos fundamentais para a prosperidade e o combate à pobreza. É triste
perceber, no entanto, como a liberdade parece ser o valor mais combatido e
odiado pelas elites políticas e pelo establishment de diversas nações. God bless us all.
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