"Quando vejo o princípio de liberdade em ação, vejo agir um princípio vigoroso, e isto, de início, é tudo que sei. É o mesmo caso de um líquido; os gases que ele contém se liberam bruscamente: para se fazer um julgamento, é necessário que o primeiro movimento se acalme, que o liquido se torne mais claro, e que nossa observação possa ir um pouco além da superfície".
Edmund Burke.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Pare de acreditar que a Crise no Brasil é Culpa do Capitalismo


 Em texto publicado no Correio de Uberlândia[1], em 18 de maio do último ano, o Procurador Geral do município de Uberlândia, Adir Claudio Campos, elaborou uma crítica “marxista”, bem velha e frágil, à teoria econômica liberal. No recente contexto de Impeachment da ex-presidente Dilma, Adir atribuiu a crise econômica ao sistema capitalista, dizendo que esta seria muito mais um produto do processo de produção e distribuição do capital do que da má administração o Estado.

 O cerne de sua argumentação – ponto batido na história das ideias econômicas, sobretudo para aqueles que já deixaram utopias e seus desterros para trás – gira em torno da suposta contradição do sistema capitalista: a dissociação entre trabalho e valor, isto é, o aumento exponencial do fator tecnológico em detrimento da queda vertiginosa do trabalho humano e de sua respectiva remuneração.

 Segundo a teoria em que se arvora, o trabalho é a fonte primordial da criação de riqueza e de valor. Os fatores objetivos, tais como o tempo despendido na produção de uma mercadoria ou serviço, condicionam o valor final de qualquer produto. Em suma, a valoração das mercadorias dá-se objetivamente, sendo o tempo de trabalho contido em cada produto a medida de valor mais justa no processo de troca de mercadorias.

 Ocorre que esta teoria do valor objetivo já havia sido refutada muito antes da morte de Karl Marx e apenas quatro anos após à publicação de “O Capital”. Em 1871, Carl Menger, tido como fundador da Escola Austríaca de Economia e um dos precursores da Revolução Marginalista, fundamentou uma profunda alteração na concepção do valor. Desta feita, partindo da premissa de que a ciência econômica escora-se, sobretudo, no protagonismo do homem em todos os processos e eventos sociais[2], estabeleceu Menger uma análise do valor pautada sobre o subjetivismo dos agentes econômicos.

 Conforme contido na sua obra Principios de Economia Política[3], a valoração de cada mercadoria é feita de forma subjetiva por cada agente, de acordo com a sua utilidade, sua capacidade de satisfação das necessidades de cada comprador. A quantidade de trabalho aplicada deixa de ser – embora jamais tenha sido - a medida de valor numa relação de troca; o valor de cada mercadoria é agora definido conforme escalas de valores individuais de cada individuo, imbricadas numa complexa rede de informações. De forma análoga, o valor de cada mercadoria decresce à medida que estas necessidades são satisfeitas (utilidade marginal).

 Esta nova constatação é tão importante e parece estar acima de qualquer dúvida metodológica, quanto é corroborada pelos dados empíricos. E nisto, para além da mera discussão teórica, serve como prova para refutar a suposta “contradição inerente” do sistema capitalista e pôr abaixo toda a explicação do senhor procurador de Uberlândia. Seguindo os passos do autor, a alienação do trabalho, produto do avanço tecnológico que passa a substituir o trabalho humano, daria resultado a graves problemas, como o desemprego, a queda dos salários, ao aumento da desigualdade e da pobreza. No entanto, é claramente o contrário o que se observa no mundo real.

 Em primeiro lugar, é justamente nos países com altos índices de industrialização onde se localizam as maiores rendas médias anuais e os maiores índices de poder de paridade de compra (PPP). Por exemplo, numa lista realizada pela OCDE que contabiliza os 27 maiores salários mínimos[4], países como Reino Unido, Austrália, Estados Unidos, Japão, Luxemburgo e Bélgica figuram no topo da lista, com rendas anuais por habitante superiores a R$ 50 mil reais. Curiosamente, o Brasil nem mesmo aparece na lista.


 Segundo o relatório da OCDE[5], o principal fator que determina e tem determinado, em geral, o aumento e a valorização salarial nestas nações têm sido o aumento progressivo da produtividade média de cada cidadão. Para este aumento influem, principalmente, a qualidade da formação da mão de obra, a infra-estrutura e, principalmente, o uso e a implementação de tecnologias avançadas. Há claramente uma relação de causa e efeito entre o desenvolvimento tecnológico e o aumento da renda e da qualidade de vida de uma nação, de forma que estes últimos se elevam à medida que métodos de produção novos e mais eficiente surgem e se consolidam. Neste sentido, na lista de competividade por países, em cuja métrica o fator produtividade é decisivo[6], as nações de ampla utilização de maquinário – ou capital fixo para utilizar os termos de Adir Campos – possuem alta produtividade: Suíça, Cingapura, Austrália, EUA, Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Alemanha, Coréia do Sul, Japão – justamente as nações que figuram entre aquelas com os maiores índices de qualidade de vida.

 A realidade empírica é ainda mais estridente quando consideramos o quesito desenvolvimento econômico. Nos termos de Bresser-Pereira: “O desenvolvimento econômico de um país ou estados-nação é o processo de acumulação de capital e incorporação de progresso técnico ao trabalho e ao capital que leva ao aumento da produtividade, dos salários, e do padrão médio de vida da população.[7]” Não à toa faz-se possível constatar que, dentre os 30 países mais desenvolvidos do mundo segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2015[8], tais como EUA, Alemanha, Dinamarca, Suécia, Suíça e até mesmo Chile, a alta acumulação de capital e desenvolvimento tecnológico é um ponto partilhado, com leves variações, entre todos eles.

 Se analisarmos de uma perspectiva histórica, as constatações são de sentido idêntico. O capitalismo tem logrado alçar da pobreza extrema e lançar a patamares maiores de riqueza contingentes cada vez maiores de pessoas, povos e nações. Como o diz Rodrigo da Silva:

 O número de pessoas vivendo na mais absoluta pobreza vem caindo consideravelmente no mundo desde a Revolução Industrial. De fato, se os ricos ficaram mais ricos desde o início do capitalismo, os pobres também vem melhorando suas posições como nunca antes havia sido possível.

 Os etíopes vivem hoje, em média, 24 anos a mais do que em 1960. Os chilenos já são mais ricos do que qualquer nação do mundo desenvolvido na década de cinquenta. A mortalidade infantil é menor hoje no Nepal do que na Espanha em 1960. Há 35 anos, 84% dos chineses vivia abaixo da linha da pobreza – esse número caiu para 6%, como reflexo da abertura econômica iniciada com a subida de Deng Xiaoping ao poder. Desde 1990, aliás, o percentual da população mundial vivendo na extrema pobreza caiu mais da metade – para menos de 18%.

 Atualmente, os sul coreanos vivem, em média, 26 anos a mais e ganham 15 vezes mais por ano do que em 1955 (ganham 15 vezes mais também que os norte coreanos, mas essa é outra história). Os mexicanos vivem agora, em média, mais do que os britânicos viviam em 1955. Em Botswana a população ganha, em média, mais do que os finlandeses ganhavam em 1955 (em 1966, cada cidadão botsuano ganhava em média 70 dólares por ano; o país tinha míseros doze quilômetros de estradas pavimentadas e vinte e dois habitantes com diploma universitário). Em duas décadas, a proporção de vietnamitas vivendo com menos de dois dólares por dia caiu de 90% para 30%[9].

 Novamente, nos termos de Bresser-Pereira, as causas desta esplendorosa mudança consistem na própria ação do capital: “O desenvolvimento econômico supõe uma sociedade capitalista organizada na forma de um estado-nação onde há empresários e trabalhadores, lucros e salários, acumulação de capital e progresso técnico.”

 E, se analisarmos especificamente o contexto brasileiro, a realidade empírica esboroa sem piedade o raciocínio do autor. Segundo a Universidade da Pensilvânia, a produtividade média do trabalhador brasileiro, fator fundamental para o crescimento econômico sustentado, não apenas não cresceu nos últimos 30 anos, como apresentou uma queda de 15% entre 1980 e 2008. Apesar de um ligeiro crescimento em 2010, resultado de múltiplos fatores como a redução da população economicamente ativa, esta produtividade estagnou-se desde então[10]. Por outro claro, é claro o sucateamento do setor industrial brasileiro, principalmente o setor automobilístico e de transformação. O forte protecionismo às importações, que fez do Brasil o país mais economicamente fechado do mundo nos últimos anos, fez com que a indústria nacional perdesse drástica competividade internacional, tornando-se cada vez mais ausente da cadeia global de produção. Os impactos destas políticas tornaram-se claras em 2014, justamente no momento em que o desemprego atingiu seu menor nível desde o início de sua medição histórica. À época, segundo o Ministério do Trabalho, dos 9,4 milhões de empregos criados entre 2007 e 2013, metade consistiu em funções de baixa qualificação (o cargo de servente de obras, por exemplo, ocupou a primeira colocação, com 921 mil postos criados).

 Portanto, é evidente que não há nada que nos leve a afirmar que a “baixa reprodução” do capital, produzida por um incremento exponencial dos meios tecnológicos de produção, foi a causa da crise que atravessamos agora. A narrativa de Adir Claudio elabora é dissonante em relação à realidade. Juntando os dados empíricos e sua tese, a economia brasileira jamais deveria ter entrado numa crise tão profunda e duradoura- muito pelo contrário, deveria ter prosperado em harmonia social e igualdade. Sua tentativa de abonar os erros cometidos com as políticas econômicas do último governo fracassa miseravelmente. Adir não conseguiu entender que as transações comerciais e preços de mercado constituem a forma como trabalhadores, empreendedores e capitalistas explicitam suas perspectivas e preferências subjetivas de valor. Pior ainda, Adir não compreendeu que o valor dos insumos (incluindo a mão-de-obra) é determinado pelo valor dos bens e serviços para os quais incorrem na produção. Não compreendeu que, quanto mais produtivos e amparados em alta tecnologia, maior a qualidade de vida que passamos a ter. E não compreendeu que a liberdade é, em suma, o fundamento mor do desenvolvimento e da prosperidade.



[1] http://www.correiodeuberlandia.com.br/colunas/pontodevista/falacia-dos-liberais/
[2] https://sites.google.com/a/causaliberal.net/www/home/livros/escola-austriaca-mercado-e-criatividade-empresarial-por-jesus-huerta-de-soto
[3] http://www.hacer.org/pdf/Menger00.pdf
[4] http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Resultados/noticia/2015/05/os-paises-que-pagam-os-melhores-salarios-minimos-do-mundo.html
[5] http://www.oecd.org/social/Focus-on-Minimum-Wages-after-the-crisis-2015.pdf
[6] http://reports.weforum.org/global-competitiveness-report-2015-2016/press-releases/
[7] http://www.bresserpereira.org.br/Papers/2007/07.22.CrescimentoDesenvolvimento.Junho19.2008.pdf
[8] http://report.hdr.undp.org/
[9] http://spotniks.com/5-ideias-de-esquerda-que-jamais-fizeram-o-menor-sentido-mas-voce-sempre-acreditou/
[10] http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,produtividade-brasileira-esta-parada-ha-30-anos,89305e

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