"Quando vejo o princípio de liberdade em ação, vejo agir um princípio vigoroso, e isto, de início, é tudo que sei. É o mesmo caso de um líquido; os gases que ele contém se liberam bruscamente: para se fazer um julgamento, é necessário que o primeiro movimento se acalme, que o liquido se torne mais claro, e que nossa observação possa ir um pouco além da superfície".
Edmund Burke.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Ron Paul, Roger Scruton e Theresa May: Imigração e Estado de Bem Estar Social

 O vídeo da fantástica “esculachada” de Theresa May[1], atual primeira ministra do governo britânico, sobre o líder do partido dos Trabalhadores no Parlamento é sintomático se levarmos em consideração as acaloradas discussões recentes sobre a imigração. Existem dois lados da questão que é necessário tratar se se quiser ter um debate sério a respeito do assunto.

 A fala da primeira ministra revela um problema fundamental que envolve a discussão sobre o fechamento de fronteiras a estrangeiros e refugiados. Este problema é posto em termos claros por Roger Scruton, em sua obra Como Ser um Conservador[2]. Publicado ainda em 2014, a obra já parecia antever o fenômeno Brexit: a abertura das fronteiras e a submissão do Reino Unido a tratados internacionais ditados por burocratas a milhares de quilômetros de distância culminava, por um lado, na perda de soberania da nação britânica e, portanto, do cidadão britânico que demonstra sua vontade através das urnas; e, por outro, na transferência do ônus das imigrações aos próprios cidadãos nativos do país através de uma desigualdade cívica instaurada.

 Antigas leis e decretos consagrados pelo direito consuetudinário inglês e depois tornados lei positiva perdiam força ante aos tratados internacionais, que decidiam sempre em prol do refugiado apátrida ou imigrante que não partilhava dos valores nem do estatuto cívico britânico – e, contraditoriamente, gozava de seus benefícios, mantidos pelos pagadores de impostos do país, como se, em decorrência de sua frágil condição, constituísse um grupo acima da isonomia do estado de direito.

 Concomitantemente, Scruton estabelece uma reflexão acerca do Estado de Bem Estar Social, mais especificamente sobre suas consequências, as quais resume nos dois fenômenos mais observados na Europa: o aumento crescente da classe de dependentes dos programas sociais e o aumento também crescente dos custos – e, consequentemente, dos impostos – para mantê-los. O Estado de Bem Estar Social representava, desta forma, uma encruzilhada orçamentária e política sem resolução aparente[3].
 Ron Paul, pelo mesmo caminho, num artigo excelente, toca o ponto certo da ferida

construir um muro ignora as verdadeiras causas de por que as pessoas cruzam ilegalmente as fronteiras dos EUA. Embora Trump esteja correto em priorizar a questão da segurança interna, ele erra o alvo: a questão pode ser resolvida de uma maneira mais efetiva e, principalmente, com um real benefício financeiro para o país — e não com um enorme custo econômico, como é o caso do muro.

 A solução para realmente atacar o problema da imigração ilegal, do tráfico de drogas, e da ameaça da entrada de terroristas pela fronteira é clara: remova o incentivo gerado pelos programas assistencialistas, que nada mais são do que um ímã que atrai várias pessoas a cruzarem as fronteiras ilegalmente; interrompa as várias intervenções bélicas americanas no Oriente Médio, que já duram 25 anos; e acabe com a guerra as drogas, cuja proibição serve apenas para gerar um mercado negro perigoso e altamente lucrativo, o que incentiva os mais violentos traficantes a cruzarem as fronteiras[4].  

  Os benefícios oriundos da imigração são claros. As principais empresas, de maior capital no mundo, possuem boa parte de sua mão de obra constituída de imigrantes e de pessoas de diferentes nacionalidades. Em pesquisa recente publicado pela University College of London[5], estudiosos conseguem demonstrar os principais efeitos da imigração sobre uma economia: o fornecimento de mão-de-obra, o impulso ao consumo e, principalmente, o choque cultural responsável pelo intercâmbio de tradições e conhecimentos que ao longo da história humana sempre se demonstrou benéfico, especialmente no tocante ao desenvolvimento das condições materiais.

 O ato de enrijecer as fronteiras à imigração produz aquilo que denominamos de “reserva de mercado”. Tende a proteger uma determinada camada de agentes econômicos que, sem enfrentar potenciais concorrentes, não recebem incentivos para a melhoria de seus serviços. A entrada de imigrantes, desta forma, além de proporcionar um certo “boom” econômico, também corresponde a uma forma indireta de produzir melhores empregos, salários e produtos e serviços de melhor qualidade a preços mais baixos.

 No debate mais mencionado nos últimos dias, o recente decreto anti-imigração de Trump não somente representa uma tremenda hipocrisia do próprio presidente, cujas empresas possuem trabalhadores de diversas etnias e nacionalidades até mesmo em território americano, como, da mesma forma como apontou Ron Paul, não ataca o cerne, o motivo real da imigração ilegal.

 De forma análoga, contudo, os conservadores Scruton e May apresentam o outro lado da questão: a imigração, sobretudo ilegal, e a subserviência de um país inteiro a tratados e organizações internacionais têm como ônus os próprios cidadãos do país. É impossível haver uma sociedade livre onde aqueles que deveriam gozar dos benefícios de serem cidadãos são obrigados a abrir mão de parte de sua soberania em nome de direitos abstratos tidos como universais. Pior ainda, é impossível haver um regime estável e sadio onde há distorções causadas pelo ônus das medidas sociais

 Os vários programas assistencialistas financiados pelos pagadores de impostos americanos e que beneficiam os imigrantes ilegais que entram nos EUA — como as transferências financeiras diretas, os benefícios médicos, a distribuição de alimentos, e a educação pública — custam estimados US$ 100 bilhões por ano. Isso é um fardo significativo sobre os cidadãos e residentes legais.

 A promessa de dinheiro gratuito, comida gratuita, educação gratuita, e serviços médicos gratuitos para quem cruzar a fronteira ilegalmente é um poderoso incentivo para as pessoas o fazerem. Acima de tudo, não faz absolutamente nenhum sentido o governo americano fornecer esses serviços para aqueles que não estão no país legalmente[6].

 Qual seria, portanto, a coisa certa a fazer? Não há uma fórmula pronta. Existem questões cujas respostas não podem ser dadas de imediato. Muito menos suas implementações práticas. Minha sugestão, no entanto, é esta: não é justo que cidadãos americanos paguem pela estadia de refugiados ou imigrantes ilegais. Também não é benéfico á economia bloquear a imigração. A melhor saída seria, portanto, enquanto a imigração é cerceada, reformar ou eliminar os programas sociais, retirar incentivos e reforçar a soberania americana face a órgãos internacionais como a ONU, além, é claro, de abster-se de se intrometer em guerras e conflitos alheios. Resta a Trump proceder com estas reformas para, ao mesmo tempo, devolver aos americanos o poder sobre seu próprio organismo política e recolocar o país de volta no caminho da liberdade.



[1] https://www.youtube.com/watch?v=WfxUPnMMIL0&list=PLnyUgjnJZzS5W3GI-iQ9_Y4tVAAN7Uf8A
[2] https://www.amazon.com.br/Como-Ser-Conservador-Roger-Scruton/dp/8501103713
[3] Ibidem.
[4] http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2622
[5] http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/11/141105_imigra_grana_fd
[6] http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2622

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