"Quando vejo o princípio de liberdade em ação, vejo agir um princípio vigoroso, e isto, de início, é tudo que sei. É o mesmo caso de um líquido; os gases que ele contém se liberam bruscamente: para se fazer um julgamento, é necessário que o primeiro movimento se acalme, que o liquido se torne mais claro, e que nossa observação possa ir um pouco além da superfície".
Edmund Burke.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Maryl Streep, isto é Hipocrisia!

 Na cerimônia de premiação do festival Prêmios Globo de Ouro, ocorrida no último dia 09, Maryl Streep, em seu discurso de vencedora do prêmio de melhor atriz[1], protagonizou e deu voz às irritabilidades e às hipocrisias tão características da classe artística hollywoodiana e, sobretudo, do ideário progressista norte-americano.

 Como era de se esperar, Maryl utilizou-se da velha estratégia de retração de si e de sua categoria no papel de vítimas em corrente violação por parte de alguma figura controversa e que reflete opiniões contrárias a seu modo de pensar. Chega a ser irônico e idílico quando menciona: “Nós fazemos parte de uma categoria no momento odiada e menosprezada por quase todos: Hollywood, os estranhos e a imprensa.” Irônico principalmente porque foi justamente a alta elite artística e a imprensa as instituições perseguiram e rotularam Donald Trump durante a corrida presidencial, e isto desde o início do anúncio de sua candidatura. E idílico porque idealiza um cenário totalmente desassociado do quadro real: o forte poder de influência que a indústria cultural, fortemente representada pelo cinema hollywoodiano, e também a grande mídia americana exerceram ao longo da história deste país e de outras nações mundo afora somente no século XX, cuja atração irresistível ainda é fortemente sentida, especialmente pelos arautos da mídia brasileira que só sabem repetir as ladainhas enfadonhas de uma certa plataforma conhecida como CNN.

 Na sequência, a brilhante atriz dá exemplos de ignorância e de como utilizar a famosa tática do “monopólio da virtude”. Incorre em ignorância, em primeiro lugar, quando profere que: “se todos os estranhos do meio de Hollywood forem expulsos, apenas sobrarão os esportes e o MMA para nos entreter...”, sem com isso se dar conta de que são justamente os esportes como o basquetebol, o futebol e o beisebol e as inúmeras divisões de lutas marciais existentes nos Estados Unidos que concentram, proporcionalmente[2], o maior número de estrangeiros e descendentes de imigrantes oriundos das partes mais diversas do globo dentre praticamente todos os ramos profissionais no país, muito mais inclusive do que a própria indústria cinematográfica.

 Com efeito, nesta parte cabe condescender com Maryl, porém, apenas no que tange à ênfase que dá aos chamados “estranhos”; não há como negar que a “miscigenação”, o choque de culturas e povos diferentes ao longo da história tornou-se a fonte primordial do nascimento de grandes cidades, de práticas observadas até hoje – como o comércio – e do desenvolvimento econômico de grandes civilizações. Sem dúvida, o processo artificial e arbitrário de divisão da humanidade em famílias, raças e etnias diferentes não encontra delimitação precisa nem legítima entre suas diversas denominações, de tal modo que se torna impossível afirmar a existência de uma raça, nação ou ancestralidade cultural realmente pura e incólume a influências estrangeiras. Não são poucos os hábitos, mesmo os mais íntimos e pequenos, que derivam de outros povos dos quais provavelmente nem sabemos quem realmente foram. Ainda assim, sem precisar defender Donald Trump – ao qual, particularmente, não nutro admiração -, fica à questão: em que momento o mesmo afirmou que expulsaria os imigrantes atores e atrizes, diretores e demais atuantes do ramo cinematográfico americano? Seus discursos foram sempre direcionados aos imigrantes ilegais e aos (alguns dentre muitos) “estranhos” que, em solo americano, perpetravam barbaridades e colocavam em risco a segurança de muitos.

 Em segundo lugar, Maryl revela não ter conhecimento de causa quando continua sua afirmação: “... e o MMA para nos entreter, que não são as artes.” Note que no vídeo original, sem as legendas, é possível identificar um enfoque sobre o artigo que precede o termo “artes”, no sentido de individualiza-lo no seu sentido restrito de artes cênicas, especialmente hollywoodianas, progressistas e benfeitoras. Ora, é notável, nas primeiras sociedades humanas e especialmente no berço de nossa civilização ocidental, a relevância do papel da guerra e do treinamento militar. Não por coincidência o termo grego techné, do qual origina-se o moderno conceito de arte, era destinado também à prática da esgrima, da luta corporal, da marinha – vide, por exemplo, a famosa obra “a arte da guerra”. Também o que hoje entendemos como artes marciais entretiam o público e, em diversas oportunidades, inclusive durante as épocas medieval e moderna, eram reservadas somente à nobreza, como sinal claro da importância social que arte da defesa exercia no tecido social. Ainda hoje, observa-se no mundo uma certa reverência àqueles que se dedicam à carreira militar.

 Tudo isto nos leva a crer que Maryl não apenas menospreza todas as demais formas que remetem à arte em seu sentido antigo, como também propõe que a classe artística da qual faz parte representa um povo ungido pela divindade do politicamente correto e imbuído da missão de levar a virtude e a justiça aos bastardos seguidores de Trump e de todo o republicanismo que se perderam pelo caminho. Apenas a sua “classe”, e a imprensa e todos os “estranhos (muitos dos quais discordariam desta visão, já que votaram ou votariam em Trump)” representa o que há de moralmente aceitável. O restante é preconceito, ódio, trevas, retrocesso e imundice.

 Como alguém que por tantas vezes, com mérito, foi indicada ao oscar de melhor atriz, Maryl foi capaz de enganar a todos – afinal, de certa forma podemos dizer que recebe para fazer isso. Foi capaz de representar aquilo que está no cerne deste pensamento progressista arrogante e por isso mesmo autoritário. Demonstrou toda a prepotência dos ungidos que compõem o establishment americano e provavelmente a elite mais rica do país; que hoje, nesse momento, deve estar tremendamente temeroso de perder a massa de manipulados que lhe confere legitimidade.




[1] https://www.youtube.com/watch?v=hUVXPsE0qIg&t=172s
[2] http://www.espn.com/mma/story/_/id/13453041/current-mma-champions

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