Na cerimônia de premiação do festival Prêmios
Globo de Ouro, ocorrida no último dia 09, Maryl Streep, em seu discurso de
vencedora do prêmio de melhor atriz[1], protagonizou e deu voz às
irritabilidades e às hipocrisias tão características da classe artística
hollywoodiana e, sobretudo, do ideário progressista norte-americano.
Como era de se esperar, Maryl utilizou-se da
velha estratégia de retração de si e de sua categoria no papel de vítimas em
corrente violação por parte de alguma figura controversa e que reflete opiniões
contrárias a seu modo de pensar. Chega a ser irônico e idílico quando menciona:
“Nós fazemos parte de uma categoria no
momento odiada e menosprezada por quase todos: Hollywood, os estranhos e a
imprensa.” Irônico principalmente porque foi justamente a alta elite
artística e a imprensa as instituições perseguiram e rotularam Donald Trump
durante a corrida presidencial, e isto desde o início do anúncio de sua
candidatura. E idílico porque idealiza um cenário totalmente desassociado do
quadro real: o forte poder de influência que a indústria cultural, fortemente
representada pelo cinema hollywoodiano, e também a grande mídia americana
exerceram ao longo da história deste país e de outras nações mundo afora somente
no século XX, cuja atração irresistível ainda é fortemente sentida,
especialmente pelos arautos da mídia brasileira que só sabem repetir as
ladainhas enfadonhas de uma certa plataforma conhecida como CNN.
Na sequência, a brilhante atriz dá exemplos de
ignorância e de como utilizar a famosa tática do “monopólio da virtude”. Incorre
em ignorância, em primeiro lugar, quando profere que: “se todos os estranhos do meio de Hollywood forem expulsos, apenas
sobrarão os esportes e o MMA para nos entreter...”, sem com isso se dar
conta de que são justamente os esportes como o basquetebol, o futebol e o
beisebol e as inúmeras divisões de lutas marciais existentes nos Estados Unidos
que concentram, proporcionalmente[2], o maior número de
estrangeiros e descendentes de imigrantes oriundos das partes mais diversas do
globo dentre praticamente todos os ramos profissionais no país, muito mais
inclusive do que a própria indústria cinematográfica.
Com efeito, nesta parte cabe condescender com
Maryl, porém, apenas no que tange à ênfase que dá aos chamados “estranhos”; não
há como negar que a “miscigenação”, o choque de culturas e povos diferentes ao
longo da história tornou-se a fonte primordial do nascimento de grandes
cidades, de práticas observadas até hoje – como o comércio – e do
desenvolvimento econômico de grandes civilizações. Sem dúvida, o processo artificial
e arbitrário de divisão da humanidade em famílias, raças e etnias diferentes
não encontra delimitação precisa nem legítima entre suas diversas denominações,
de tal modo que se torna impossível afirmar a existência de uma raça, nação ou
ancestralidade cultural realmente pura e incólume a influências estrangeiras.
Não são poucos os hábitos, mesmo os mais íntimos e pequenos, que derivam de
outros povos dos quais provavelmente nem sabemos quem realmente foram. Ainda
assim, sem precisar defender Donald Trump – ao qual, particularmente, não nutro
admiração -, fica à questão: em que momento o mesmo afirmou que expulsaria os
imigrantes atores e atrizes, diretores e demais atuantes do ramo
cinematográfico americano? Seus discursos foram sempre direcionados aos
imigrantes ilegais e aos (alguns dentre muitos) “estranhos” que, em solo
americano, perpetravam barbaridades e colocavam em risco a segurança de muitos.
Em segundo lugar, Maryl revela não ter
conhecimento de causa quando continua sua afirmação: “... e o MMA para nos entreter, que não são as artes.” Note que no vídeo original, sem as legendas, é
possível identificar um enfoque sobre o artigo que precede o termo “artes”, no
sentido de individualiza-lo no seu sentido restrito de artes cênicas,
especialmente hollywoodianas, progressistas e benfeitoras. Ora, é notável, nas
primeiras sociedades humanas e especialmente no berço de nossa civilização
ocidental, a relevância do papel da guerra e do treinamento militar. Não por
coincidência o termo grego techné, do qual origina-se o moderno conceito de
arte, era destinado também à prática da esgrima, da luta corporal, da marinha –
vide, por exemplo, a famosa obra “a arte da guerra”. Também o que hoje
entendemos como artes marciais entretiam o público e, em diversas
oportunidades, inclusive durante as épocas medieval e moderna, eram reservadas
somente à nobreza, como sinal claro da importância social que arte da defesa
exercia no tecido social. Ainda hoje, observa-se no mundo uma certa reverência àqueles
que se dedicam à carreira militar.
Tudo isto nos leva a crer
que Maryl não apenas menospreza todas as demais formas que remetem à arte em
seu sentido antigo, como também propõe que a classe artística da qual faz parte
representa um povo ungido pela divindade do politicamente correto e imbuído da
missão de levar a virtude e a justiça aos bastardos seguidores de Trump e de
todo o republicanismo que se perderam pelo caminho. Apenas a sua “classe”, e a
imprensa e todos os “estranhos (muitos dos quais discordariam desta visão, já
que votaram ou votariam em Trump)” representa o que há de moralmente aceitável.
O restante é preconceito, ódio, trevas, retrocesso e imundice.
Como alguém que por tantas vezes, com mérito,
foi indicada ao oscar de melhor atriz, Maryl foi capaz de enganar a todos –
afinal, de certa forma podemos dizer que recebe para fazer isso. Foi capaz de
representar aquilo que está no cerne deste pensamento progressista arrogante e
por isso mesmo autoritário. Demonstrou toda a prepotência dos ungidos que compõem
o establishment americano e provavelmente a elite mais rica do país; que hoje,
nesse momento, deve estar tremendamente temeroso de perder a massa de
manipulados que lhe confere legitimidade.
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