No
mês de dezembro de 2016, em razão da proposta de reforma da previdência, um
professor da Universidade Federal de Pernambuco manifestou em seu perfil de
Facebook uma crítica ao novo plano de aposentadoria, cujo texto na íntegra
segue logo abaixo:
Decidi seguir a carreira acadêmica
desde cedo, ainda na graduação. Fiz mestrado e doutorado, um após o outro que
logo emendaram com um pós-doutorado. Somando tudo, vivi cerca de 10 anos com
bolsas da Capes/CNPq só depois da graduação. Foi um investimento alto de
dinheiro público nesse período. Somente em janeiro de 2011, aos 32 anos (porque
fui rápido nos estudos), consegui "entrar no sistema", via UFPE, e
começou a contar meu tempo de contribuição ao INSS. Como minha aposentadoria
compulsória será aos 75 anos, terminarei com 43 anos de contribuição (93% do
benefício). Assim, será impossível para mim a aposentadoria integral,
impossível. Se eu por algum motivo não quiser ir até a compulsória seriam
"míseros" 33 anos de contribuição aos 65 anos e portanto 83% do
benefício. Muito antes dessa reforma, a Dra. Suzana Herculano-Houzel já
advogava pela profissionalização da carreira de cientista, desde o mestrado,
com direitos e deveres. No entanto, é mais barato pagar bolsa sem fim,
contratar quando der numa universidade (sabe-se lá quando) um pesquisador já
"velho" que com sorte chegará aos 75 anos, e sairá na compulsória com
um benefício reduzido.
Pensem nisso antes de decidirem por
uma carreira acadêmica no Brasil. Nosso sistema não só não reconhece como
penaliza quem quer fazer ciência.
Quem mandou estudar?
O desabafo coloca em questão sérios problemas
da nova proposta do sistema previdenciário como um todo. Sabemos que o atual
sistema da previdência precisa ser revisto, ante seu fragoroso déficit, e que,
no entanto, 50 anos de contribuição é de fato um exagero. Por outro lado, é
evidente que esta reforma, justamente por não atingir os setores mais
dispendiosos da sociedade, parece assegurar e consolidar privilégios em
detrimento da grande massa de habitantes do país.
Todas estas críticas são perfeitamente válidas
ante o atual cenário. No entanto, não devemos, sob o impulso de sentimentos
fortes e reprovativos, advogar em nome de outro privilégio.
Pensar num plano de carreira e consequente
profissionalização do estudante e profissional de ciências – humanas,
biológicas ou exatas – é um questionamento como forma de exigir melhores
condições de trabalho para uma determinada categoria. Ainda assim, o ponto para
o qual chamo a atenção é justamente este: “Pensem
nisso antes de decidirem por uma carreira acadêmica no Brasil. Nosso sistema
não só não reconhece como penaliza quem quer fazer ciência. Quem mandou estudar?”
De acordo com o Portal da Transparência[1], o
salário médio de um professor de uma Instituição Federal de Ensino Superior é
de aproximadamente R$ 9.706,68. Neste cálculo, cerca de 40% de todos os
professores das Instituições Federais de Ensino recebe até R$ 8.000,00 em
salários mensais brutos, ao passo que aproximadamente 80% ganham até R$
14.000,00[2]. No
caso da UFPE, o salário médio mensal de um professor não é menor do que R$
10.694,36[3].
A nível estadual, por exemplo, cerca de 45
servidores da Universidade de São Paulo[4]
possuem um salário maior do que o teto salarial federal. Dentre aqueles que
recebem acima do teto estadual, 1.776 são professores, 226 são funcionários e
876 encontram-se aposentados[5]. Além
disso, em 2014, estimava-se que 2.002 servidores da universidade possuíam
salario mensal superior ao do governador do Estado, Geraldo Alckmin, cujos
vencimentos se estipulavam em R$ 20.662.
Tendo em vista tais dados, comprova-se algo do
qual há muito já tínhamos conhecimento: boa parte da redistribuição de renda no
Brasil retira recursos dos mais desvalidos e o transfere justamente às parcelas
economicamente mais poderosas do país. Além disto, justamente os altos salários
destes servidores, constituíram em 2015 cerca de 40% das receitas federais[6],
fazendo com que o nosso funcionalismo público seja, provavelmente, o mais caro
do mundo.
Atualmente, muitos brasileiros que já nem
mesmo tiveram acesso a uma educação básica satisfatória para sua formação
passarão longe de uma universidade. Muitos outros terão acesso a instituições
precárias de ensino. Temos apenas 7 milhões de estudantes universitários no
Brasil inteiro[7], embora este número tenha
aumentado em quase 20% desde 2004[8]. Mais
um dado alarmante, apenas 7,6% dos alunos das faculdades públicas pertenciam ao
quinto mais pobre da população[9] e
50,4% de seus estudantes eram oriundos dos 20% mais ricos do país.
Tudo isto nos faz pensar que alta carga
tributária, aliada aos altos salários dos professores universitários de
instituições federais e estaduais, tem feito apenas agravar as desigualdades de
renda e cor no país. Muito poucos são aqueles que possuem o privilégio de poder
dedicar-se integralmente aos estudos antes de iniciar a carreira profissional
contando já com um mestrado ou mesmo um doutorado. É evidente que a dedicação à
ciência é algo que exige esforço e energia humanas imensuráveis; uma dedicação
bela, necessária para o desenvolvimento social e econômico do país. Todavia,
fica a pergunta: é justo que uma pequena parcela de cientistas, professores
tenham o ônus de sua formação paga pelo restante da população? Muitos são os
estudantes que trabalham como qualquer outro brasileiro e ainda assim
dedicam-se aos estudos com o mesmo afinco, pois não possuem as mesmas condições
de vida ou não julgam correto receber subsídios públicos para o financiamento
de suas próprias atividades.
O que este professor da UFPE parece não
perceber é que sua atual realidade é bem menos infensa à sua estabilidade
financeira do que a grande parte da população brasileira. A pergunta que
gostaria de fazer a ele é a seguinte: estudar é de fato necessário. Mas por que
só estudar? Quem irá pagar a conta afinal? Como o senhor espera que a conta da
previdência permaneça equilibrada sendo que sua contribuição começará a dar-se
apenas aos 32 anos?
É importantíssimo que os altos salários e
benefícios de militares, funcionários públicos aposentados e muitos outros
profissionais associados a estas aéreas, como políticos e analistas, sejam
revistos, controlados, reduzidos. Nisso incluem-se todas as funções, inclusive
professores, reitores, funcionários de universidades. É importantíssimo que não
venhamos a confundir a crítica necessária às eventuais reformas que venham a
ser propostas com a defesa intransigente dos benefícios, que têm seus custos
socializados na sociedade, de uma categoria. É justamente neste sentido que
devemos agir: nenhuma categoria profissional deve ser subsidiada ou receber
atenção desigual por parte dos poderes públicos. O resultado é sempre mais desigualdade,
pobreza e, às vezes – embora não seja o caso aqui em questão – uma pressão
ainda maior por mais benefícios e privilégios.
[1] http://www.portaltransparencia.gov.br/
[2] http://www.portaltransparencia.gov.br/downloads/servidores.asp
[3] http://alexandre.ci.ufpb.br/salariosifes/
[4] http://exame.abril.com.br/brasil/45-servidores-da-usp-ganham-mais-que-os-ministros-do-stf/
[5] http://www.transparencia.usp.br/
[6] http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,governo-gasta-39-2-de-suas-receitas-no-pagamento-de-servidores-publicos,10000023309
[7] http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/32123
[8] http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-12/ensino-superior-avanca-25-pontos-percentuais-entre-jovens-estudantes-em-10
[9] Ibidem.
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