"Quando vejo o princípio de liberdade em ação, vejo agir um princípio vigoroso, e isto, de início, é tudo que sei. É o mesmo caso de um líquido; os gases que ele contém se liberam bruscamente: para se fazer um julgamento, é necessário que o primeiro movimento se acalme, que o liquido se torne mais claro, e que nossa observação possa ir um pouco além da superfície".
Edmund Burke.

domingo, 8 de janeiro de 2017

Por que apenas criticamos alguns Privilégios?

 No mês de dezembro de 2016, em razão da proposta de reforma da previdência, um professor da Universidade Federal de Pernambuco manifestou em seu perfil de Facebook uma crítica ao novo plano de aposentadoria, cujo texto na íntegra segue logo abaixo:

Decidi seguir a carreira acadêmica desde cedo, ainda na graduação. Fiz mestrado e doutorado, um após o outro que logo emendaram com um pós-doutorado. Somando tudo, vivi cerca de 10 anos com bolsas da Capes/CNPq só depois da graduação. Foi um investimento alto de dinheiro público nesse período. Somente em janeiro de 2011, aos 32 anos (porque fui rápido nos estudos), consegui "entrar no sistema", via UFPE, e começou a contar meu tempo de contribuição ao INSS. Como minha aposentadoria compulsória será aos 75 anos, terminarei com 43 anos de contribuição (93% do benefício). Assim, será impossível para mim a aposentadoria integral, impossível. Se eu por algum motivo não quiser ir até a compulsória seriam "míseros" 33 anos de contribuição aos 65 anos e portanto 83% do benefício. Muito antes dessa reforma, a Dra. Suzana Herculano-Houzel já advogava pela profissionalização da carreira de cientista, desde o mestrado, com direitos e deveres. No entanto, é mais barato pagar bolsa sem fim, contratar quando der numa universidade (sabe-se lá quando) um pesquisador já "velho" que com sorte chegará aos 75 anos, e sairá na compulsória com um benefício reduzido.

Pensem nisso antes de decidirem por uma carreira acadêmica no Brasil. Nosso sistema não só não reconhece como penaliza quem quer fazer ciência.

Quem mandou estudar?

 O desabafo coloca em questão sérios problemas da nova proposta do sistema previdenciário como um todo. Sabemos que o atual sistema da previdência precisa ser revisto, ante seu fragoroso déficit, e que, no entanto, 50 anos de contribuição é de fato um exagero. Por outro lado, é evidente que esta reforma, justamente por não atingir os setores mais dispendiosos da sociedade, parece assegurar e consolidar privilégios em detrimento da grande massa de habitantes do país.

 Todas estas críticas são perfeitamente válidas ante o atual cenário. No entanto, não devemos, sob o impulso de sentimentos fortes e reprovativos, advogar em nome de outro privilégio.

 Pensar num plano de carreira e consequente profissionalização do estudante e profissional de ciências – humanas, biológicas ou exatas – é um questionamento como forma de exigir melhores condições de trabalho para uma determinada categoria. Ainda assim, o ponto para o qual chamo a atenção é justamente este: “Pensem nisso antes de decidirem por uma carreira acadêmica no Brasil. Nosso sistema não só não reconhece como penaliza quem quer fazer ciência. Quem mandou estudar?”

 De acordo com o Portal da Transparência[1], o salário médio de um professor de uma Instituição Federal de Ensino Superior é de aproximadamente R$ 9.706,68. Neste cálculo, cerca de 40% de todos os professores das Instituições Federais de Ensino recebe até R$ 8.000,00 em salários mensais brutos, ao passo que aproximadamente 80% ganham até R$ 14.000,00[2]. No caso da UFPE, o salário médio mensal de um professor não é menor do que R$ 10.694,36[3].

 A nível estadual, por exemplo, cerca de 45 servidores da Universidade de São Paulo[4] possuem um salário maior do que o teto salarial federal. Dentre aqueles que recebem acima do teto estadual, 1.776 são professores, 226 são funcionários e 876 encontram-se aposentados[5]. Além disso, em 2014, estimava-se que 2.002 servidores da universidade possuíam salario mensal superior ao do governador do Estado, Geraldo Alckmin, cujos vencimentos se estipulavam em R$ 20.662.

 Tendo em vista tais dados, comprova-se algo do qual há muito já tínhamos conhecimento: boa parte da redistribuição de renda no Brasil retira recursos dos mais desvalidos e o transfere justamente às parcelas economicamente mais poderosas do país. Além disto, justamente os altos salários destes servidores, constituíram em 2015 cerca de 40% das receitas federais[6], fazendo com que o nosso funcionalismo público seja, provavelmente, o mais caro do mundo.

 Atualmente, muitos brasileiros que já nem mesmo tiveram acesso a uma educação básica satisfatória para sua formação passarão longe de uma universidade. Muitos outros terão acesso a instituições precárias de ensino. Temos apenas 7 milhões de estudantes universitários no Brasil inteiro[7], embora este número tenha aumentado em quase 20% desde 2004[8]. Mais um dado alarmante, apenas 7,6% dos alunos das faculdades públicas pertenciam ao quinto mais pobre da população[9] e 50,4% de seus estudantes eram oriundos dos 20% mais ricos do país.

 Tudo isto nos faz pensar que alta carga tributária, aliada aos altos salários dos professores universitários de instituições federais e estaduais, tem feito apenas agravar as desigualdades de renda e cor no país. Muito poucos são aqueles que possuem o privilégio de poder dedicar-se integralmente aos estudos antes de iniciar a carreira profissional contando já com um mestrado ou mesmo um doutorado. É evidente que a dedicação à ciência é algo que exige esforço e energia humanas imensuráveis; uma dedicação bela, necessária para o desenvolvimento social e econômico do país. Todavia, fica a pergunta: é justo que uma pequena parcela de cientistas, professores tenham o ônus de sua formação paga pelo restante da população? Muitos são os estudantes que trabalham como qualquer outro brasileiro e ainda assim dedicam-se aos estudos com o mesmo afinco, pois não possuem as mesmas condições de vida ou não julgam correto receber subsídios públicos para o financiamento de suas próprias atividades.

 O que este professor da UFPE parece não perceber é que sua atual realidade é bem menos infensa à sua estabilidade financeira do que a grande parte da população brasileira. A pergunta que gostaria de fazer a ele é a seguinte: estudar é de fato necessário. Mas por que só estudar? Quem irá pagar a conta afinal? Como o senhor espera que a conta da previdência permaneça equilibrada sendo que sua contribuição começará a dar-se apenas aos 32 anos?

 É importantíssimo que os altos salários e benefícios de militares, funcionários públicos aposentados e muitos outros profissionais associados a estas aéreas, como políticos e analistas, sejam revistos, controlados, reduzidos. Nisso incluem-se todas as funções, inclusive professores, reitores, funcionários de universidades. É importantíssimo que não venhamos a confundir a crítica necessária às eventuais reformas que venham a ser propostas com a defesa intransigente dos benefícios, que têm seus custos socializados na sociedade, de uma categoria. É justamente neste sentido que devemos agir: nenhuma categoria profissional deve ser subsidiada ou receber atenção desigual por parte dos poderes públicos. O resultado é sempre mais desigualdade, pobreza e, às vezes – embora não seja o caso aqui em questão – uma pressão ainda maior por mais benefícios e privilégios.



[1] http://www.portaltransparencia.gov.br/
[2] http://www.portaltransparencia.gov.br/downloads/servidores.asp
[3] http://alexandre.ci.ufpb.br/salariosifes/
[4] http://exame.abril.com.br/brasil/45-servidores-da-usp-ganham-mais-que-os-ministros-do-stf/
[5] http://www.transparencia.usp.br/
[6] http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,governo-gasta-39-2-de-suas-receitas-no-pagamento-de-servidores-publicos,10000023309
[7] http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/32123
[8] http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-12/ensino-superior-avanca-25-pontos-percentuais-entre-jovens-estudantes-em-10
[9] Ibidem.

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