"Quando vejo o princípio de liberdade em ação, vejo agir um princípio vigoroso, e isto, de início, é tudo que sei. É o mesmo caso de um líquido; os gases que ele contém se liberam bruscamente: para se fazer um julgamento, é necessário que o primeiro movimento se acalme, que o liquido se torne mais claro, e que nossa observação possa ir um pouco além da superfície".
Edmund Burke.

quarta-feira, 1 de junho de 2016

O que significa ser um Liberal?





 Muito se diz por aí que o liberalismo é uma doutrina favorável aos grandes conglomerados monopolistas que expropriam as riquezas comuns em prol do enriquecimento de um pequeno número de empresários e credores internacionais, ao mesmo tempo em que um grande número de pessoas fica literalmente à míngua e sente as maiores necessidades em virtude da desigualdade de riqueza produzida por um sistema injusto. 

 O objetivo deste ensaio tem por intenção desmistificar estas e outras mentiras tão repetidas a respeito desta doutrina econômica e social e trazer ao leitor uma imagem mais próxima ao o que de fato constitui o liberalismo em sua versão clássica.

 Primeiramente, o liberalismo é por excelência a filosofia da liberdade. Como tal, seu princípio mais básico diz que cada indivíduo é, por sua constituição intrínseca, livre para perseguir seus objetivos, dispor livremente de suas posses, energias físicas e mentais conforme o próprio entendimento, se expressar nos termos que melhor entender e exprimir aquilo que melhor lhe convém, sem, é claro, interferir na esfera privada dos demais. Portanto, pode-se com toda a certeza afirmar que um liberal é a favor de que todos possam conduzir suas próprias vidas sem padecer de restrições ou coerção de terceiros, sejam estes outros indivíduos isolados ou mesmo uma determinada associação coletiva, sendo, por estas características, iguais perante a lei.

 Em segundo lugar, partindo deste pressuposto central da liberdade para agir, se deve afirmar a inviolabilidade dos direitos individuais face a qualquer interferência externa. A todos e cada um dos indivíduos de determinada comunidade deve ser salvaguardada o direito à própria vida, à propriedade de si mesmo, suas faculdades, pensamento, bens e fruto de seu trabalho e à liberdade para dispor de todos estes fatores conforme a determinação dos próprios planos individuais. Com mais precisão, desta forma, nas definições conceituais, atuar como um liberal consiste em atuar na defesa ardorosa da amplitude dos direitos individuais e da inviolabilidade do indivíduo contra qualquer poder coercitivo.

 Em terceiro lugar, o liberalismo deve ser entendido como uma doutrina individualista – não no sentido contemporâneo do termo, que se refere ao egoísmo e ao relativismo dos padrões – juntamente porque situa a capacidade de tomar todas as decisões sob a égide do próprio entendimento individual. Isto quer dizer, sobretudo, que cada um é o melhor juiz e legislador de si mesmo e das próprias ações. O processo de tomada de decisão, desde a mais simples como escolher entre tomar um copo de água ou um suco de um sabor qualquer até decidir investir tempo e dinheiro em ações da Vale do Rio Doce ou em títulos da dívida pública, implica ponderar conforme uma série de circunstâncias de tempo e lugar circunscritas ao próprio agente que são somente por ele conhecidas e que podem se alterar a qualquer momento. Ser um liberal, neste quesito, significa dentender que os planejamentos e determinações sociais, econômicos ou políticos traçados por tecnocratas em Brasília ou na Câmara Legislativa de São Paulo tendem, geralmente, a falhar e a produzir um resultado distante do esperado em virtude de não possuírem os conhecimentos mais ínfimos e, nem por isso, menos importantes, que explicam os contextos em que cada indivíduo vive.

 Em quarto lugar, a doutrina liberal clássica entende que a cooperação voluntária entre os indivíduos e os fenômeno da especialização e da acumulação de riqueza que dela decorrem é a forma mais eficiente de ajuste das múltiplas vontades humanas, sendo responsável pelos avanços tecnológicos responsáveis pelos ganhos em qualidade de vida que hoje observamos e que podem ainda evoluir muito. A livre concorrência, aliada ao interesse que cada produtor possui em satisfazer suas próprias necessidades, consiste no fator desencadeador da riqueza no mundo ocidental, caracterizada pelo barateamento de bens e serviços e numa maior autonomia individual. Ser liberal consiste também em defender que o mercado e seu sistema de preços informam a cada produtor e comprador as preferências e meios disponíveis naquele dado momento, e que são mais eficientes na sua função de coordenação das ações individuais quanto mais livres da intervenção governamental tendem a ser.

 Em quinto lugar, como conjunto dos preceitos anteriores, deve-se ter em mente que o liberalismo, em suma, age no sentido da máxima limitação possível do poder político e social. Da mesma forma como não possuo nem o direito, nem o poder legítimo – isto é, não baseado na força – de interferir sem permissão nas decisões de outros indivíduos, uma sociedade livre só é possível na medida em que não haja instância superior qualquer capaz de tomar decisões ou escolher por outras pessoas. Para o liberal consciente destes valores, a figura do Estado deve se restringir à sua função de criar e zelar, com o máximo de vigor possível, pelas leis mais básicas e objetivas possíveis que impeçam a coerção e a violação de direitos individuais na comunidade em seu seio, sem haver por isso a necessidade de obrigar prévia e positivamente qualquer um de seus cidadãos a uma determinada ação. As determinações políticas sobre quais são os cônjuges para uma possível escolha, ou qual o tipo de bebida que se pode tomar ou mesmo quando, em qual lugar e que tipo de cigarro se pode fumar, bem como os impostos e sua quantidade são exemplos rotineiros da invasão do poder político na esfera privada e inviolável de seus cidadãos.

 Por fim, em último lugar, o liberalismo não é uma doutrina que advoga em favor desta ou daquela classe, categoria ou setor. Esta escola clássica de pensamento celebra como uma de suas principais virtudes o fato de buscar a maximização de bem estar, partindo da liberdade individual, de todos os indivíduos. Ela não serve a este ou àquele partido, legenda ou luta sindical; ela representa, antes de tudo, o anseio por mais liberdade, econômica e política, de cada um frente aos monopólios que são criados por medidas protecionistas; contra o conluio entre políticos e grandes setores de capital, cujas medidas objetivam privilégios mantidos às custas dos consumidores; face à intervenção ilegítima na escolha de com quem casar-se, com quais ideias e grupos associar-se; contra o excesso de burocracia decorrente de um aparato técnico cada vez maior e mais propenso à corrupção; defronte aos obstáculos à livre iniciativa material e de pensamento, á liberdade de escolha irrestrita e à competição livre; e, principalmente, contra a utilização de recursos públicos para o financiamento grupos políticos apadrinhados que enfraquece, sobretudo, as instituições do estado democrático de direito e o funcionamento de seu regime político.

 Isto, caro leitor, está acima de qualquer intriga eleitoral. O liberalismo da velha escola de John Locke, Mill, Touqueville, Hayek, Mises, Hamilton, Adams é, por tudo isso, um conjunto sólido de valores e ideias que não tem por intenção defender grupos específicos: a liberdade, o livre mercado, a ordem espontânea e a propriedade privada nos trazem incontáveis benefícios, muitos superiores do que qualquer medida governamental tomada em qualquer episódio já observado. Abrace esta ideia, seja um liberal. Você só tem a ganhar.


quinta-feira, 19 de maio de 2016

Não, os bancos não são "opressores"

  Vocês, leitor e leitora, já devem ter visto postagens, textos variados a respeito da excessiva taxa de juros, da enormidade do déficit público em relação ao valor que realmente se gasta com projetos sociais e a manutenção de serviços públicos básicos, e que a culpa pela necessidade do ajuste fiscal se dá exclusivamente pela ganância dos banqueiros e dos mais variados agentes do setor financeiro. Em todo este discurso falso, conforme se verá, não há nada de novo em relação aos erros que corriqueiramente se cometem quando o assunto é déficit público e taxa de juros.

 Para ir direto ao ponto, não, a taxa de juros, ou o juro em si, não é um preço ou valor que possa ser determinado artificialmente por um órgão restritivo e externo tal como o é a estrutura governamental. Antes de mais nada, os juros consistem na diferença entre um bem econômico presente e outro futuro: resultam primordialmente da interação dos agentes econômicos nos preços de mercado, no qual o juro se define como o preço de mercado dos bens que já se encontram disponíveis para consumo em relação aos bens que ainda não se encontram finalizados. 

 Para esclarecer melhor: boa parte de nós avalia subjetivamente, isto é, confere um valor maior a um produto que possa lhe dar a satisfação imediata (no presente, no agora) de algum desejo/necessidade em detrimento do mesmo bem quando disponível futuramente, enquanto pouquíssimos entre nós estão dispostos a abrir mão de uma satisfação imediata para, digamos, usufruir o mesmo bem ou serviço no futuro. Isto tem uma razão evidente: dado que o tempo é um recurso escasso e não sabemos quais serão as circunstâncias que amanhã estarão presentes, praticamente todos os seres humanos tendem a procurar a máxima satisfação de seus desejos o mais rápido possível. Este fato explica porquê, por exemplo, uma TV ou computador já posto à venda é mais valorizado, e, portanto, mais caro, do que todas as suas peças já unidas mas que, pela ausência de processos específicos de produção, ainda não deram lugar a tais aparelhos.



 À abstenção do consumo imediato para um eventual consumo no futuro damos o nome de poupança, que na economia dos nossos dias nada mais é do que o lastro do capital, a condição que possibilita o surgimento de novos bens de capital e processos de melhoria na produção de diversos bens. Visto que o juro corresponde à diferença de valor entre o bem presente e o mesmo no futuro, numa sociedade em que ampla maioria das pessoas possui uma preferência temporal alta (prioriza o consumo imediato) em detrimento dos escassos poupadores, decorre que os bens futuros terão um valor bem inferior aos bens presentes e, portanto, decorre que a taxa de juros será elevada.  No caminho inverso, no qual a ampla maioria dos membros de uma determinada sociedade possui uma preferência temporal baixa, a taxa de juros será necessariamente menor.

 O leitor provavelmente já terá percebido nesta altura que parece haver uma correlação inversamente proporcional entre a taxa de juros e a poupança. Note que, à medida que o número de poupadores cresce, e que, portanto, aumentam também os investimentos e acúmulos de capital, as taxas de juro tendem a cair. Dizendo em miúdos: num contexto em que os investimentos estão escassos e no qual os agentes encontram dificuldade para acumular capital em decorrência de excessiva carga tributária, regulações e burocracia, os bens futuros sofrem depreciação pela queda vertiginosa de sua demanda. Note também que o crédito, como qualquer outro bem econômico e sujeito ás relações de oferta e demanda dos processos de mercado, tem seu preço ainda mais elevado devido ao fato de 70% de sua oferta ver-se atualmente consumida quase que exclusivamente pela união e os estados federativos, ficando os restantes 30% disponíveis para uma quantidade infindável de pessoas físicas e jurídicas.

 Aqui há esta grande concentração de pessoas que defende o estabelecimento artificial de uma taxa baixa de juros, de maneira a reduzir o déficit público e engordar o montante de recursos destinados à máquina administrativa. Ora, façamos um exercício lógico: se nos últimos anos a expansão creditícia a preços baixos – muito superior em relação à quantidade de poupança que se formou neste período - incentivada artificialmente pelo governo federal foi responsável em grande parte pela desestruturação de nossa economia, quais benefícios uma ação como essa poderá nos trazer?

 A emissão desmedida de moeda, bem como a expansão irresponsável de crédito, não apenas sinalizam erroneamente a investidores e empresários as condições de mercado em determinados setores, como também comprometem a aplicação de recursos e de mão-de-obra nas mais diversas áreas. Daí só pode advir a grande massa de desempregados, principalmente dos setores de bens de produção, e o generalizado aumento de preços. Os verdadeiros vilões da crise são, portanto, o governo federal e suas medidas tirânicas utópicas de supressão da pobreza e combate à desigualdade que, amparados sobre um inchaço tenebroso do seu poder, submete todo o setor bancário a mais opressora obediência quanto à imposição de preços tabelados de subsídios, moeda e crédito. Novamente: não, cidadãos, os bancos não são responsáveis pela irresponsabilidade da União com suas próprias contas. Também não são eles responsáveis pela redução das suas possibilidades de escolha em pleno século XXI.    

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

O Golpe Democrático

  Num primeiro momento pode causar estranheza ao leitor o título deste ensaio, o qual associa numa única sentença dois termos considerados, na ciência política, como antagônicos e que exprimem sentidos de natureza diferentes. O autor assume, humildemente,  que talvez possa estar em vias de incorrer em ledo engano ao ultimar o termo, porém resguarda-se e lança-se mão de mostrar ao leitor as razões que o animaram por esta escolha.

 Com efeito, emprega-se o termo “golpe” à medida que visa, sobretudo, à deposição de um governante e chefe político por vias que não encontram legitimação institucional. De caráter abrupto e freqüentemente associado historicamente ao ponto de partida da instauração de regimes autoritários e despóticos, esta deposição é levada a efeito quando as regras constitucionais ou direitos políticos que conferem a legitimidade ou legalidade de certo corpo civil são tomados como empecilhos para os anseios de poder de um determinado grupo, partido ou colégio eleitoral. Neste sentido, o discurso fortemente crítico e polarizados aos adversários da luta política floreia-se com um senso ou noção de dever moral para com uma população de particularidades e características bem definidas - quer dizer, um senso moral que obriga seu detrator a tomar-se como o possível herói e protetor do povo, nação ou democracia real. Em resumo, o que bem caracteriza um “golpe” é a ação de tomada de poder resultante de meios não prescritos no códice legal de determinada organização e que, por isto mesmo, não se origina dos meios considerados legítimos por este ordenamento para a escolha do governante e para a condução dos negócios privados e coloca por terra o conjunto de forças escolhido de forma legítima pelo eleitorado ou pelo respectivo órgão legislativo.

 Em forte oposição ao conceito “golpe”, a democracia, que possui margem imensurável de discussões e controvérsias acerca de sua natureza, funções e condições de existência, enquanto regime político encontra seu fundamento no sufrágio e na decisão livre de seus cidadãos. Neste regime, a origem do poder reside no indivíduo, e é através da decisão da maioria do eleitorado, do sufrágio efetivado esporadicamente entre intervalos previamente definidos e segundo normas, direitos políticos e leis constitucionais asseguradas, que se constitui o poder executivo e boa parte dos magistrados que exercem funções importantes na administração deste corpo político e burocrático.  

 Nas formas de governo nas quais esta estrutura ascendente de poder é o fator determinante para a manutenção do poder político, as vias institucionais, representadas pelo aparato jurídico e pelas Casas do Legislativo, além de permitirem e garantirem que o verdadeiro poder resida e seja exercido em nome de seus cidadãos, detém em si a peculiaridade de constituir barreiras ao exercício das funções do representante do eleitorado e assim conferir uma esfera segura de independência, autonomia e liberdade a cada cidadão. Dentre as limitações ao chefe político que são estabelecidos por todo este aparato, o direito a cada um de possuir sua propriedade, orientar-se segundo seus próprios objetivos, valores e vontades, poder resguardar-se do constrangimento ou do uso ilegal da força por parte de terceiros e exprimir seu próprio pensamento são garantias fundamentais à sua manutenção. O direito formal, orientado segundo o intuito de promover a justiça por meio da imparcialidade nas decisões públicas , é também, aqui, o princípio orientador para que as condições da vida civil sejam mantidas e do qual diversas outras leis e máximas são deduzidas e afirmadas.

 Pois bem. Finalizado este percurso, necessário para as conclusões que hão de advir com este ensaio, mas que em pouco convergiu para atenuar o embaraço do leitor, introduzo o fato que me conduz a esta empresa: a reprovação ampla de boa parte dos partidos de esquerda no Brasil, em rede nacional, a um possível processo de impeachment da presidente Dilma Roussef, deposição esta considerada “golpe” e incentivada por uma direita anti-democrática e opressora.

  Afirmam estes grupos que a mera tentativa de depor Dilma Roussef viola a mais elementar condição da democracia: a soberania do povo. Candidata eleita em sufrágio legítimo, tem suas funções e poderes derivados do povo que a elegeu, e que nenhuma manifestação, grupo de oposição ou discurso contrário é capaz de tirar a legitimidade de seu governo. Por conseguinte, um processo de impeachment, ainda que conforme às jurisdições da constituição, não soa razoável à “vontade do povo”.

 Contra esta argumentação elejo os pontos a seguir – eis a razão deste ensaio -: como já dito inúmeras vezes em outras oportunidades neste blog, não é tão-somente o sufrágio que confere existência á democracia. Outros aspectos devem ser observados, pelos cidadãos e pelas estruturas de limitação às decisões políticas, para que um regime possa ser considerado como tal. Os direitos essenciais, políticos e civis devem ser assegurados; a corrupção, falta de transparência pública e as irresponsabilidades com as propriedades dos pagadores de impostos devem ser frontalmente combatidas. A constituição deve ser observada, e a liberdade de cada cidadão deve ser seu fim máximo.

 Quanto ao povo, vale ressaltar que tal conceito trata-se antes de uma figura de linguagem ou de um termo de inexistência real e sentido oblíquo. O que, de fato, assegura o resultado de uma eleição é a maioria dos votantes. As diferenças de convicções, valores ou opiniões, não importa a quais áreas estejam voltadas, entre os indivíduos que compõe todo este eleitorado é quase tão extensa quanto é numerosa a população brasileira. É impossível estabelecer qualquer senso ou característica unificante entre todos os cidadãos em termos de preferência, objetivos de vida ou interpretação da própria existência. A única qualidade que os une num único e inequívoco conglomerado organizado é o fato de pertencerem à República Federativa do Brasil.

 Assim sendo, a principal consternação do autor defronte à propaganda partidária das legendas mencionadas refere-se ao fato de estas serem coniventes, ao fim e ao cabo, com uma presidente e um partido que tiveram suas contas de campanha rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União, num forte indício de que recursos de vultuosa quantia foram retirados ilegal e ilegitimamente de uma empresa estatal para que alianças políticas fossem consolidadas e processos legislativos ou judiciários fraudados pela substituição da imparcialidade pelo alinhamento ideológico nos processos democráticos. Soa também desonroso ao autor uma certa defesa de um chefe executivo que promoveu um dos maiores calotes aos próprios bancos públicos, descurando por completo de qualquer responsabilidade fiscal e desrespeitando num grau assombroso o cidadão pagador de impostos que alimenta, muito contra a própria vontade, uma máquina estatal inchada e corrupta.

 Afigura-se trágico ao autor, por fim, o apoio concedido a um governo que manifesta animosidade e empréstimos de recursos financeiros a regimes ditatoriais latino-americanos e que age como se tivesse estado, todo este tempo, imune ou acima da própria lei que lhe serve de amparo e de limitação, utilizando por este meio as instituições da República para proteger e garantir todo seu poder político e reduzir com isto as nossas liberdades. Qualquer processo de impeachment que possa sobrevir no futuro, portanto, quanto a atual presidente não apenas é legal, visto que é prescrito em lei, como também faz-se legítimo, dado que até mesmo sua popularidade ou base moral esgotaram-se de relevância na disputa política. Tudo isto traz ao autor severas dúvidas quanto a realmente quem tem por anseio subverter a democracia e fazer do próprio arbítrio a medida de justeza de suas ações.     

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

O Enfraquecimento da Moeda e suas Conseqüências

Recentemente, com a desvalorização do real frente ao dólar e a outras moedas internacionais - fator resultante, em grande parte, do rebaixamento da nota de crédito soberana do Brasil pela instituição Standard & Poor’s e da instabilidade de sua economia – outros aspectos de grande importância da atual crise ganharam relevo.

 Dentre as discussões desencadeadas por este fenômeno a inflação, a queda das importações e o aumento de preços passaram a ocupar os tablóides nacionais. Estruturou-se por quais formas o enfraquecimento do real conduziria, fatalmente, ao aumento geral dos preços, à perda de competividade das industrias nacionais e ainda a uma possível queda das vendas das commodities brasileiras. Buscou-se com isso, também, fundamentar por quais vias este fato poderia acarretar no aumento do desemprego, na queda do consumo e da arrecadação de impostos, conduzindo, portanto, no agravamento da crise.   

 Longe de afetar única e exclusivamente as importações, não resta dúvida de que este fenômeno traz conseqüências nefastas à qualidade de vida de uma população. E em razão deste fato que aqui destinamos este ensaio ao esclarecimento das conseqüências da desvalorização da moeda para uma economia, seus cidadãos e as instituições políticas na vida civil.

 Desta forma, em primeiro lugar, em oposição contrária à afirmação de que a desvalorização cambial afeta, sobretudo, as importações e encarece viagens internacionais, é preciso salientar que a queda do valor de uma moeda tem como conseqüência direta o aumento dos preços de bens e serviços disponibilizados internamente. Isto ocorre em virtude da necessidade, num primeiro momento, de se ter mais moeda para adquirir o que antes se comprava com uma menor quantidade deste meio de troca, uma vez que seu valor sofreu depreciação. Como conseqüência indireta, também, sua depreciação engendra o encarecimento da produção de diversos bens, de consumo ou intermediários, que dependem da importação de outros produtos ou do uso de commodities e insumos comercializados em dólar.

 Neste cenário, a produção de alimentos representa o setor onde a influência desta desvalorização é ainda mais explícita. Com este fenômeno cambial, a exportação de carne e commodities brasileiras atingiu níveis elevados, reduzindo a oferta destes mesmos bens no mercado interno. Ao vir somar-se a isto o aumento dos preços de insumos e produtos agrícolas utilizados no cuidado com animais e plantações, o que se constatou foi uma drástica subida de preços dos bens mencionados e a conseqüente redução de qualidade de consumo e vida dos cidadãos que residem no Brasil.  

 No campo de indústria, a fraca competitividade e a dependência e o baixo desenvolvimento tecnológico nacional tornam-se também aqui latentes. A despeito de opinião quase geral, o enfraquecimento do real não conduz ao “aquecimento” da indústria gerador de riquezas e empregos. Em virtude do sucateamento e da baixa qualidade de instrumentos de trabalho com a qual a indústria brasileira diariamente convive, o ganho com as exportações que poderia sobrevir pela desvalorização da moeda encontra forte contrapeso no fato assente de que não apenas nossas indústrias, como também diversas outras ao redor do globo, são importadoras assíduas de matérias primas e bens intermediários produzidos em outros territórios nacionais.  Deste modo, os custos de produção que se elevam reduzem em grande medida a competividade das industrias nacionais no mercado externo.
 Ainda, esta situação tende a agravar-se porquanto, em meio às maiores tarifas protecionistas da era do real e da inflação, um fenômeno chamado de “desindustrialização” pareça atingir seu auge. Com a elevação de preços e a queda no poder de compra dos cidadãos, a fragilização do consumo conduz necessariamente a uma queda na produção deste mesmo setor responsável pela fabricação de eletrodomésticos, veículos automobilísticos, eletrônicos, entre outros. O desemprego neste setor e nos demais associados à venda e encomenda de produtos tende a atingir, portanto, níveis ainda mais altos.

 E a história se repete também no que diz respeito aos investimentos externos e internos. Encontrando-se nossa moeda em fortes condições de instabilidade, as possibilidades de ganhos seguros futuros com a transferência de capital e dos conhecimentos especializados a ele associados tornam-se escassos. Projetos de longo prazo voltados à inovação e criação de nossos serviços abandonam o país em busca de maior segurança em outras terras. Juntamente com os mesmos, talentos partem em busca de melhores oportunidades.


No que tange a democracia, doravante, o fenômeno da desvalorização do real é, ao mesmo tempo, causa e reflexo de medidas do poder público voltadas ao controle ou intervenção estatal excessivo sobre as atividades privadas dos cidadãos e a direção previamente planejada de seus resultados. A pouca transparência nas contas públicas, nos seus métodos de agir também favoreceram a criação de alianças ilícitas entre órgãos ou representantes políticos e fortes empresas de capital público ou privado. Esquemas de corrupção e a estafante concentração técnico-burocrático num único ou em reduzidos diretórios contribuíram e ainda contribuem para o esvaziamento da cidadania e do sentido da ação cívica. A instabilidade de nossa unidade de troca, desta forma, age contra o crescimento econômico, contra a redução da pobreza e age, fundamentalmente, em favor da continuidade de nossas instabilidades políticas, face às quais a liberdade de cada indivíduo frente ao despotismo político e à tirania de grupos coletivos esmorece, obstando o desenvolvimento civil e social em todas as suas diversidades. 

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

A Tragédia Repúblicana

Há poucas horas o ex-presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva veio a público, durante encontro com grupos sociais de agricultores, oferecer defesa à atual presidente em exercício, Dilma Roussef, defronte às acusações de irresponsabilidade fiscal que emanam da oposição, dos meios de comunicação e dos cidadãos comuns deste país.  

 Encontrando-se em vigência a investigação acurada, seguida de reprovação ríspida de qualquer situação ou contexto que pareça, ainda que debilmente, consistir em ato de corrupção, vimos a recomendação, na semana anterior, por parte do Tribunal de Contas da União pela reprovação das contas da campanha eleitoral da presidente quando candidata em 2014. Segundo o órgão, os tesoureiros e administradores dos recursos da União, sob a conivência de Dilma Roussef, incorreram nas chamadas “pedaladas fiscais”, onde o repasse obrigatório de recursos do Tesouro a Caixa Econômica Federal, ao Banco do Brasil e ao BNDES foi postergado em virtude da manutenção de programas e privilégios sociais. Estas últimas instituições viram-se, deste modo, delegadas ao levantamento de seus próprios recursos para a quitação dos rombos milionários deixados pela União.

 Face à esta situação, que progressivamente se configura numa rejeição total da imagem da presidente e pode originar a deposição de seu mandato e poderes, Lula optou por tentar dirimir as consequências negativas deste mais novo escândalo protagonizado pelo TCU. Em um discurso com vistas a aglutinar forças e lados dissidentes quanto à atual gestão petista do poder executivo, o ex-presidente reafirmou a necessidade de se furtar aos ataques perpetrados pela oposição, frisando que há ainda há, ao alcance de sua legenda, meios suficientes para a saída da crise atual. O que, no entanto, mas suscitou indignação em sua fala consiste na afirmação, pretensamente ingênua, de que, se assim agiu, Dilma levou adiante as pedaladas fiscais com o intuito único de manter os programas sociais do Bolsa Família e do Minha Casa, Minha Vida.

 Óbvio está que esta afirmação, apesar de perdulária, apresenta um dúbio conteúdo. Primeiramente, se a asserção acima causa estranheza a qualquer cidadão consciente do que atualmente se passa nas instituições políticas, econômicas e cívicas que lhe rodeiam, não é exagero, todavia, afirmar que esta não é desprovida de sentido. Com efeito, as pedaladas fiscais foram tomadas em consonância à finalidade de arrecadar votos e fidelizar eleitores quando o déficit público e o endividamento dos cofres do Tesouro já se sobressaíam e colocavam em risco os programas sociais do governo. O receio de que se perdesse o poder assombrou de tal modo seus detentores e toda a coligação aliada que considerações éticas e legais não se impuseram na tomada de decisões sobre as medidas necessárias para a aquisição de votos. Em adição, Lula não apenas consentiu – em tom semelhante a uma confissão – com as atuais constatações públicas acerca das contas da campanha de sua apadrinhada, como também levou-nos a crer que os tais programas sociais, mais do que fundamentar e estender benesses às parcelas mais pobres da população brasileira, tinham função primordialmente política.

 Em segundo lugar, conforme já havíamos enfatizado no ensaio “A função política da corrupção”, com esta frase se torna legítimo tomar o atual escândalo de corrupção como uma tragédia republicana, possivelmente sem precedentes em nossa história. Muito mais do que o desvio ilícito e oculto de recursos públicos para a satisfação de demandas privadas de funcionários públicos, políticos ou empresários apoiadores do governo, o “Petrolão” e seus desmembramentos atualmente em curso nos apontam distintamente para a prática pérfida da perpetuação sem escrúpulos do poder político e dos instrumentos de coerção: quantias insondáveis de dinheiro espoliadas do erário tiveram por finalidade financiar campanhas, comprar votos, fornecer privilégios, estabelecer alianças, enquanto o estado real da economia do país deteriorava-se sem que a isso nossa presidente e seus aliados se detivessem com a merecida atenção.

 Os esforços levados a cabo para que o poder se mantivesse sob seu desígnio apenas revelou o fratricídio do Estado Democrático de Direito, pois a Lei, soberana e superior até mesmo ao mais alto cargo administrativo, esvaziou-se de seu significado, sendo usurpada e substituída pela arbitrariedade do governante tornada a nova lei, o novo critério de decisão e valoração das ações passadas e vindouras.   

 Sem muito esforço, desconfia-se e até observa-se certo tipo de coerção do poder executivo sobre as demais Casas. Táticas de intimidação e ameaça sobre o TSE ou sobre o STF, juntamente com o fornecimento de propina em troca de apoio político cego e indistinto constituem sintoma de desfalecimento das principais instituições da República, assim como colocam em dúvida se há de fato, no sistema político brasileiro, uma real divisão de poderes. Desconfia-se até mesmo da validade das últimas eleições, onde rumores despontam a respeito de processos fraudulentos durante as campanhas eleitorais. Se nota, principalmente, que a democracia nos parece ter sido subtraída por um poder tirano, adulador das massas e rancoroso de nossos valores da propriedade e autonomia.

 Por fim, assistimos hoje a uma verdadeira tragédia das instituições que compõem nosso corpo civil, e cujas finalidades deveriam servir à manutenção de nossa liberdade. Com tudo isso, torna-se assente, sobretudo, o aspecto falido de uma retórica populista voltada ao apelo pelo combate à desigualdade e à pobreza. Programas sociais tais quais os mencionados acima são também responsáveis pela deterioração presente da economia, onde o cidadão pobre, afastado das grandes oportunidades e do acesso a uma qualidade de vida melhor, sorverá o principal fruto amargo e indigesto deste regime. Reformas de certa forma radicais, além de uma liderança política sisuda e sábia, fazem-se mais do que necessárias se é objetivo comum a restituição da República e a solidez das liberdades individuais que lhe são resultantes. A tragédia republicana, talvez a maior de nossa história, desenrola com furor e se nos toma de assalto, enquanto, receosos, lutamos e para que uma sociedade livre enfim tenha lugar neste país chamado Brasil. 

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

A Invasão da Propriedade no Combate à Dengue


Nesta segunda-feira, 05 de outubro, o prefeito da cidade de São Paulo Fernando Haddad sancionou lei, proposta pela câmara municipal dos deputados, na qual autoriza o uso da força para invadir domicílios cujos moradores não estejam presentes ou se recusem a permitir a entrada da equipe sanitária da prefeitura.

 Tal medida, que condiciona a investida apenas ás ações voltadas ao combate à dengue e à chikungunya, tem por objetivo conter e impedir a proliferação do mosquito aedes aegypt, e servirá de ferramenta a esta luta sanitária nos próximos meses, os quais, em virtude de maior incidência de chuvas e aumento da umidade, oferecem condições meteorológicas propícias à reprodução do mosquito.

 As previsões negativas que surgem com a aproximação dos tempos úmidos e quentes, feitas com base nos surtos de dengue que no último verão assolaram quase todo o território nacional e na fragilidade da infra-estrutura sanitária e médica que nesta oportunidade tornou-se evidente, sugerem que, salvo em caso de um planejamento eficiente e organizado levado a cabo pela autoridade pública, uma nova epidemia se estabelecerá nos grandes centros populacionais. Medidas drásticas, deste modo, tornam-se razoáveis se se adequarem á finalidade para a qual são direcionadas.
Isto, contudo, carece de qualquer aspecto de bom senso ou consideração estratégica razoável se examinarmos o raciocínio que lhe confere sustentação, visto que, se colocado sob análise, todo esta ação resume-se numa prática, mais do que ilegítima, ineficiente.

 De fato, a proliferação do mosquito e o conseqüente aumento dos índices de contágio das doenças mencionadas decorrem do acúmulo de água limpa e parada. Vasos com plantas, pneus, caixas d’água, vasilhames e muitos outros recipientes, se objeto de descuido de seus respectivos proprietários, propiciam o acúmulo de água e de outras eventuais substâncias que facultam a difusão destas e de outras doenças.

 Indigno de questionamentos, acrescenta-se a este ponto de partida a constatação de que o combate à dengue, posto em prática principalmente através da conscientização pública dos cidadãos sobre os riscos que envolvem o descuido com água parada e sobre as medidas necessárias para a resolução deste quadro, provou-se insuficiente na conquista de suas metas. E mesmo com o apoio de novas vacinas e recursos biológicos criados em laboratório, chegou-se a conclusão de que há ainda muito para se fazer.

 Não há, no entanto, um sentido de necessidade lógica em auferir, deste diagnóstico, a “justeza” da ação pública de entrar à força em residências e demais propriedades. Um dos maiores problemas da metrópole paulistana consiste em sua infra-estrutura sanitária, de saneamento e nos assentamentos ilegais ao longo da região metropolitana, onde são flagrantes as péssimas condições de vida de seus habitantes. Com obviedade se argumenta não ser fácil delimitar e isolar os principais focos da proliferação do mosquito aedes aegypt, porém, com igual acuidade se pode enfatizar que a pulverização de residências não consiste numa medida de resolução efetiva de todo o problema.

 Na capital e nas principais cidades que compõem sua grande região metropolitana, são inúmeros os exemplos de descaso público. Resíduos e lixo urbano se acumulam em ruas e avenidas; esgotos a céu aberto parecem multiplicar-se na mesma velocidade com que competem para difundir doenças e pragas; bairros periféricos sofrem com a péssima infra-estrutura sanitária, onde seus moradores vêem-se forçados a conviver com roedores e animais venenosos; prontos-socorros e hospitais – públicos e até privados – carecem da estrutura e recursos médicos necessários para oferecer suporte a todos os que necessitam.

 Em grande parte destes casos, vale mencionar, a burocracia estafante e a ineficiência estatal, aliada ao superfaturamento, consistem em uma de suas principais causas. Impostos diretos e indiretos, que já reduzem a esfera de liberdade de cada cidadão, tornam-se tão mais onerosos à medida que se aponta como ação estratégia a ser tomada um processo dispendioso de pulverização que não apresenta soluções para as verdadeiras deficiências da cidade e que sempre serão criadouros para a dengue e outras doenças. E o quadro tende a agravar-se enquanto, além de não oferecer as condições de proteção da integridade física de cada cidadão, esta medida concorre para a violação do direito individual de privacidade e inviolabilidade da moradia.

 Cada indivíduo resguarda em si a livre recusa em face do constrangimento de terceiros, e sua propriedade, seja esta a propriedade sobre seu corpo, intelecto ou bens, não deve, de forma alguma, ser submetida á decisão arbitrária do poder coletivo. A determinação para a entrada à força em residências põe em risco a integridade de cada morador à medida em que não estabelece com rigor as condições que viabilizam esta ação. Em posse de quais documentos se reconhece sua legitimidade? Como determinar se de fato a equipe que bate à porta é constituída de representantes do poder público, e não de falseadores e criminosos? Como assegurar que a propriedade não sofrerá danos por esta invasão, seja pela recurso à força, seja pelos efeitos das substâncias tóxicas que são despejadas durante a pulverização?  E, principalmente: quais estatísticas são capazes de apontar que o ato da pulverização, consentida ou á revelia, contribui com peso para o combate às causas e á disseminação do mosquito e de pragas urbanas?

 E, o que é talvez pior, não apenas a integridade do indivíduo encontra-se combalida neste contexto. No atual momento de crise econômica em que nos deparamos, a utilização dos recursos públicos de forma coerente é cada vez mais necessária. A pulverização forçada esmorece com mais vigor a tão amada liberdade, porquanto não realoque com sabedoria boa parte destes recursos onerosos que são destinados ao combate à dengue e torne lícita a invasão da propriedade. Neste imbróglio salutar de desperdícios e medidas emergenciais, não restam garantias que nossos bens possam estar intactos ou ainda existir quando, após um longo dia de atividades laborais, retornarmos às nossas casas.  

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

A Censura e a Liberdade Civil

 Em fins de Agosto levantou-se na Câmara dos Deputados de Brasília um projeto de Lei que proíbe mensagens, postagens ou declarações consideradas ofensivas ou difamatórias a políticos profissionais e candidatos. Em paralelo, aventou-se quase no mesmo instante outro projeto de lei com a finalidade de introduzir importante alteração no atual Marco Civil, a saber, a obrigatoriedade, por parte de provedores de sites e redes sociais, de reter dados pessoais de seus usuários, tais como nome completo e CPF.

 No decorrer do mês de setembro, pôde-se observar com facilidade, além do apoio tácito do atual presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o sentimento de urgência com que algumas bancadas deste órgão deliberativo trataram a questão. Ficou evidente, sem sombra de dúvida, o receio, praticamente um temor pungente, de parte destes representantes de terem sua imagem ou “honestidade” denegrida através da indignação popular contra os escândalos de corrupção e de ineficiência econômica e política do atual poder executivo.  

 Sem se fazer necessário deter-se com minúcias sobre os pontos nos quais, na íntegra, estes novos projetos de lei se arregimentam, não é escusado dizer que suas ambições servem a princípios e finalidades muito escusas. De fato, ainda que os novos projetos tenham a qualidade de despertar, vez ou outra, um senso de respeito a uma personalidade política, o perigo que representam a uma sociedade livre não nos deve, de forma alguma, suscitar-lhes qualquer tipo de aquiescência.

 Sem embargo, tal como John Stuart Mill expôs com brilhantismo intelectual em seu ensaio On Liberty, não são desprovidas de importância as instituições consideradas necessárias para a manutenção de uma democracia livre.

 Tal como descreve sucintamente nas primeiras linhas de sua Introdução, o objetivo de seu ensaio consiste na problematização acerca da liberdade civil, uma forma de liberdade e uma essência política necessária a qualquer regime político. Na esteira de seu pensamento, e este é um ponto de particular importância para o presente contexto apresentado, a liberdade civil deve corresponder, tal qual uma forma de extensão, à liberdade de que cada indivíduo dispõe por si próprio. A qualidade de ser humano livre e provido de dignidade lhe confere a possibilidade de dispor de suas faculdades conforme seu juízo e seus planos e conforme aos objetivos perseguidos sem padecer da influência negativa ou restritiva de outros indivíduos ou de poderes coletivos. Esta liberdade civil, dizendo sem rodeios, consiste, portanto, na delimitação precisa e rígida das esferas nas quais o indivíduo possui sua soberania, e às quais torna-se ilegítimo a ingerência de qualquer poder político ou órgão público coercitivo.

 Porém, juntamente a deixar assente a necessidade em definir com rigidez em quais esferas da sociedade quais interesses, do indivíduo ou do poder político, serão por direito soberanos e legítimos, salienta-se quais são os papeis exercidos em particular pela liberdade de pensamento, expressão e imprensa e suas respectivas importâncias dentro de uma democracia livre. O direito ao próprio pensamento e sua correspondente expressão implicam ao cidadão a faculdade de poder, primeiramente, orientar-se segundo suas próprias convicções, “leis” pessoais e a própria razão. Em um segundo momento, que não necessariamente se desvincula do primeiro em termos cronológicos, tais liberdades lhe tornam factíveis elaborar projetos e tomar iniciativas; fornecer seu consentimento ou manifestar sua reprovação ante determinada medida pública; conduzir sua vida e a persecução de seus objetivos conforme os próprios valores e reunir-se livremente com outros indivíduos que partilhem dos mesmos ideais e vontades.

 No que tange, por seu turno, à liberdade de imprensa, as idéias, aquiescências e repúdios encontram espaço através dos mais diversos meios de veiculação de informações e notícias. A descentralização sobre tais meios, que equivale a coibir-lhes o monopólio estatal ou privado, é tanto mais importante quanto, por um lado, resulta da livre iniciativa concedida aos cidadãos para fornecer seus próprios serviços aos demais como forma de a eles ajustar a satisfação mútua dos desejos; quanto, por outro, corrobora a autonomia dos cidadãos e suas opiniões face ao exercício dos poderes públicos.

 A liberdade de imprensa, assim, constitui condição sine qua non para a transparência acerca das ações governamentais, para o julgamento sobre estas últimas e para a vigilância de cada cidadão sobre a justeza das ações políticas e suas esferas de atuação. Em forte correlação, tanto a primeira, como a liberdade de pensamento e expressão, asseguram um elemento fundamental em qualquer sociedade livre: o pluralismo político. A oposição a governantes e medidas oficiais do poder público não compreende per se toda a extensão deste termo. Antes, todavia, pluralismo político significa ou realça o verdadeiro sentido da participação dos indivíduos na vida política do corpo civil ao qual se encontram inseridos. Tão numerosos os grupos políticos numa comunidade, quantas são as opiniões relevantes e legítimas de cidadãos livremente reunidos e tão isentos de controle coercitivo ou dirigismo central, quantas são os instrumentos de veiculação de informação, torna-se praticamente impossível ver-se a esfera das liberdades individuais de cada um invadida por um poder despótico e autoritário.  

 Os direitos de livre pensamento, expressão e imprensa livre são instituições, valores e conquistas concomitantemente potencializadores e fatores condicionantes da autonomia de cada indivíduo. Tais direitos convidam cada um ao exercício cívico entendido como o esforço pela manutenção da liberdade e à inserção ao debate político e moral, fundamental para o estabelecimento das mudanças que se fazem necessárias em qualquer governo civil.   

 Por tudo isto, a censura ou qualquer outra tentativa de introdução de mecanismos destinados a refrear a expressão e formulação livre de idéias e opiniões, independentemente de seus conteúdos, consiste em ato deveras pérfido à nossa liberdade civil – representa, evidentemente, o aumento progressivo do poder político sobre as esferas nas quais toma-se como soberana apenas a vontade do indivíduo.  Reduz, indubitavelmente, nossa autonomia enquanto faz-se capaz de conceder ao Estado um poder maior de manipulação e determinação autoritária sobre nossos valores, os sentidos e as finalidades de nossas ações. Confere ao aparato estatal uma espúria qualidade de ser inatingível ou intocável às críticas e considerações e de seus cidadãos, enquanto mina os espaços destinados à dissidência e ao desacordo.


 E todo este contexto, ao fim e ao cabo, insere-nos nos novos âmbitos de discussão e manifestação de opiniões representados pelo advento das redes sociais. Os desafios que surgem com estes novos meios de difusão de informações, por mais diferenciados que possam parecer, diferem apenas em grau dos desafios representados pela salvaguarda dos direitos individuais de expressão e pensamento. Analogamente, a exigência pela obrigatoriedade da retenção, por parte de provedores e redes sociais, de informações individuais importantes de cada usuário concorre para a redução das limitações impostas ao exercício do poder, da privacidade e da proteção em face de um sistema coercitivo de controle sobre os valores e convicções pessoais. Esta ação, bem como a censura, jamais consistirá num recurso, numa sociedade livre, destinado à manutenção das liberdades de seus cidadãos defronte aos riscos de centralização e determinação das informações e diretrizes de cada pessoa. À supressão da livre iniciativa de opiniões e manifestações, mesmo quando ainda sutil e pequena, reduz-se também, como conseqüência necessária, boa parte de nossa liberdade civil.