"Quando vejo o princípio de liberdade em ação, vejo agir um princípio vigoroso, e isto, de início, é tudo que sei. É o mesmo caso de um líquido; os gases que ele contém se liberam bruscamente: para se fazer um julgamento, é necessário que o primeiro movimento se acalme, que o liquido se torne mais claro, e que nossa observação possa ir um pouco além da superfície".
Edmund Burke.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

O Enfraquecimento da Moeda e suas Conseqüências

Recentemente, com a desvalorização do real frente ao dólar e a outras moedas internacionais - fator resultante, em grande parte, do rebaixamento da nota de crédito soberana do Brasil pela instituição Standard & Poor’s e da instabilidade de sua economia – outros aspectos de grande importância da atual crise ganharam relevo.

 Dentre as discussões desencadeadas por este fenômeno a inflação, a queda das importações e o aumento de preços passaram a ocupar os tablóides nacionais. Estruturou-se por quais formas o enfraquecimento do real conduziria, fatalmente, ao aumento geral dos preços, à perda de competividade das industrias nacionais e ainda a uma possível queda das vendas das commodities brasileiras. Buscou-se com isso, também, fundamentar por quais vias este fato poderia acarretar no aumento do desemprego, na queda do consumo e da arrecadação de impostos, conduzindo, portanto, no agravamento da crise.   

 Longe de afetar única e exclusivamente as importações, não resta dúvida de que este fenômeno traz conseqüências nefastas à qualidade de vida de uma população. E em razão deste fato que aqui destinamos este ensaio ao esclarecimento das conseqüências da desvalorização da moeda para uma economia, seus cidadãos e as instituições políticas na vida civil.

 Desta forma, em primeiro lugar, em oposição contrária à afirmação de que a desvalorização cambial afeta, sobretudo, as importações e encarece viagens internacionais, é preciso salientar que a queda do valor de uma moeda tem como conseqüência direta o aumento dos preços de bens e serviços disponibilizados internamente. Isto ocorre em virtude da necessidade, num primeiro momento, de se ter mais moeda para adquirir o que antes se comprava com uma menor quantidade deste meio de troca, uma vez que seu valor sofreu depreciação. Como conseqüência indireta, também, sua depreciação engendra o encarecimento da produção de diversos bens, de consumo ou intermediários, que dependem da importação de outros produtos ou do uso de commodities e insumos comercializados em dólar.

 Neste cenário, a produção de alimentos representa o setor onde a influência desta desvalorização é ainda mais explícita. Com este fenômeno cambial, a exportação de carne e commodities brasileiras atingiu níveis elevados, reduzindo a oferta destes mesmos bens no mercado interno. Ao vir somar-se a isto o aumento dos preços de insumos e produtos agrícolas utilizados no cuidado com animais e plantações, o que se constatou foi uma drástica subida de preços dos bens mencionados e a conseqüente redução de qualidade de consumo e vida dos cidadãos que residem no Brasil.  

 No campo de indústria, a fraca competitividade e a dependência e o baixo desenvolvimento tecnológico nacional tornam-se também aqui latentes. A despeito de opinião quase geral, o enfraquecimento do real não conduz ao “aquecimento” da indústria gerador de riquezas e empregos. Em virtude do sucateamento e da baixa qualidade de instrumentos de trabalho com a qual a indústria brasileira diariamente convive, o ganho com as exportações que poderia sobrevir pela desvalorização da moeda encontra forte contrapeso no fato assente de que não apenas nossas indústrias, como também diversas outras ao redor do globo, são importadoras assíduas de matérias primas e bens intermediários produzidos em outros territórios nacionais.  Deste modo, os custos de produção que se elevam reduzem em grande medida a competividade das industrias nacionais no mercado externo.
 Ainda, esta situação tende a agravar-se porquanto, em meio às maiores tarifas protecionistas da era do real e da inflação, um fenômeno chamado de “desindustrialização” pareça atingir seu auge. Com a elevação de preços e a queda no poder de compra dos cidadãos, a fragilização do consumo conduz necessariamente a uma queda na produção deste mesmo setor responsável pela fabricação de eletrodomésticos, veículos automobilísticos, eletrônicos, entre outros. O desemprego neste setor e nos demais associados à venda e encomenda de produtos tende a atingir, portanto, níveis ainda mais altos.

 E a história se repete também no que diz respeito aos investimentos externos e internos. Encontrando-se nossa moeda em fortes condições de instabilidade, as possibilidades de ganhos seguros futuros com a transferência de capital e dos conhecimentos especializados a ele associados tornam-se escassos. Projetos de longo prazo voltados à inovação e criação de nossos serviços abandonam o país em busca de maior segurança em outras terras. Juntamente com os mesmos, talentos partem em busca de melhores oportunidades.


No que tange a democracia, doravante, o fenômeno da desvalorização do real é, ao mesmo tempo, causa e reflexo de medidas do poder público voltadas ao controle ou intervenção estatal excessivo sobre as atividades privadas dos cidadãos e a direção previamente planejada de seus resultados. A pouca transparência nas contas públicas, nos seus métodos de agir também favoreceram a criação de alianças ilícitas entre órgãos ou representantes políticos e fortes empresas de capital público ou privado. Esquemas de corrupção e a estafante concentração técnico-burocrático num único ou em reduzidos diretórios contribuíram e ainda contribuem para o esvaziamento da cidadania e do sentido da ação cívica. A instabilidade de nossa unidade de troca, desta forma, age contra o crescimento econômico, contra a redução da pobreza e age, fundamentalmente, em favor da continuidade de nossas instabilidades políticas, face às quais a liberdade de cada indivíduo frente ao despotismo político e à tirania de grupos coletivos esmorece, obstando o desenvolvimento civil e social em todas as suas diversidades. 

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