Nas últimas semanas vieram a
público as propostas de governo dos candidatos à Presidência da República.
Dentre eles, fez conhecer seu programa de governo João Amoedo, do Partido Novo,
tido como um dos partidos representantes do ideário liberal nestas eleições.
Comento, abaixo, os aspectos positivos e negativos de suas propostas.
Dividido em 10 principais tópicos, seu
programa de governo é orientado por uma visão clássica liberal que combina fatores
fundamentais para o desenvolvimento econômico:
A) A segurança, tanto jurídica e institucional,
quanto propriamente dita, necessária não apenas para fazer valer contratos e
direitos dos diversos agentes da sociedade civil, como também para assegurar a
cada um o gozo do que lhe pertence;
B) A redução da burocracia e dos processos
públicos, restringindo seu escopo de atuação às esferas mais gerais de
regulação;
C) A criação de um ambiente favorável à livre
iniciativa e a busca, por parte do cidadão, de seus próprios interesses e
objetivos, tendo como contrapartida a valorização da responsabilidade
individual em detrimento ação “moralizadora” e, muitas vezes, paternalista das
autoridades públicas;
D) A busca por condições mais justas de
competição a partir da implementação de uma maior igualdade de oportunidades
entre os diversos indivíduos que competem pelos mesmos recursos escassos.
A seguir, os principais
aspectos nos quais os tópicos encontram-se reunidos.
Ajuste
Fiscal e Responsabilidade com o Erário
Como não poderia deixar de
ser no caso de um programa de governo elaborado, dentre outros autores, por
Gustavo Franco, herdeiro da tradição liberal brasileira incorporada por Roberto
Campos, salta a vista a grande preocupação com a situação fiscal brasileira.
Sem apresentar superávits primários desde
2015, e com evolução perigosa e desestabilizadora da dívida pública – cujo
montante bruto já supera 70% do PIB, nível preocupante para uma economia com
tantas despesas orçamentárias fixas e historicamente marcada por um
baixo/moderado crescimento desde a implementação do Plano Real -, equalizar de
maneira justa as contas do orçamento da União é um dever do qual depende, em
suma, a própria estabilidade de nossa moeda e, por conseguinte, de nossa
economia. A dívida pública segue em franca expansão, a por em dúvida a
solvência futura do estado brasileiro.
As privatizações de muitas empresas estatais,
boa parte das quais deficitária e dependente do Tesouro, acompanhadas do
combate aos chamados penduricalhos, o corte de despesas não essenciais e a
revisão de desonerações tributárias que distorcem o ambiente concorrencial
figuram, acertadamente, como viés orientador da política fiscal por parte da
ótica das despesas. Vale mencionar que estas, na forma como se configuram hoje,
são fortes indutoras da concentração de renda e contribuem, ao demandar sempre
uma quantidade maior de impostos para fazer frente à evolução crescente dos
últimos 20 anos, para a manutenção de um verdadeiro circulo vicioso, no qual a
pressão por mais gastos públicos origina a necessidade da obtenção de maiores recursos
do setor privado.
No que tange à esfera dos impostos, a
simplificação tributária com a substituição de muitos dos impostos sobre o
consumo pelo Imposto de Valor Agregado (IVA) tem a virtude de simplificar nosso
atual modelo de coleta de recursos, tornando-o mais eficiente e econômico em
termos de libertar às empresas um tempo precioso que atualmente destinam à
adequação aos regimes tributários exigidos por lei.
A solidez fiscal é reforçada por outro tema
muito mais espinhoso, que já se segue.
A
Reforma da Previdência e a criação de um Sistema de Proteção Social mais
Efetivo
Leia-se, por efetivo, “que
atende a quem realmente mais precisa”. Já é de conhecimento público que nosso
atual sistema previdenciário não atende ao problema da pobreza e da
desigualdade como era de se esperar. Outras regras como o pensionato e a
ausência de uma idade mínima de aposentadoria no Regime Geral de Previdência
Social também originam fortes distorções, que, se somadas a muitas outras –
como a rápida mudança do cenário etário brasileiro – compõem hoje a principal
rubrica de gastos do orçamento público federal.
Entre as mudanças apontadas, chamam a atenção
positivamente a desvinculação dos benefícios previdenciários dos reajustes do
salário mínimo e a criação de regras iguais para os trabalhadores de ambos os
setores, mecanismos que exercem hoje forte pressão fiscal sobre o crescimento
da despesa previdenciária. Cumpre notar que a busca de superávits primários e a
solidez fiscal são imprescindíveis para a retomada da capacidade de
investimento público. Nos termos da proposta, “se nada for feito [com o sistema
previdenciário], com o envelhecimento da população, em alguns anos, a
previdência consumirá todo o orçamento público”.
A implementação de um
Sistema de Proteção Social, por seu turno, parece remeter às ideias de Amartya
Sen, em cuja obra, “Desenvolvimento como Liberdade”, advoga em prol do conjunto
de proteções ao cidadão como recurso para se ampliar sua esfera de liberdade,
ao mitigar as restrições que diminuem seu escopo e amplitude de ação individual
e que, em algumas partes do mundo, incluindo o Brasil, ainda são severas. O
combate à extrema pobreza e a criação de programas voltados ao atendimento das
parcelas mais pobres da população vinculam-se a este ideal ao mesmo tempo
redistributivo e incorporador de grandes parcelas marginalizadas ao mercado
formal de trabalho. Deve-se se ressaltar a ênfase dada ao combate à extrema
pobreza principalmente entre os mais jovens, que representam contingente
considerável dos extremamente pobres e são, muito em razão disso,
demasiadamente vulneráveis à violência e à morte precoce.
A saúde e a educação públicas também recebem
destaque especial no Programa de João Amoedo. A primeira, alvo de uma análise
acertada quanto a seu diagnóstico presente, promete ser renovada por inteiro a
partir de medidas que visam expandir a medicina preventiva e aproximar o setor
privado dos centros públicos de saúde. A existência e contágio de doenças
infecciosas são corretamente apontados como um grande desafio para a saúde
pública.
As propostas para a educação básica, por seu
turno, aproximam-se do objetivo mais universal de se criar condições mais
igualitárias para a competição individual. As medidas atualmente em curso,
cujos efeitos reforçam a brutal concentração de renda, são colocadas em xeque.
Os recursos federais alocados nas universidades e centros de formação superior
terão parte considerável redirecionada para o sistema básico de formação,
carente de maior suporte financeiro. Esta medida, aliada a outras que atuam em
conjunto no sentido de promover a queda nos índices de evasão escolar e melhoramento
na qualidade do aprendizado, encontra-se alinhada a várias experiências internacionais
de sucesso no tocante a formação adequada de uma mão-de-obra altamente
capacitada, fator essencial para a obtenção de maiores índices de produtividade
do trabalho – item que, por sua vez, explica em grande parte a estagnação
econômica e o baixo crescimento brasileiros.
A
Política Econômica Sem Devaneios
Sem se estender muito sobre este assunto,
abordado aqui (http://ocorreioliberal.blogspot.com/2018/08/chutando-escada-do-ciro-gomes.html) e aqui (http://ocorreioliberal.blogspot.com/2016/12/quais-as-causas-da-crise-economica-no.html), a manutenção de uma política econômica ortodoxa, com
independência formal e prática das principais instituições e autarquias
financeiras públicas, compreende um aspecto norteador desse programa de
governo. A inflação deverá ser contida dentro das metas estipuladas pelo Banco
Central, com ajuste fiscal e interferência governamental nula nos negócios
privados.
O
Direito à Vida
Tema sensível
nessas eleições, a segurança pública é abordada a partir de propostas de
mudanças em nossos atuais sistemas penais, prisionais, investigativo e de
policiamento.
Grandes quadrilhas gestam-se e
retroalimentam-se em nossos presídios, carentes de infraestrutura, organização
e separação adequada entre os detentos. Uma parceira público-privada pode
trazer grandes resultados para o setor, haja vista a baixa capacidade de
investimento público em segurança. São apontadas as regras vigentes para saídas
temporárias, cumprimento das penas em liberdade e alta impunidade, que devem
ser veementemente combatidas através de reformas legislativas e do melhoramento
das condições de trabalho da carreira policial e investigativa.
A
Reforma Política e a Transparência da Máquina Pública
Não deve faltar às propostas
de qualquer presidenciável o combate às distorções existentes em nossa
Democracia Representativa, presentes, sobretudo, nos modelos eleitorais
adotados e nas disfunções de representação no Congresso Nacional.
No caso de João Amoedo, a ênfase colocada
sobre o modelo distrital misto, que combina os sistemas majoritário e
proporcional de voto, apresenta a virtude de aproximar o eleitor do representante
eleito e das siglas partidárias detentoras do maior número de votos, aumentando
a responsabilidade de cada partido pela atuação de seus congressistas. A
sub-representação de algumas unidades da Federação, aliada a sobre-representação
de outras, podem ser, assim, combatidas, além de propiciarem uma redução nos
custos associados ao processo eleitoral.
Presentes estão também as propostas de redução
do número atual de deputados federais e senadores – com sensíveis impactos
positivos para os cofres públicos – e uma forte crítica ao fundo público de
campanha, cujos vultuosos recursos, concentrados num pequeno grupo de partidos,
fazem do jogo partidário um negócio extremamente lucrativo levado a cabo às
expensas do pagador de impostos.
Outra disfunção presente no quadro
institucional brasileiro refere-se ao nosso funcionalismo público, cujas regras
de atuação permitem a seus membros uma estabilidade inadmissível, desvinculada
de qualquer análise de performance ou programas de bonificação e apoiada em
remunerações descomunais. Essa distorção explica, em grande parte, a péssima
eficiência de nossos serviços públicos, bem como a chamada baixa produtividade
do setor público.
Para a tratativa deste problema explicita-se
nas propostas do presidenciável a substituição de alguns dos serviços hoje
fornecidos pela esfera pública por sistemas digitais e simples, acessíveis a
todos os cidadãos e promovedores de importantes reduções de custos para o
erário brasileiro, ao mesmo tempo que visam fornecer ao usuário final uma
facilidade muito maior na obtenção dos serviços desejados. Tal medida encontra
paralelo positivo em nações desenvolvidas e emergentes.
Integração
Mundial e Competividade Nacional e Internacional
Como fio condutor do programa oficial de
governo subjaz a criação de um ambiente de negócios muito mais favorável à
atividade privada e empresarial. Na esteira deste componente, surge outro de
igual importância para o desenvolvimento econômico e social brasileiro: a
abertura comercial.
Num país onde por décadas a fio vicejou – se é
que ainda não viceja – um rígido nacionalismo econômico amparado por um
conjunto de proposições econômicas desenvolvimentistas, são os índices de fluxo
de comércio a triste representação da subserviência a uma doutrina com
raríssimos casos de sucesso, seja em nossa história, seja na literatura
mundial. A soma das importações e exportações de cada país em relação ao PIB
ultrapassa na média global a casa dos 50%. No Brasil, o mesmo índice ainda
resiste em cerca de 19%, patamar muito semelhante ao mesmo nível observado nos
idos dos anos 1950 e 1960, quando então as trocas comerciais internacionais se
davam em montantes muito inferiores. Tanto a teoria econômica quanto a experiência
são pródigas em apontar os efeitos positivos de uma maior abertura comercial –
a possibilidade de importação de insumos de melhor qualidade a preços
inferiores, a obtenção de preços mais baixos ao consumidor final, o rearranjo
das forças produtivas internas no sentido de promover uma alocação mais
eficiente dos recursos disponíveis, a obtenção de melhores índices de
competividade e produtividade através da especialização de atividades.
A exploração de nossas vantagens competitivas,
em detrimento da busca do desenvolvimento nacional por vias da industrialização
forçada e da autossuficiência interna, fica clara quando se aborda a
compatibilização do agronegócio com métodos de produção agrícola com impactos
ambientais menos nocivos. O combate ao desmatamento ilegal – 40% do qual ocorre
largamente em áreas públicas de conservação ambiental e em terras devolutas - e
a universalização do saneamento básico constituem medidas positivas a gerar, no
jargão dos economistas, externalidades positivas tais como o aumento da
produtividade da produção agrícola e de todas as atividades que integram a
complexa rede de relações do agronegócio.
Conclusões
Pelo o que aqui foi exposto, fica claro que as
propostas de governo do candidato à presidência João Amoedo aproximam um
liberalismo clássico – filosoficamente representado pela tríade liberdade,
propriedade e vida, nominalmente presente logo no início do documento – da modernização
institucional e dos próprios mecanismos de funcionamento e regulação do estado
brasileiro.
A melhoria do quadro institucional, que possa proporcionar
um ambiente de negócios mais favorável a partir da criação de direitos de
propriedade mais sólidos, burocracia reduzida e respeito aos contratos, sistema
tributário simplificado e eficiente, caminha de mãos dadas com a fundação das
chamadas instituições inclusivas, que permitem o acesso mais amplo dos cidadãos
nos processos de tomada de decisão e reduzem a níveis praticamente nulos a
redistribuição ignara e injusta de custos e prejuízos entre as diversas classes
existentes na sociedade. Em resumo, o programa de governo do presidenciável tem
a excepcional qualidade de ser uma reprodução do pensamento de Roberto de
Oliveira Campos, adaptada aos nossos dias: a vitória sobre a miséria se faz
antes de tudo com criação de renda e riqueza, ambas proporcionadas somente com
muita liberdade e mercado; qualquer tentativa de supressão da pobreza por
outros meios resulta somente na igual distribuição da miséria.
Contudo, algumas críticas pontuais e
importantes devem ser levantadas. Seja por se encontrar implícito ao longo do
texto, seja por estar profundamente associada aos projetos de privatização e melhoria
das condições de negócios no país, a infraestrutura e a atenção aos gargalos
que dela se originam não aparecem no conjunto das propostas do presidenciável.
Não há menção aos evidentes problemas do sistema elétrico brasileiro, nem ao
marco regulatório para concessão de rodovias e aeroportos em posse do poder
público. Da mesma forma, os recentes problemas decorridos da greve dos
caminhoneiros e o excesso de custos e perdas de eficiência no setor de combustíveis
não são sequer apontados.
O quesito taxa de juros e distorções no
mercado de crédito brasileiro, detentor de um tópico a parte, também inexistem
nesse conjunto de propostas. É claro que o combate ao estado perdulário, o fim
das desonerações e a redução do papel do governo como indutor do crescimento
via bancos públicos contribuem sensivelmente para uma redução, ainda que
gradual, para uma queda na taxa dos juros observada no mercado privado. E,
embora tenha João Amoedo o grande economista Gustavo Franco como coordenador de
sua campanha em tudo o que tange a economia, a ausência deste tema em seu
programa de governo deixa muito a desejar, sobretudo por não apresentar ao
público as principais medidas que eventualmente seriam tomadas para combater as
causas dos juros tão altos praticados no mercado de crédito.
O desarmamento civil, pauta polêmica associada
ao tema da segurança pública, também não recebe menção. É necessário que se
traga esta discussão ao meio político, ainda mais porque se evidencia um certo
fracasso das políticas atuais de desarmamento na redução das mortes causadas
pelo uso de armas de fogo, embora, por outro lado, o armamento civil possa não
representar a solução unilateral e unívoca para o problema da segurança
interna. Cumpre notar, também, que a fiscalização nas fronteiras, essencial no
combate ao tráfico de armas, passa despercebido no programa do presidenciável.
A busca pela segurança no campo, fragilizada pela constante invasão de terras
que põe a perder a estabilidade da produção agrícola e afugentam cada vez mais
investimentos importantes no setor, deveria ter sido incluída no tópico
respectivo ao agronegócio.
Ao fim, entrementes, da
análise deste programa de governo, a despeito das críticas citadas logo acima, tem-se
a forte de impressão que as propostas de governo de João Amoedo fazem jus a um
liberalismo econômico e político vigoroso, pautado, sobretudo, na ênfase dada à
ação individual criadora de riqueza e emancipação e na promoção das liberdades
individuais em todos os campos associados à vida civil.
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