O Valor-trabalho e a
exploração. A subjetividade do valor econômico e a teoria dos juros (preferência temporal).
Antes caracterizada como
fruto de uma abstração, o contrato social de Rousseau e suas críticas face à
propriedade e à acumulação de riqueza delineiam-se como teoria científica
apenas a partir da obra “O Capital”, do pensador alemão Karl Marx, lançada à
público em 1867. Com o subtítulo de “Crítica da Economia Política”, este imenso
escrito, a partir de uma análise até então minuciosa dos processos históricos
de acumulação primitiva do capital, da formação da mercadoria e da forma como esta
opera em um contexto social plenamente inserido no processo de revolução
industrial, nos conduz a um escopo de argumentos, os quais, juntos, nos
tencionam a crer residir na exploração da “classe” operária a constituição e
condição de possibilidade do capitalismo. Mais notadamente, porquanto a
mercadoria e sua lógica de operação tenham se tornado senhores de todas as
esferas de nossa vida enquanto criaturas políticas, sociais, humanas e
econômicas, para Marx será de crucial importância desvendar-lhes os segredos de
como se formam e nos influenciam.
Desse modo, a fim de conferir coesão a sua
crítica, o autor parte de dois dos principais fundamentos econômicos estabelecidos
por teóricos precedentes, que podem ser resumidos nas proposições de que a
fonte de toda a riqueza reside no trabalho e de que a determinação do valor
econômico de determinado produto é proporcional ao tempo de trabalho socialmente necessário para sua
consecução. Como agente potencialmente transformador da natureza e das
matérias-primas por ela fornecidas, o homem encontra em si as forças corporal e
intelectual realmente necessárias para a satisfação de suas necessidades e para
a criação dos mais variados artefatos. A mercadoria, um gênero destas criações
que encontra na finalidade de servir à livre troca entre produtores e
consumidores a natureza que a define, por princípio se constitui de duas
esferas de valor, denominadas de valor de uso e valor de troca. Enquanto a
primeira serve-se da utilidade de determinado bem com vistas a determinado fim
como medida de seu valor, é o valor de troca que permite conferir ao produto
das forças humanas seu caráter de mercadoria. Este valor de troca de um
determinado bem é resultado da soma das forças produtivas que estiveram
associadas a sua produção, na qual a cristalização de trabalho precedente
representada pelas ferramentas de trabalho e maquinarias utilizadas para trabalhadores
para sua produção definitiva constituem a medida de seu valor econômico. Neste
sentido, a troca legítima entre mercadorias ocorre no momento em que bens que
necessitaram do mesmo tempo de criação são de fato trocadas. O salário do
operário, portanto, necessariamente deve corresponder ao valor de cada
mercadoria produzida.
Contudo, o que Marx observa – e este constitui
o elemento explorador do sistema capitalista – corresponde na dissonância entre
a força empregada pelo operário e o rendimento fornecido pelo proprietário dos
meios de produção. A despeito das qualidades objetivas do produto colocado à
disposição num amplo cenário de trocas de mercadorias, parte das rendas obtidas
com sua venda, e que por mérito ou justiça pertencem aos operários que
contribuíram para sua confecção, é revertida em posse do próprio capitalista, o
qual, por deter sob sua tutela os meios necessários à produção deste ou de
outro produto qualquer, arroga-se ao “furto” de boa parte do que é produzido
pelos primeiros.
O fenômeno do fetichismo e de sua contraparte, a reificação,
que daí resulta apenas agrava a completa imoralidade e ilegitimidade do lucro
que, a partir da exploração das massas, constitui a finalidade última do
capitalista empreendedor. Vale ressaltar aqui a condição espúria que concebeu a
possibilidade de funcionamento deste sistema: a formação de uma ampla camada de
trabalhadores assalariados, antes pequenos camponeses, através da violência
tornada efetiva com a expropriação de terras – os cercamentos ingleses, por
exemplo – por parte de grandes e poderosas famílias e o tráfico intenso de
escravos, interrompido com o fim da escravidão e a conseqüente transformação
destes escravos em homens livres, porém despossuídos de qualquer capital. E
qualquer que fosse a origem do operário, quase todos os meios necessários à
produção em massa, entendidos como capital, tais como vultuosas reservas
financeiras ou posses de terra, instrumentos de trabalho e outros tantos meios
de produção, passaram a concentrar-se em poucos e gananciosos capitalistas. O
valor de troca, desta forma, tornado efetivo em quase todos os âmbitos, faz do
operário ele próprio uma mercadoria, que nada necessita senão da venda,
mediante injusta remuneração, de sua força de trabalho ao detentor dos meios de
produção.
Em resposta direta à teoria marxista da
exploração, que conduz à conclusão de serem a miséria e a pobreza geral
conseqüências diretas do funcionamento do capitalismo, colocamos em evidência
as contribuições trazidas pelas obras “Capital e Juros” (publicada ao longo dos
anos de 1884 e 1921) e “Princípios de Economia Política” (1867-1868),
publicadas, respectivamente, pelos economistas Eugen Von Böhm-Bawerk e Carl
Menger.
De forma a encontrar uma nova teoria a
respeito da determinação do valor dos bens produzidos que pudesse conferir uma
solução aos impasses ocasionados pela tese da objetividade do valor, Menger
encontra, a partir de seus estudos sobre a utilidade marginal de bens e
produtos, um ponto fundamental que inicia a desconstrução da teoria da
exploração de Marx, qual seja, a subjetividade do valor econômico. A despeito
do tempo de trabalho e dos recursos, humanos e materiais, empregados na
produção de determinada mercadoria, é a forma como esta satisfaz a uma
necessidade dos eventuais consumidores que constitui a medida de sua grandeza
de valor. A utilidade que determinado uso de certo bem pode oferecer segundo
uma finalidade específica estabelece um critério muito mais assertivo para
precisar a qualidade de um produto e a eficácia de sua produção. Estabelecendo-se seu valor em razão
proporcional ao anseio humano que ardentemente lhe quer o usufruto e que, sem
este consumo, não se satisfaria, Menger constrói uma explicação racional para a
queda dos custos que envolvem progressivo aumento de volume de produção,
atribuindo à demanda um papel fundamental no estabelecimento de preços. Desta
forma, o valor de uma mercadoria tende a apresentar redução crescente conforme
unidades adicionais da mesma mercadoria são apresentadas ao consumidor, pois sua
utilidade decresce conforme necessidades imediatas são satisfeitas. Destarte,
na determinação do valor, o fator quantidade de trabalho adquire um papel
secundário em face da apreciação que o homem projeta sobre a relevância de
determinado bem para a obtenção de determinado fim.
Em virtude de tais considerações, torna-se
factível asseverar também que, não obstante a idêntica quantidade de trabalho que
possa existir entre duas diferentes mercadorias dispostas em um eventual
processo de troca, os tipos de trabalho e esforço destinados à produção de bens
variados não são correspondentes, ou seja, o trabalho pode ser considerado
heterogêneo e portador de tantas distintas qualidades e esforço físico e mental
quanto são os tipos de finalidade a que servem e quão distintos são os trabalhadores
entre si. Entrementes, ainda que o princípio da heterogeneidade do trabalho torne
desigual quantidades correspondentes de trabalho e bens de capital e
inviabilize, portanto, a determinação do valor conforme este critério, cabem ainda
à subjetividade da apreciação e ao conceito de preferência temporal, cuja
exposição se iniciará abaixo, a crítica mais mordaz à teoria da exploração.
Com
efeito, caberá a Böhm-Bawerk desmistificar o mito de que o lucro e o juro do
capital são resultado da aquisição imoral de parte do trabalho produzido sob a
forma da chamada mais-valia. Para o autor austríaco, a concepção marxista da
exploração decorre, em suma, do desprezo de Marx, ainda que não intencional, do
princípio da preferência temporal, segundo o qual, para grande parte dos homens
e na maior parte dos contextos que envolvem escolhas entre bens presentes ou
futuros, os agentes econômicos, que aqui reúnem tanto produtores, quanto
consumidores, inclinam-se ás opções que lhe sejam capazes de fornecer
satisfações imediatas. Por este motivo, bens ou produtos que já se apresentam
confeccionados para o consumo tendem à maior estima do comprador final e, por
conseguinte, a um valor econômico mais elevado, em relação a outras
determinadas mercadorias que ainda se encontram em processo de produção. Isto,
por um lado, reflete-se na relativa ausência de sacrifícios ou poupanças, por
boa parte dos consumidores, em função de um uso futuro de algum bem e, por
outro, condiciona o cálculo e a determinação dos salários de todos os
trabalhadores envolvidos em qualquer parte da produção. Dado que a preferência
temporal dos compradores torna mais valioso o fruto que já está consolidado,
não se faz factível calcular os rendimentos do trabalhador, enquanto o processo
de produção ainda não culminou numa mercadoria completa, tendo como base o
valor que esta possui, no mercado, quando já disposta ao consumo. Dito de outro
modo é uma reivindicação descabida exigir a comparação do salário pela produção
de um bem ainda não finalizado e disposto à venda com o preço que este
apresenta numa relação real de troca entre vendedores e compradores. De forma
muito mais justa e racional, portanto, está contido no salário o custo
resultante do fato de boa parte dos compradores não desejarem, ou desejarem
menos, o consumo futuro em lugar da compra imediata.
Fundamental é também notar, além da estreita
relação entre o valor subjetivo da mercadoria, proporcional a sua utilidade
marginal, e o princípio da preferência temporal no que tange à determinação de
preços e salários, que, abatida a teoria da exploração, torna-se possível
alcançar outra conclusão até então despercebida pelos economistas da época: a
fonte da riqueza, muito mais do que no trabalho enquanto tal, reside na
organização racional, isto é, decorrem do intelecto e das idéias inovadoras a
riqueza da sociedade capitalista e o aumento da qualidade de vida de todos os
cidadãos. A capacidade produtiva de determinada indústria e de um conjunto de
operários é tanto maior, em geral, quanto mais avançados forem os meios
tecnológicos de produção colocados à sua disposição. Se o trabalho
constituísse, de fato, a origem da riqueza, as inovações tecnológicas e as
grandes idéias responsáveis por trazer ao cidadão comum o aumento gradativo da
qualidade de vida não surgiriam no seio de nossa sociedade. A pobreza e a
miséria resultam mais da aplicação errônea dos fatores de produção, e do
diagnóstico impreciso a respeito das origens de valor e do cálculo de preços e
salários do que da expansão do capitalismo e da massificação de bens antes
considerados itens de luxo. E, neste
contexto, exercem um papel extremamente benéfico e necessário para todos –
desde os mais ricos produtores, até os mais despossuídos proletários – a
existência do lucro e de grandes fortunas, uma vez que estas possibilitam a
expansão da produção, a criação de novos empregos e fomentam atividade
intelectual diretamente responsável pelas grandes inovações.
Conclusão
Conforme a exposição que se
seguiu, é notória e indubitável a posição que apresentamos. A propriedade,
mesmo compreendida erroneamente apenas como a posse sobre bens ou riqueza, não
é causa dos males sociais a ela consubstanciados, como a pobreza, a miséria e a
violência. A organização das atividades econômicas segundo os princípios de
propriedade privada e da livre concorrência dão ensejo a resultados muito mais
benéficos, principalmente aos consumidores e a grande massa de trabalhadores
que possa existir, do que qualquer forma de organização político-econômica
baseada em projetos de distribuição equitativa de riqueza e sobre forte
tributação .
No que tange ao item das taxações sobre lucros
e grandes fortunas, tema que dá origem a este ensaio, cabe ainda uma última
observação. Como vimos, a poupança, seja esta constituída por sacrifícios
presentes em prol de benefícios futuros ou por heranças, fomentam investimentos
e aplicações nas mais diversas áreas. Os juros concedidos por bancos, por
exemplo, aos detentores de heranças ou fortunas dão-se em razão do “uso”,
geralmente destinado ao patrocínio de grandes construções e financiamentos, que
os primeiros fazem do bem emprestado pelos segundos (novamente, o princípio da
preferência temporal). Os lucros, resultantes da eficiência da produção que
conquista para si parte considerável dos consumidores, encontram sentido e
serventia na aplicação ao próprio negócio, destinada à expansão da capacidade
produtiva e à busca por inovações que possibilitem atingir ainda de forma mais
eficiente a demanda que lhe confere a razão de ser.
Um dos maiores problemas decorridos da
aplicação de impostos e taxações decore da impossibilidade de concentrar as
conseqüências negativas que lhe advém apenas no setor objeto de taxação. Impor
cobranças sobre fortunas, heranças e lucros faz com que estes novos custos sejam
repassados ao preço de mercadorias finais ou sejam convertidos em estagnação e
redução de salários, corte de vagas, aumento de taxas de desemprego, diminuição
de financiamentos e aplicações em bens intermediários ou serviços e
principalmente na perda de qualidade e inovação do setor produtivo. Em todos
estes casos, torna-se assente que a parcela da população mais prejudicada
consiste, tragicamente, no grupo de menor poder de consumo, que em quase cem
por cento destes contextos, reduz drasticamente ou mesmo deixa de fazer uso de
serviços e bens antes consumidos. Por
conseguinte, com queda vertiginosa no consumo, o PIB tende a acompanhá-lo na
mesma proporção.
A pobreza e a miséria, portanto, não decorrem nem da
utilização privada e orientada ao lucro dos meios de produção, nem da
existência de grandes fortunas ou heranças. Não há fundamentos racionais que
façam crível a conexão necessária que muitos de nossa esfera política e social
estabelecem entre a riqueza material de poucos e a pobreza de grande maioria.
Por fim, comprovada a
arbitrariedade em exigir dos “afortunados” a responsabilidade e o dever de
recompensar a sociedade pelas mazelas sociais nela existentes, se conclui de
igual modo que não há senso algum de sensatez ou justiça na ação de ameaçar a
liberdade individual de fazer uso de bens, conhecimento e capital adquiridos
legalmente segundo os próprios fins e vontades estabelecidos em prol de uma
indefinida e vaga idéia de uma função social que a propriedade deve exercer. Conceber
taxações progressivas sobre renda, heranças e lucros é, deste modo, mais uma variação
dentre tantas outras pelas quais inúmeros governos incorrem na redução
ilegítima das possibilidades de livre escolha e desenvolvimento pessoal de cada
indivíduo. A acumulação de riqueza, longe de constituir-se em imoralidade
escabrosa, é condição essencial para o combate à pobreza e para as grandes
inovações que recrudescem a qualidade de vida de cada um. Fazer uso livre de
qualquer propriedade – de si, de suas idéias, pensamentos, força corporal,
riqueza material e liberdade – é, por isso, o ponto de partida mais fundamental
para o estabelecimento de uma sociedade livre e rica, onde todos e cada um
ajustam suas atividades com a dos demais sem requerer o uso da coerção e da
força.
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