"Quando vejo o princípio de liberdade em ação, vejo agir um princípio vigoroso, e isto, de início, é tudo que sei. É o mesmo caso de um líquido; os gases que ele contém se liberam bruscamente: para se fazer um julgamento, é necessário que o primeiro movimento se acalme, que o liquido se torne mais claro, e que nossa observação possa ir um pouco além da superfície".
Edmund Burke.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Financiamento Público de Campanha: Ameaça à Liberdade


Vimos recentemente que, através de 8 votos favoráveis à proibição de doações de pessoas jurídicas a campanhas e candidatos, o Supremo Tribunal Federal tornou ilegal o financiamento privado-empresarial das campanhas políticas, restringindo, deste modo, sua operação á utilização majoritária dos recursos oriundos de cofres públicos e de pessoas físicas.

 A despeito do êxtase que tal decisão pareceu suscitar em grande parte dos grupos políticos representativos brasileiros, este veredicto não deixa de provocar, por outro lado e segundo outra visão de análise dos fatos correntes, grande preocupação quanto à solidez e valorização da liberdade dos cidadãos nesta República.

 Sem embargo, munidos principalmente da exposição apresentada em ensaio precedente, intitulado “A Função Política da Corrupção”, dedicaremos este ensaio à análise e posterior refutação dos princípios que advogam em favor do financiamento – exclusivamente ou não – público de campanhas eleitorais, conforme aventado no cenário político brasileiro. Mais notadamente, colocaremos sob análise as seguintes premissas: o financiamento público de campanhas, na medida em que restringe a ingerência privada sobre os processos de sufrágio, concorre para o funcionamento efetivo de uma democracia, assegurando a liberdade dos indivíduos e dos grupos que a compõem e a igualdade de condições entre os partidos que competem entre si para conquista do eleitorado; e a proibição das doações de empresas, grandes ou pequenas, venerandas ou de pouca monta, possibilita ao aparato estatal sua salvaguarda frente à corrupção e aos esquemas de propinas que envolvem lobistas e grandes empresários.

 Com efeito, no que concerne exclusivamente à primeira premissa, lançamos mão da ressalva segundo a qual uma República legítima, cuja finalidade consiste na liberdade de seus concidadãos, deve fundamentar-se, sobretudo, no direito “inalienável” da escolha, sem constrangimentos impostos por terceiros, do governante por parte de todos os eleitores. Em consonância aos valores e conteúdos presentes no conjunto das liberdades individuais, a partir do qual, no presente contexto brasileiro, a liberdade de pensamento, expressão e escolha constituem pedra fundamental de nossa Magna Carta, é legítima, lícito e legal que qualquer individuo, independente de suas qualidades morais e físicas possa emprestar seu livre consentimento á opinião ou posição que lhe é favorável  e resignar-lhe o empréstimo quando as posições de seu destinatário destoam dos princípios que lhe governam.

 Neste sentido, no caso de uma eventual implementação do financiamento exclusivamente público de campanhas, não se concederá ao pagador de impostos a livre escolha quanto ao destino de seus recursos. Não far-se-á possível para o cidadão escolher, dentre o quadro geral de partidos concorrentes, a qual o grupo político tem por interesse direcionar univocamente os recursos obtidos com base na tributação de suas atividades. Os impostos oriundos destas taxações apresentarão como resultado o financiamento de partidos ideologicamente contrários ao consentimento de cada cidadão e, por conseguinte, a violação da liberdade de escolha dos eleitores, uma das liberdades individuais mais essenciais a um regime que se queira livre.

 Em consonância a este argumento, acrescentamos, em menção à igualitarização das condições de disputa entre os partidos concorrentes, que medidas direcionadas à igual distribuição de recursos entre estes grupos exigem estruturas coercitivas que possam viabilizar seu isolamento defronte à iniciativa privada e conduzir suas diferentes posturas durante as disputas políticas. Estes novos aparatos não apenas demandariam ainda mais receita sobre os pagadores de impostos, como, forçosamente, nos levariam a uma deturpação das vontades dos cidadãos: consistindo o sufrágio e o debate político livre nos meios através dos quais a representação política ganha forma e legitimidade, carece de sentido e “benevolência social” o ato de distribuir de forma igual recursos oriundos de cidadãos com pensamentos e posições ideológicas distintas. Tal estratégia autoritária não faz senão, por um lado, tornar ineficiente a concorrência de partidos – o número cada vez maior de adeptos e apoiadores de um determinado grupo não se reflete no crescimento de seu poder de influência e de competividade face aos demais grupos – e, por outro, tornar publica e totalmente falsa a interpretação do eleitorado acerca das ideias propostas numa eleição.

 Para a situação onde apenas a participação de pessoas jurídicas é coibida têm-se, também, os mesmos problemas. Grandes corporações e pequenas empresas encontram animosidade ou complacência com medidas políticas e econômicas. Proibir a manifestação daquelas é semelhante a impedir que possam esforçar-se ou apoiar iniciativas que visam à criação de condições satisfatórias à sua sobrevivência. Proibir sua manifestação constitui atitude tão contrária à liberdade quanto o financiamento exclusivamente publico de campanhas.

 Já no que tange à segunda premissa apresentada, pelo fato de que a concentração de poder e recursos nos órgãos que detém em si o uso legítimo da coerção tornam mais factíveis a corrupção e a concessão espúria de privilégios, não há mais garantias de que a imparcialidade nas decisões do Estado poderá permanecer. A tomada de decisão sobre o destinos dos recursos obtidos com a tributação não refletirá o real interesse dos cidadãos, porquanto anseios excessivos pela manutenção do poder e de sua extensão possam conduzir ao desvio do montante reservado ao financiamento das eleições segundo planejamento previamente estipulado.

 De forma análoga, os mecanismos existentes destinados à fiscalização de receitas públicas ver-se-ão enfraquecidos diante do resultante aumento da burocracia e da consequente redução das esferas de dissensão dentro do próprio aparato governamental. Esquemas de propinas e conluios entre empresários e chefes políticos se tornarão cada vez mais presentes, assumindo uma dimensão destrutiva ainda mais significativa. Privilégios e monopólios serão concedidos às escuras, por vias ilegais e fraudulentas. A própria democracia verá engrandecido o risco de subverter-se em tirania.      

 Com tudo isto, estabelecemos que o financiamento exclusivamente público de campanhas eleitorais nos representa mais um espesso grilhão para nossa servidão política. Liberdades fundamentais, como o direito de apoiar e reprovar este ou aquele partido, terão suas dimensões reduzidas, e os momentos mais importantes de decisões políticas populares correrão sério risco de desestimular justamente o interesse político dos cidadãos. E, mesmo sob a hipótese de proibição solitária da participação de pessoas jurídicas em campanhas eleitorais, sem restrição igual do financiamento oriundo de pessoas físicas, problemas como a corrupção, em contrapartida aos resultados esperados, tenderão a manter os atuais padrões já apresentados. Esta conclusão depreende-se, em suma, da consciência de que o desvio de recursos públicos para fins não-públicos não resulta da participação da iniciativa privada em certos âmbitos governamentais. Antes, esta conclusão encontra origem na inconteste ausência de liberdade econômica e liberdade política que constituem o atual cenário sócio-econômico brasileiro. Resta, portanto, compreender que as reformas estruturais necessárias no âmbito político não nos devem conduzir a mais uma perda substancial de liberdade em nossa República. 

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