A despeito do êxtase que tal decisão pareceu
suscitar em grande parte dos grupos políticos representativos brasileiros, este
veredicto não deixa de provocar, por outro lado e segundo outra visão de
análise dos fatos correntes, grande preocupação quanto à solidez e valorização
da liberdade dos cidadãos nesta República.
Sem embargo, munidos principalmente da
exposição apresentada em ensaio precedente, intitulado “A Função Política da
Corrupção”, dedicaremos este ensaio à análise e posterior refutação dos
princípios que advogam em favor do financiamento – exclusivamente ou não –
público de campanhas eleitorais, conforme aventado no cenário político
brasileiro. Mais notadamente, colocaremos sob análise as seguintes premissas: o
financiamento público de campanhas, na medida em que restringe a ingerência
privada sobre os processos de sufrágio, concorre para o funcionamento efetivo
de uma democracia, assegurando a liberdade dos indivíduos e dos grupos que a
compõem e a igualdade de condições entre os partidos que competem entre si para
conquista do eleitorado; e a proibição das doações de empresas, grandes ou
pequenas, venerandas ou de pouca monta, possibilita ao aparato estatal sua
salvaguarda frente à corrupção e aos esquemas de propinas que envolvem lobistas
e grandes empresários.
Com efeito, no que concerne exclusivamente à
primeira premissa, lançamos mão da ressalva segundo a qual uma República
legítima, cuja finalidade consiste na liberdade de seus concidadãos, deve
fundamentar-se, sobretudo, no direito “inalienável” da escolha, sem
constrangimentos impostos por terceiros, do governante por parte de todos os
eleitores. Em consonância aos valores e conteúdos presentes no conjunto das
liberdades individuais, a partir do qual, no presente contexto brasileiro, a
liberdade de pensamento, expressão e escolha constituem pedra fundamental de
nossa Magna Carta, é legítima, lícito e legal que qualquer individuo,
independente de suas qualidades morais e físicas possa emprestar seu livre
consentimento á opinião ou posição que lhe é favorável e resignar-lhe o empréstimo quando as posições
de seu destinatário destoam dos princípios que lhe governam.
Neste sentido, no caso de uma eventual
implementação do financiamento exclusivamente público de campanhas, não se
concederá ao pagador de impostos a livre escolha quanto ao destino de seus
recursos. Não far-se-á possível para o cidadão escolher, dentre o quadro geral
de partidos concorrentes, a qual o grupo político tem por interesse direcionar
univocamente os recursos obtidos com base na tributação de suas atividades. Os
impostos oriundos destas taxações apresentarão como resultado o financiamento
de partidos ideologicamente contrários ao consentimento de cada cidadão e, por
conseguinte, a violação da liberdade de escolha dos eleitores, uma das
liberdades individuais mais essenciais a um regime que se queira livre.
Em consonância a este argumento, acrescentamos,
em menção à igualitarização das condições de disputa entre os partidos
concorrentes, que medidas direcionadas à igual distribuição de recursos entre
estes grupos exigem estruturas coercitivas que possam viabilizar seu isolamento
defronte à iniciativa privada e conduzir suas diferentes posturas durante as
disputas políticas. Estes novos aparatos não apenas demandariam ainda mais
receita sobre os pagadores de impostos, como, forçosamente, nos levariam a uma
deturpação das vontades dos cidadãos: consistindo o sufrágio e o debate
político livre nos meios através dos quais a representação política ganha forma
e legitimidade, carece de sentido e “benevolência social” o ato de distribuir
de forma igual recursos oriundos de cidadãos com pensamentos e posições
ideológicas distintas. Tal estratégia autoritária não faz senão, por um lado, tornar
ineficiente a concorrência de partidos – o número cada vez maior de adeptos e
apoiadores de um determinado grupo não se reflete no crescimento de seu poder
de influência e de competividade face aos demais grupos – e, por outro, tornar publica
e totalmente falsa a interpretação do eleitorado acerca das ideias propostas
numa eleição.
Para a situação onde apenas a participação de
pessoas jurídicas é coibida têm-se, também, os mesmos problemas. Grandes
corporações e pequenas empresas encontram animosidade ou complacência com
medidas políticas e econômicas. Proibir a manifestação daquelas é semelhante a
impedir que possam esforçar-se ou apoiar iniciativas que visam à criação de
condições satisfatórias à sua sobrevivência. Proibir sua manifestação constitui
atitude tão contrária à liberdade quanto o financiamento exclusivamente publico
de campanhas.
Já no que tange à segunda premissa
apresentada, pelo fato de que a concentração de poder e recursos nos órgãos que
detém em si o uso legítimo da coerção tornam mais factíveis a corrupção e a
concessão espúria de privilégios, não há mais garantias de que a imparcialidade
nas decisões do Estado poderá permanecer. A tomada de decisão sobre o destinos
dos recursos obtidos com a tributação não refletirá o real interesse dos
cidadãos, porquanto anseios excessivos pela manutenção do poder e de sua
extensão possam conduzir ao desvio do montante reservado ao financiamento das
eleições segundo planejamento previamente estipulado.
De forma análoga, os mecanismos existentes
destinados à fiscalização de receitas públicas ver-se-ão enfraquecidos diante
do resultante aumento da burocracia e da consequente redução das esferas de
dissensão dentro do próprio aparato governamental. Esquemas de propinas e
conluios entre empresários e chefes políticos se tornarão cada vez mais
presentes, assumindo uma dimensão destrutiva ainda mais significativa. Privilégios
e monopólios serão concedidos às escuras, por vias ilegais e fraudulentas. A
própria democracia verá engrandecido o risco de subverter-se em tirania.
Com tudo isto, estabelecemos que o financiamento
exclusivamente público de campanhas eleitorais nos representa mais um espesso
grilhão para nossa servidão política. Liberdades fundamentais, como o direito
de apoiar e reprovar este ou aquele partido, terão suas dimensões reduzidas, e
os momentos mais importantes de decisões políticas populares correrão sério
risco de desestimular justamente o interesse político dos cidadãos. E, mesmo
sob a hipótese de proibição solitária da participação de pessoas jurídicas em
campanhas eleitorais, sem restrição igual do financiamento oriundo de pessoas
físicas, problemas como a corrupção, em contrapartida aos resultados esperados,
tenderão a manter os atuais padrões já apresentados. Esta conclusão
depreende-se, em suma, da consciência de que o desvio de recursos públicos para
fins não-públicos não resulta da participação da iniciativa privada em certos âmbitos
governamentais. Antes, esta conclusão encontra origem na inconteste ausência de
liberdade econômica e liberdade política que constituem o atual cenário
sócio-econômico brasileiro. Resta, portanto, compreender que as reformas
estruturais necessárias no âmbito político não nos devem conduzir a mais uma
perda substancial de liberdade em nossa República.
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