Tornou-se tema recente dos noticiários nacionais a apuração
das investigações da operação Lava Jato, cujas descobertas, que se nos
apresentam até o momento infelizmente incompletas, denunciam um amplo esquema
de corrupção envolvendo a maior empresa estatal do país.
Sem dúvida o maior
escândalo de corrupção em toda nossa história, tanto no que diz respeito às
dimensões do espólio, quanto às repercussões resultantes, o “Petrolão” nos traz
à tona a existência de um fragoroso sistema de propinas, desvio de dinheiro
público, formação de cartéis, financiamento ilícito de “caixa 2”, composto por
profissionais das mais diferentes áreas.
A corrosão moral que
parece efluir de toda esta inveterada tragédia envolvendo uma quantidade
insondável de dinheiro público aumenta à medida que as investigações avançam e
novos suspeitos são adicionados à lista das personalidades investigadas. É
certo afirmar que boa parte de nossa crise atual, tanto econômica quanto
política, encontra suas bases neste imbróglio de relações de influências
política e privada. Não se faz forçoso afirmar que o rebaixamento, pela agência
Standard & Poor’s, da nota brasileira em seu índice soberano de crédito decorre
em parte da queda vertiginosa de prestígio da Petrobrás e da denúncia de sua
gestão pública parcial e fraudulenta. O mesmo se pode dizer quanto à queda de
popularidade da atual presidente em exercício e os severos problemas de
governabilidade dela oriundos, para a qual se podem atribuir os mesmos fatores.
Sendo tudo isto,
indubitavelmente, digno de nota é, não obstante, sumamente importante apontar,
nesta reflexão, outro fato que se sobressai à vista e direcionar a atenção do
leitor para este aspecto que, em regime política algum, deve ser desprovido de
suas legítimas considerações.
Desde o início do
Brasil Independente – e, talvez, até mesmo em épocas precedentes – é qualidade
intrínseca de nosso corpo político a concentração de poder no aparato do
Estado. Com uma das maiores cargas tributárias do mundo, construída ao longo de
muitos anos, não faltam recursos ao detentor do monopólio da coerção física
para a aplicação dos mais diferentes projetos e ideais. Na esteira deste processo,
as liberdades individuais, que restringem necessariamente as esferas de ação do
poder político e civil, apenas em tempos recentes ascenderam ao relevo das
reflexões sociais em nosso meio. A repressão do poder público sobre os cidadãos,
fosse o primeiro constituído por elites
cafeicultoras ou militares, esteve sempre associada à concentração de recursos
e instrumentos nos órgãos de execução da lei civil.
Ao mesmo tempo, porém,
muito em virtude dos discursos populistas do século passado e da extrema
regulação estatal na esfera econômica, a asserção de que empresas públicas monopolizadoras
de setores estratégicos de nosso país estão à serviço, única e exclusivamente,
das necessidades primordiais do “povo” desenvolveu-se até atingir um caráter fortemente
indelével. Não se poderia contestar a necessidade da gestão estatal das
principais empresas do país, visto que, sob esta égide, a exploração destas
atividades através da busca pelo lucro apenas furtaria aos cidadãos da
República o uso dos bens produzidos em seu território, além, é claro, da
exploração decorrente deste último tipo de gestão. A mais simples menção à
privatização de companhias geridas por vias públicas era repudiada com ardor
quase ufanista.
Entrementes, os
últimos exemplos de grandes esquemas de corrupção trazidos pelo “Mensalão” e “Petrolão”,
bem como por outras denúncias da utilização indevida de recursos públicos promulgadas,
ainda que por vias não jurídicas, a outros governantes e partidos, colocam em
dúvida a eficiência não apenas do modelo estatal de produção de um bem ou
serviço em face de um concorrente privado, mas realçam, sobretudo, a larga
distância existente entre as eventuais boas intenções de um plano de governo e
os resultados discordantes que são obtidos. Para esta realidade concorrem
múltiplos fatores: a ausência de incentivos adequados por parte da gestão
pública; a estonteante quantidade de tributos que muito corrobora para a queda
de produção e riqueza; a ausência de transparência nas contas do governo; a
facilidade, com os recursos obtidos e com a ingerência sobre instrumentos de
fiscalização, da criação de estratagemas de propinas e financiamento ilícito de
campanhas; a dificuldade em estabelecer cálculos precisos de determinação de
preços e salários e a exigência cada vez mais frequente de captação mais ampla
de receita.
Fora, é claro, outras
tantas causas que podem ser encontradas no âmago deste fenômeno, salientamos
aqui a falsidade de se atribuir, como teoria que, via de regra, fundamenta o
esmorecer da moralidade política na influência pérfida de empresas privadas
sobre delegações políticas, ao âmbito privado a condição de propulsor deste
vilipêndio dos bens públicos. Em forte oposição à esta visão, enfatizamos,
conforme reflexões anteriores presentes em ensaios como “Ineficiência e
Restrição”, que a ineficiência pública – serviços caros, ruins e demorados - decorre
da própria essência do Estado e a corrupção é tanto maior e mais ampla, quanto
é mais abrangente a quantidade de recursos nele direcionado e a maior é a restrição
à concorrência de iniciativa privada em diversos âmbitos de produção. Ainda
mais, nos baseamos na expressão segundo a qual a corrupção, e outros atos de
imoralidades semelhantes, tem sua origem antes no próprio indivíduo do que em
instituições privadas ou públicas.
Com tudo isto já teríamos
razões para nos defrontarmos com o malogro de qualquer regime civil que não
escolha prescindir dos meios necessários à consecução dos ideais de um Estado
forte e regulador. A expansão dos instrumentos de poder em posse dos aparatos
coercitivos estatais apenas viabiliza em grande medida a extensão do poder
público sobre a sociedade civil e os cidadãos que nela residem.
No entanto, e é esta a
função que atribuímos ao presente ensaio, faz-se deveras necessário enfatizar o
anseio pelo poder como um fim em si mesmo como um fenômeno que, se não decorre
de um Estado inchado e regulador, encontra-se-lhe fortemente associado. Tal
como é descrito na petição em prol do impeachment da presidente Dilma (http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/a-integra-do-pedido-de-impeachment-de-dilma-apoiado-pela-oposicao/),
a obsessão do Partido dos Trabalhadores pela manutenção à todo custo do poder em
suas mãos pôde legitimar as finalidades, quaisquer que estas possam ser, a
despeito dos meios empregados para a sua conquista. O perigo já anunciado há
séculos por pensadores liberais e conservadores no que tange à arbitrariedade
do governo decorrente da retirada das limitações a ele impostas pelas liberdades
econômica e política reflete-se na invalidez das normas legitimamente
constituídas para assegurar a previsibilidade da ação governamental e
individual e para salvaguardar os cidadãos de um eventual poder tirano,
autoritário e excessivamente parcial e coercitivo nas decisões que venha a
tomar sobre as demais esferas que constituem uma República.
A atual crise política
evidencia, acima de tudo, o hábito, recorrente em nossa história, de conceder à
esfera pública a decisão última sobre grande parte das atividades que compõem
seu conjunto. As tragédias que se imiscuem em seu seio, tais como a
instrumentalização das empresas estatais em favor da manutenção do poder, não
devem dissimular o fato de que a virtual deposição do chefe do poder executivo
em exercício não produzirá seu efeito desejado caso profundas alterações
estruturais em nossa forma de “fazer política” não sejam efetuadas no futuro. É
interessantíssimo notar como a tomada de consciência sobre todo este fenômeno
parece, pouco a pouco, ganhar força neste cenário. Mas não nos é permitido
esquecer, contudo, que a alternativa mais eficaz à nossa crise de condução dos
negócios públicos consiste, em última análise, na conquista de amplo espaço
para o exercício das liberdades individuais.
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