"Quando vejo o princípio de liberdade em ação, vejo agir um princípio vigoroso, e isto, de início, é tudo que sei. É o mesmo caso de um líquido; os gases que ele contém se liberam bruscamente: para se fazer um julgamento, é necessário que o primeiro movimento se acalme, que o liquido se torne mais claro, e que nossa observação possa ir um pouco além da superfície".
Edmund Burke.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

A Questão Uber


 Em um pronunciamento recente feito pela presidente em exercício, Dilma Roussef, acerca das alternativas econômicas encontradas por sua equipe em face à grave crise econômica atual, foi-lhe solicitado que apresentasse sua posição sobre o polêmico aplicativo Uber e as vigorosas discussões que seu uso tem provocado nas principais capitais brasileiras. Em resposta à asserção de que a novidade trazia contribuições e melhorias aos consumidores, a chefe de governo expôs a complexidade da situação e da divergência de opiniões que lhe decorre em razão do desemprego que o novo aplicativo pode acometer às cooperativas de taxi já estabelecidas.   

 Em adição, também estendeu seu comentário a um fato pessoal que ocorrera ainda com seu pai, em cuja oportunidade este se viu sem os meios correntes de subsistência em virtude da produção e comercialização massificadas dos automóveis.  E quando questionada a respeito da legalidade do serviço prestado pelo aplicativo, sucintamente revelou não se tratar de assunto da União a regulamentação da nova atividade.

 Sem deixar de ser digna de menção no que tange á esfera da política, a posição revelada pela presidente contém em si reflexão importante sobre as transformações sociais oriundas de avanços tecnológicos diretamente associados às atividades cultivadas no âmago de uma sociedade. A existência e oferta de um novo bem ou serviço com custos mais vantajosos e com um nível de qualidade acima dos padrões até então existentes são responsáveis, indubitavelmente, pelo desgaste que pode sobrepujar os arranjos produtivos de determinado setor e principalmente o status quo do qual determinadas empresas gozam e que se encontram receosas em perder. Mais ainda, em caso de aceitação geral do novo serviço ou da nova forma de produção do mesmo bem, a perda de empregos e o descrédito de certas funções refletem as conseqüências mais imediatas da alteração destas estruturas.

 Todavia, se todas estas mudanças decorrem, quase que exclusivamente, da aplicação em determinada atividade de processos tecnológicos mais avançados, não se faz nenhum exagero afirmar que os ganhos obtidos com a redução de custos e aumento da produtividade tornam mais acessível e de melhor qualidade um determinado bem antes restringido ao uso de parcelas específicas da população. Ocorre, com isto, uma democratização progressiva – no sentido de ampliação do acesso a um serviço não importa qual este possa ser – do consumo deste mesmo produto e, por conseguinte, um novo estímulo a outras mudanças e novas inovações que possam desafiar os novos padrões estabelecidos.

 Dentro deste contexto, deve-se enfatizar também que todas estas mudanças e inovações são possíveis apenas graças ao princípio e direito constitucional da livre iniciativa, o qual, em suma, em seu sentido mais preciso e originário tem o poder de conceder a todos os cidadãos a faculdade de livremente dispor e utilizar dos recursos que possuem á disposição segundo objetivos próprios e conforme uma demanda específica. E tal direito associa-se fortemente ao princípio constitucional da liberdade cívica, o qual, dentro dos conformes exigidos por lei, concebe, dentre outras coisas, como legítima a troca livre, entendida como o ajuste livre de vontades distintas e autônomas, entre produtores e compradores.   

  A asserção de que a complexidade da “questão Uber” decorre da ameaça que apresenta a empregos formais estabelecidos não carece de sentido, nem é estranha ao contexto no qual se insere. Porém, da mesma forma como num primeiro momento a inovação pode conduzir quase necessariamente à extinção de um ofício, é pertinente recordar que novas funções e empregos são impulsionados como meio de sustentar a continuidade da mudança. No que diz respeito, por exemplo, ao aplicativo, vale enfatizar o novo meio de sustento com que muitos cidadãos encontraram ao optarem fornecer sua mão de obra e outros recursos próprios ao novo ofício de “motorista Uber”. Diante da crise atual, onde as taxas de desemprego tendem a agravar-se, inovações como esta apresentam alternativas viáveis à ausência de trabalho.

 Por outro lado, a mesma asserção nos traz à memória os protestos e a violenta rejeição com que cooperativas de táxi apresentam ao uso do aplicativo. É notório que tal reprovação advenha do fato inconteste de que o novo serviço é mais vantajoso ao consumidor final do que os atuais padrões apresentados por cartéis e oligopólios de diversos serviços de táxi nas principais metrópoles do país e lhes represente verdadeira ameaça à sua subsistência, embora se deva conceder que o argumento de uma das partes em litígio com relação à ilegalidade do serviço Uber não é de todo desprovido de fundamento.


 O mais importante em toda este contexto é entender com sabedoria e argúcia o que se passa: as atuais legislações brasileiras sobre o transporte não estão preparadas para a inovação que representa o aplicativo, da mesma forma como inúmeras inovações no passado representavam grandes dificuldades de adaptação para as regras normativas estabelecidas pela sociedade. Novos processos tecnológicos e mudanças tendem a ser extremamente benéficas se acompanhadas com proximidade por usuários, produtores e órgãos públicos. Condenar e restringir o uso destas , seja a partir do recurso à ilegalidade, seja com o lançar mão da coerção física sobre a concorrência, é impedir de forma autoritária que um aumento gradativo de qualidade de vida se apodere do dia a dia de cada cidadão. Muito mais sensato é, valendo-se do princípio unívoco e soberano da livre iniciativa, estabelecer uma regulamentação que torne mais segura e confiável a produção de uma oferta e a proteção do consumidor defronte a possíveis equívocos por parte do produtor. Portanto, em troca de condenar peremptoriamente o aplicativo e quaisquer outras mudanças tecnológicas positivas, é necessário estabelecer, localmente e sem o recurso à União, as estruturas que possibilitem aos cidadãos comuns o uso mais racional e benéfico possível destas melhorias, sem descurar, de igual modo, do papel que estas podem desempenhar no combate à corrupção, ocasionada, no mais das vezes, pelo incentivo governamental à criação e manutenção de grandes monopólios e oligopólios.       

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