Em um pronunciamento
recente feito pela presidente em exercício, Dilma Roussef, acerca das
alternativas econômicas encontradas por sua equipe em face à grave crise
econômica atual, foi-lhe solicitado que apresentasse sua posição sobre o
polêmico aplicativo Uber e as vigorosas discussões que seu uso tem provocado
nas principais capitais brasileiras. Em resposta à asserção de que a novidade
trazia contribuições e melhorias aos consumidores, a chefe de governo expôs a
complexidade da situação e da divergência de opiniões que lhe decorre em razão
do desemprego que o novo aplicativo pode acometer às cooperativas de taxi já
estabelecidas.
Em adição, também estendeu seu comentário a um
fato pessoal que ocorrera ainda com seu pai, em cuja oportunidade este se viu
sem os meios correntes de subsistência em virtude da produção e comercialização
massificadas dos automóveis. E quando
questionada a respeito da legalidade do serviço prestado pelo aplicativo,
sucintamente revelou não se tratar de assunto da União a regulamentação da nova
atividade.
Sem deixar de ser
digna de menção no que tange á esfera da política, a posição revelada pela
presidente contém em si reflexão importante sobre as transformações sociais oriundas
de avanços tecnológicos diretamente associados às atividades cultivadas no
âmago de uma sociedade. A existência e oferta de um novo bem ou serviço com
custos mais vantajosos e com um nível de qualidade acima dos padrões até então
existentes são responsáveis, indubitavelmente, pelo desgaste que pode
sobrepujar os arranjos produtivos de determinado setor e principalmente o status quo do qual determinadas empresas
gozam e que se encontram receosas em perder. Mais ainda, em caso de aceitação
geral do novo serviço ou da nova forma de produção do mesmo bem, a perda de
empregos e o descrédito de certas funções refletem as conseqüências mais
imediatas da alteração destas estruturas.
Todavia, se todas
estas mudanças decorrem, quase que exclusivamente, da aplicação em determinada
atividade de processos tecnológicos mais avançados, não se faz nenhum exagero
afirmar que os ganhos obtidos com a redução de custos e aumento da
produtividade tornam mais acessível e de melhor qualidade um determinado bem antes
restringido ao uso de parcelas específicas da população. Ocorre, com isto, uma
democratização progressiva – no sentido de ampliação do acesso a um serviço não
importa qual este possa ser – do consumo deste mesmo produto e, por
conseguinte, um novo estímulo a outras mudanças e novas inovações que possam
desafiar os novos padrões estabelecidos.
Dentro deste contexto,
deve-se enfatizar também que todas estas mudanças e inovações são possíveis
apenas graças ao princípio e direito constitucional da livre iniciativa, o
qual, em suma, em seu sentido mais preciso e originário tem o poder de conceder
a todos os cidadãos a faculdade de livremente dispor e utilizar dos recursos
que possuem á disposição segundo objetivos próprios e conforme uma demanda
específica. E tal direito associa-se fortemente ao princípio constitucional da
liberdade cívica, o qual, dentro dos conformes exigidos por lei, concebe,
dentre outras coisas, como legítima a troca livre, entendida como o ajuste livre
de vontades distintas e autônomas, entre produtores e compradores.
A asserção de que a complexidade da “questão
Uber” decorre da ameaça que apresenta a empregos formais estabelecidos não
carece de sentido, nem é estranha ao contexto no qual se insere. Porém, da
mesma forma como num primeiro momento a inovação pode conduzir quase
necessariamente à extinção de um ofício, é pertinente recordar que novas
funções e empregos são impulsionados como meio de sustentar a continuidade da
mudança. No que diz respeito, por exemplo, ao aplicativo, vale enfatizar o novo
meio de sustento com que muitos cidadãos encontraram ao optarem fornecer sua
mão de obra e outros recursos próprios ao novo ofício de “motorista Uber”.
Diante da crise atual, onde as taxas de desemprego tendem a agravar-se,
inovações como esta apresentam alternativas viáveis à ausência de trabalho.
Por outro lado, a
mesma asserção nos traz à memória os protestos e a violenta rejeição com que
cooperativas de táxi apresentam ao uso do aplicativo. É notório que tal reprovação
advenha do fato inconteste de que o novo serviço é mais vantajoso ao consumidor
final do que os atuais padrões apresentados por cartéis e oligopólios de
diversos serviços de táxi nas principais metrópoles do país e lhes represente
verdadeira ameaça à sua subsistência, embora se deva conceder que o argumento
de uma das partes em litígio com relação à ilegalidade do serviço Uber não é de
todo desprovido de fundamento.
O mais importante em
toda este contexto é entender com sabedoria e argúcia o que se passa: as atuais
legislações brasileiras sobre o transporte não estão preparadas para a inovação
que representa o aplicativo, da mesma forma como inúmeras inovações no passado
representavam grandes dificuldades de adaptação para as regras normativas
estabelecidas pela sociedade. Novos processos tecnológicos e mudanças tendem a
ser extremamente benéficas se acompanhadas com proximidade por usuários,
produtores e órgãos públicos. Condenar e restringir o uso destas , seja a
partir do recurso à ilegalidade, seja com o lançar mão da coerção física sobre
a concorrência, é impedir de forma autoritária que um aumento gradativo de
qualidade de vida se apodere do dia a dia de cada cidadão. Muito mais sensato
é, valendo-se do princípio unívoco e soberano da livre iniciativa, estabelecer uma
regulamentação que torne mais segura e confiável a produção de uma oferta e a
proteção do consumidor defronte a possíveis equívocos por parte do produtor. Portanto,
em troca de condenar peremptoriamente o aplicativo e quaisquer outras mudanças
tecnológicas positivas, é necessário estabelecer, localmente e sem o recurso à
União, as estruturas que possibilitem aos cidadãos comuns o uso mais racional e
benéfico possível destas melhorias, sem descurar, de igual modo, do papel que estas
podem desempenhar no combate à corrupção, ocasionada, no mais das vezes, pelo
incentivo governamental à criação e manutenção de grandes monopólios e
oligopólios.
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