Na noite de 14/09 foi ao ar pela emissora TV
Câmara mais uma sessão de debates a respeito das realidades sócio-econômicas do
país. Nesta ocasião, o grande tema abordado entre os participantes consistiu
nas crises política e econômica que atualmente assolam nossa sociedade, com
especial ênfase sobre as novas propostas de cortes orçamentários e novos
projetos de tributação.
A despeito das possíveis diferenças
ideológicas das personalidades que se fizeram presentes, entre elas um deputado
do PT e outro do PSDB, um economista e uma representante do grupo INESC,
Instituto de Estudos Socioeconômicos, Grazielle David, pôde-se observar que um
ponto de vista específico a respeito das “funções sociais” da riqueza foi
praticamente partilhado e defendido em comum por todos os argüidores
mencionados.
Sob forte influência de Grazielle David – que,
de forma indubitável, soube expressar-se de forma clara e concisa -, todos os
contendores aceitaram como ponto pacífico a existência de uma grave crise
político-econômica originada em razão de desajustes fiscais praticados pelo
atual governo, na qual se sobressai com vigor a estrutura injusta de tributação
sobre a qual se arregimenta todo nosso edifício sócio-econômico. Segundo a
própria explanação da representante do grupo INESC, através, principalmente, de
impostos indiretos praticamente 55% da arrecadação total via tributação
origina-se nas parcelas mais pobres da população e na ampla classe média
brasileira, de forma que, portanto, boa parte desta carga onerosa de tributos,
além de recair com peso sobre a última, parece privilegiar as camadas mais
ricas de nossos estratos sociais e constituir uma das principais causas, senão
da crise, pelo menos do seu agravamento observado nos últimos meses.
Ainda conforme posição do mesmo arguidor, esta
sufocante taxação sobre o consumo e sobre os grupos economicamente menos
privilegiados é em grande parte responsável pelo acirramento das desigualdades
entre afortunados e despossuídos e pelo aumento da pobreza geral, sendo, de
igual modo, um dos principais desencadeadores das grandes crises econômicas já
registradas ao longo do séculos XX e XXI. Denominada de “tributação
regressiva”, o atual modelo representa, doravante, o oposto não somente do que
nosso bom senso reputa como justo, mas como o ponto nevrálgico, o âmago de
todas as instabilidades que conduzem a nau brasileira a seu infausto soçobro.
A questão primordial a respeito da crise e das
alternativas existentes e críveis à sua saída resume-se, deste modo, na
reformulação da organização tributária, ou, como queiram os debatedores, na
reforma da arquitetura de todo o sistema político-econômico. Em consonância a
um projeto de taxação progressiva, alíquotas maiores e novos impostos devem
necessariamente incidir sobre lucros e grandes fortunas; a injustiça
correspondente à extrema desigualdade de renda que compõe o cenário global e
nacional deve encontrar seu contraponto numa distribuição forçada e mais
igualitária dos resultados obtidos através das atividades econômicas. Com o uso
desta estratégia, o acesso a bens e serviços se tornará mais amplo e justo e o
grande abismo existente entre ricos e pobres no que tange ao poder econômico se
reduzirá de forma drástica. E mesmo quando questionada a respeito de medidas de
solução imediatas à crise atual, Grazielle enfatizou a reforma tributária
afeiçoada aos moldes proferidos como a melhor alternativa, dentre as poucas
possíveis, para resolução dos impasses em curso.
A despeito das emoções piedosas e virtuosas que
tal argumentação pode suscitar no leitor ou no ouvinte, não é, de forma alguma,
escusado afirmar que, ao se aplicar univocamente a razão nos campos político e
econômico – tal é uma das propostas mais fundamentais da filosofia liberal – o
quadro apresentado tem suas verdadeiras feições reveladas, e isto a tal ponto
que indivíduo algum poderá sequer emprestar-lhe mínimo consentimento.
Com efeito, a tese defendida acima, a taxação
progressiva de renda e capital, é, ipso facto, resultante, ainda que
indiretamente, da teoria econômica de Karl Marx, tal como esta se encontra
exposta em O Capital. Como já brevemente discorremos em “Por que não
devemos tributar heranças, lucros e grandes fortunas? - Segunda Parte”, os
detentores dos meios de produção e capital - sejam estes, empresários,
proprietários de indústrias, acionistas ou indivíduos portadores de grandes
fortunas – apropriam-se de parte do salário de seus operários e trabalhadores
assalariados e incorrem, mediante o lucro, no enriquecimento e na expansão de seu
capital, ao passo que aos últimos é reservado apenas a quantia necessária à
satisfação de suas mais básicas necessidades. Com o frigir dos ovos,
acompanhando os desenvolvimentos tecnológicos, observa-se, por um lado, a
concentração quase absoluta da indústria e dos meios de produção em
pouquíssimas mãos avaras, e o empobrecimento progressivo e irreversível das
massas proletárias. Ao fim e ao cabo, através de todos estes processos, não
restará senão como desfecho a uma sociedade plenamente capitalista uma crise de
produção de proporções portentosas e nunca antes observadas.
Na esteira deste raciocínio, que nos conduz a
afirmar quase inexoravelmente que enquanto ricos se enriquecem cada vez mais, a
pobreza recrudesce de forma tirânica no seio das grandes massas, a distribuição
de renda e a tributação são vistas como recurso necessário para dirimir as
injustas distribuições promovidas pela economia de mercado, e contribuir para a
continuidade de um corpo político-econômico estável ao longo do tempo.
Sem possuir por intuito neste ensaio esmiuçar
os argumentos e inferências que dão forma à posição marxista e às críticas a
ela antepostas e bem construídas, tarefa já executada no ensaio aqui já
mencionado, limitamo-nos aqui a apresentar dois pontos fundamentais que têm por
função guiar esta reflexão às suas conclusões finais.
Primeiramente, munindo-se das teorias da
determinação subjetiva dos valores econômicos e de sua conseqüente utilidade
marginal decrescente; e do princípio de preferência temporal, o qual, somado ao
principio anterior, contribui para a refutação completa da teoria da exploração
de Marx, não há qualquer fundamento racional que torne viável afirmar ser a
causa da pobreza a riqueza existente e concentrada em alguns poucos individuos.
O valor econômico de determinado produto, bem como o valor de determinado
salário relativo a uma determinada ocupação, resultam de sua utilidade em
satisfazer um respectivo desejo e não dependem das condições objetivas que
concorreram ao produto final ofertado. No que consiste à remuneração, em
virtude do caráter de consumo imediato que incentiva os cidadãos à aquisição de
bens e serviços já disponíveis, um determinado produto que se encontra ainda em
processo de confecção apresenta um valor econômico subjetivamente inferior aos
itens já produzidos. Por conseguinte, consiste em grave equívoco equalizar o
valor do salário ao valor de um bem enquanto já finalizado e inserido em um
sistema de compras e vendas.
Em segundo lugar, a posição defendida por
Grazielle David equivoca-se profundamente ao descurar do papel que exerce, numa
sociedade capitalista, a acumulação de capital. Ao contrário da concepção
negativa que se têm sobre sua função no sistema econômico e político no qual
estamos inseridos, o capital e a riqueza oferecem verdadeira condição de
possibilidade para a elevação do padrão de vida de cada cidadão e constituem
recurso indispensável e sumamente importante para o combate à pobreza. Apenas a
acumulação de capital, incentivada e estimulada em um sistema de propriedade
privada dos meios de produção e da livre concorrência, foi e ainda é capaz de
promover as maiores inovações tecnológicas, responsáveis pela massificação de
determinado bem antes reservado ao uso de bem poucos e distintos indivíduos,
que muito contribuem para a elevação da qualidade de vida de todos os cidadãos.
De forma similar, o lucro e a riqueza constituem o meio pelo qual determinadas
atividades expandem-se, inovam-se e geram empregos e arrecadação à maquinaria
pública e ainda podem servir ao fomento de novas atividades e financiamentos
públicos ou privados. Vale ressaltar, também, que o lucro e a conseqüente acumulação
de capital dela proveniente em muitos casos, originam-se principalmente da
eficiência com que um produtor concorre para ofertar aos indivíduos um bem ou
serviço que seja capaz de lhes oferecer vantagens e conforto mais significativos
do que os demais concorrentes. É a livre escolha de um comprador – seja este
negro ou branco, pobre, rico ou membro da classe média, homem ou mulher - entre
as diversas opções ofertadas numa economia de mercado que determina, em suma,
qual ou quais dos produtores possuirá mais riqueza que os demais e condições de
subsistir e ampliar suas esferas de atuação.
Tudo isto bem assente, torna-se clara a má
interpretação de Grazielle David, tanto empregada como forma de apresentar
soluções factíveis para o enfrentamento da crise, quanto depreendida enquanto
viés de explicação sobre as origens das crises econômicas que acometeram e
ainda acometem nossas vidas. As instabilidades atuais decorrem, em grandíssima
parte, do rígido controle governamental estabelecido sobre as atividades
econômicas de nosso país, da ineficiência de diversos setores públicos, da
corrupção incentivada e possibilitada pela alta concentração de poder nos
aparatos coercitivos do Estado e dos pungentes déficits orçamentários em razão
do inchado funcionalismo público e das onerosas promessas de campanhas. É
fortemente concebível, com efeito, dizer que as camadas mais pobres da
população e a extensa classe média consistem nas parcelas mais tributadas,
cenário no qual o consumo de determinados bens e serviços por parte dos
primeiros é muitas vezes altamente restringido ou mesmo extinguido. Todavia, a
tributação progressiva sobre a renda e a taxação sobre lucros, heranças e
fortunas tendem a agravar a atual situação financeira, visto que os custos
ocasionados pelo aumento de impostos são repassados aos preços finais de muitos
produtos e corroboram para uma vertiginosa queda no número de postos de
trabalho e nos níveis de consumo e, conseguintemente, no encolhimento de
determinados setores da economia. A solução mais viável, destarte, à atual
tribulação sócio-econômica em face da qual nos deparamos corresponde antes à
redução drástica da atual carga tributária, à privatização de diversas empresas
estatais ineficientes, à flexibilização para a criação de empresas, ao incentivo
à livre iniciativa e, principalmente, à independência da propriedade defronte a
um uso “social” indefinido e, sem dúvida, tirânico. Num país com escassez de
tradições liberais e conservadoras – enquanto compreendidas dentro da corrente
de pensamento no qual se inserem autores como Burke e Tocqueville – enquanto não
nos despojarmos de ilusões de benfeitoria ou sonhos irracionais de justiça
social e dos custos em que acarretam, as crises econômicas e políticas hão de
permear com freqüência nosso corpo civil.
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