"Quando vejo o princípio de liberdade em ação, vejo agir um princípio vigoroso, e isto, de início, é tudo que sei. É o mesmo caso de um líquido; os gases que ele contém se liberam bruscamente: para se fazer um julgamento, é necessário que o primeiro movimento se acalme, que o liquido se torne mais claro, e que nossa observação possa ir um pouco além da superfície".
Edmund Burke.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

As falácias da esquerda face à crise atual


Na noite de 14/09 foi ao ar pela emissora TV Câmara mais uma sessão de debates a respeito das realidades sócio-econômicas do país. Nesta ocasião, o grande tema abordado entre os participantes consistiu nas crises política e econômica que atualmente assolam nossa sociedade, com especial ênfase sobre as novas propostas de cortes orçamentários e novos projetos de tributação.

 A despeito das possíveis diferenças ideológicas das personalidades que se fizeram presentes, entre elas um deputado do PT e outro do PSDB, um economista e uma representante do grupo INESC, Instituto de Estudos Socioeconômicos, Grazielle David, pôde-se observar que um ponto de vista específico a respeito das “funções sociais” da riqueza foi praticamente partilhado e defendido em comum por todos os argüidores mencionados.

 Sob forte influência de Grazielle David – que, de forma indubitável, soube expressar-se de forma clara e concisa -, todos os contendores aceitaram como ponto pacífico a existência de uma grave crise político-econômica originada em razão de desajustes fiscais praticados pelo atual governo, na qual se sobressai com vigor a estrutura injusta de tributação sobre a qual se arregimenta todo nosso edifício sócio-econômico. Segundo a própria explanação da representante do grupo INESC, através, principalmente, de impostos indiretos praticamente 55% da arrecadação total via tributação origina-se nas parcelas mais pobres da população e na ampla classe média brasileira, de forma que, portanto, boa parte desta carga onerosa de tributos, além de recair com peso sobre a última, parece privilegiar as camadas mais ricas de nossos estratos sociais e constituir uma das principais causas, senão da crise, pelo menos do seu agravamento observado nos últimos meses.

 Ainda conforme posição do mesmo arguidor, esta sufocante taxação sobre o consumo e sobre os grupos economicamente menos privilegiados é em grande parte responsável pelo acirramento das desigualdades entre afortunados e despossuídos e pelo aumento da pobreza geral, sendo, de igual modo, um dos principais desencadeadores das grandes crises econômicas já registradas ao longo do séculos XX e XXI. Denominada de “tributação regressiva”, o atual modelo representa, doravante, o oposto não somente do que nosso bom senso reputa como justo, mas como o ponto nevrálgico, o âmago de todas as instabilidades que conduzem a nau brasileira a seu infausto soçobro.

 A questão primordial a respeito da crise e das alternativas existentes e críveis à sua saída resume-se, deste modo, na reformulação da organização tributária, ou, como queiram os debatedores, na reforma da arquitetura de todo o sistema político-econômico. Em consonância a um projeto de taxação progressiva, alíquotas maiores e novos impostos devem necessariamente incidir sobre lucros e grandes fortunas; a injustiça correspondente à extrema desigualdade de renda que compõe o cenário global e nacional deve encontrar seu contraponto numa distribuição forçada e mais igualitária dos resultados obtidos através das atividades econômicas. Com o uso desta estratégia, o acesso a bens e serviços se tornará mais amplo e justo e o grande abismo existente entre ricos e pobres no que tange ao poder econômico se reduzirá de forma drástica. E mesmo quando questionada a respeito de medidas de solução imediatas à crise atual, Grazielle enfatizou a reforma tributária afeiçoada aos moldes proferidos como a melhor alternativa, dentre as poucas possíveis, para resolução dos impasses em curso.

 A despeito das emoções piedosas e virtuosas que tal argumentação pode suscitar no leitor ou no ouvinte, não é, de forma alguma, escusado afirmar que, ao se aplicar univocamente a razão nos campos político e econômico – tal é uma das propostas mais fundamentais da filosofia liberal – o quadro apresentado tem suas verdadeiras feições reveladas, e isto a tal ponto que indivíduo algum poderá sequer emprestar-lhe mínimo consentimento. 

 Com efeito, a tese defendida acima, a taxação progressiva de renda e capital, é, ipso facto, resultante, ainda que indiretamente, da teoria econômica de Karl Marx, tal como esta se encontra exposta em O Capital. Como já brevemente discorremos em “Por que não devemos tributar heranças, lucros e grandes fortunas? - Segunda Parte”, os detentores dos meios de produção e capital - sejam estes, empresários, proprietários de indústrias, acionistas ou indivíduos portadores de grandes fortunas – apropriam-se de parte do salário de seus operários e trabalhadores assalariados e incorrem, mediante o lucro, no enriquecimento e na expansão de seu capital, ao passo que aos últimos é reservado apenas a quantia necessária à satisfação de suas mais básicas necessidades. Com o frigir dos ovos, acompanhando os desenvolvimentos tecnológicos, observa-se, por um lado, a concentração quase absoluta da indústria e dos meios de produção em pouquíssimas mãos avaras, e o empobrecimento progressivo e irreversível das massas proletárias. Ao fim e ao cabo, através de todos estes processos, não restará senão como desfecho a uma sociedade plenamente capitalista uma crise de produção de proporções portentosas e nunca antes observadas.

 Na esteira deste raciocínio, que nos conduz a afirmar quase inexoravelmente que enquanto ricos se enriquecem cada vez mais, a pobreza recrudesce de forma tirânica no seio das grandes massas, a distribuição de renda e a tributação são vistas como recurso necessário para dirimir as injustas distribuições promovidas pela economia de mercado, e contribuir para a continuidade de um corpo político-econômico estável ao longo do tempo.

 Sem possuir por intuito neste ensaio esmiuçar os argumentos e inferências que dão forma à posição marxista e às críticas a ela antepostas e bem construídas, tarefa já executada no ensaio aqui já mencionado, limitamo-nos aqui a apresentar dois pontos fundamentais que têm por função guiar esta reflexão às suas conclusões finais.

 Primeiramente, munindo-se das teorias da determinação subjetiva dos valores econômicos e de sua conseqüente utilidade marginal decrescente; e do princípio de preferência temporal, o qual, somado ao principio anterior, contribui para a refutação completa da teoria da exploração de Marx, não há qualquer fundamento racional que torne viável afirmar ser a causa da pobreza a riqueza existente e concentrada em alguns poucos individuos. O valor econômico de determinado produto, bem como o valor de determinado salário relativo a uma determinada ocupação, resultam de sua utilidade em satisfazer um respectivo desejo e não dependem das condições objetivas que concorreram ao produto final ofertado. No que consiste à remuneração, em virtude do caráter de consumo imediato que incentiva os cidadãos à aquisição de bens e serviços já disponíveis, um determinado produto que se encontra ainda em processo de confecção apresenta um valor econômico subjetivamente inferior aos itens já produzidos. Por conseguinte, consiste em grave equívoco equalizar o valor do salário ao valor de um bem enquanto já finalizado e inserido em um sistema de compras e vendas.

 Em segundo lugar, a posição defendida por Grazielle David equivoca-se profundamente ao descurar do papel que exerce, numa sociedade capitalista, a acumulação de capital. Ao contrário da concepção negativa que se têm sobre sua função no sistema econômico e político no qual estamos inseridos, o capital e a riqueza oferecem verdadeira condição de possibilidade para a elevação do padrão de vida de cada cidadão e constituem recurso indispensável e sumamente importante para o combate à pobreza. Apenas a acumulação de capital, incentivada e estimulada em um sistema de propriedade privada dos meios de produção e da livre concorrência, foi e ainda é capaz de promover as maiores inovações tecnológicas, responsáveis pela massificação de determinado bem antes reservado ao uso de bem poucos e distintos indivíduos, que muito contribuem para a elevação da qualidade de vida de todos os cidadãos. De forma similar, o lucro e a riqueza constituem o meio pelo qual determinadas atividades expandem-se, inovam-se e geram empregos e arrecadação à maquinaria pública e ainda podem servir ao fomento de novas atividades e financiamentos públicos ou privados. Vale ressaltar, também, que o lucro e a conseqüente acumulação de capital dela proveniente em muitos casos, originam-se principalmente da eficiência com que um produtor concorre para ofertar aos indivíduos um bem ou serviço que seja capaz de lhes oferecer vantagens e conforto mais significativos do que os demais concorrentes. É a livre escolha de um comprador – seja este negro ou branco, pobre, rico ou membro da classe média, homem ou mulher - entre as diversas opções ofertadas numa economia de mercado que determina, em suma, qual ou quais dos produtores possuirá mais riqueza que os demais e condições de subsistir e ampliar suas esferas de atuação.

 Tudo isto bem assente, torna-se clara a má interpretação de Grazielle David, tanto empregada como forma de apresentar soluções factíveis para o enfrentamento da crise, quanto depreendida enquanto viés de explicação sobre as origens das crises econômicas que acometeram e ainda acometem nossas vidas. As instabilidades atuais decorrem, em grandíssima parte, do rígido controle governamental estabelecido sobre as atividades econômicas de nosso país, da ineficiência de diversos setores públicos, da corrupção incentivada e possibilitada pela alta concentração de poder nos aparatos coercitivos do Estado e dos pungentes déficits orçamentários em razão do inchado funcionalismo público e das onerosas promessas de campanhas. É fortemente concebível, com efeito, dizer que as camadas mais pobres da população e a extensa classe média consistem nas parcelas mais tributadas, cenário no qual o consumo de determinados bens e serviços por parte dos primeiros é muitas vezes altamente restringido ou mesmo extinguido. Todavia, a tributação progressiva sobre a renda e a taxação sobre lucros, heranças e fortunas tendem a agravar a atual situação financeira, visto que os custos ocasionados pelo aumento de impostos são repassados aos preços finais de muitos produtos e corroboram para uma vertiginosa queda no número de postos de trabalho e nos níveis de consumo e, conseguintemente, no encolhimento de determinados setores da economia. A solução mais viável, destarte, à atual tribulação sócio-econômica em face da qual nos deparamos corresponde antes à redução drástica da atual carga tributária, à privatização de diversas empresas estatais ineficientes, à flexibilização para a criação de empresas, ao incentivo à livre iniciativa e, principalmente, à independência da propriedade defronte a um uso “social” indefinido e, sem dúvida, tirânico. Num país com escassez de tradições liberais e conservadoras – enquanto compreendidas dentro da corrente de pensamento no qual se inserem autores como Burke e Tocqueville – enquanto não nos despojarmos de ilusões de benfeitoria ou sonhos irracionais de justiça social e dos custos em que acarretam, as crises econômicas e políticas hão de permear com freqüência nosso corpo civil.

Nenhum comentário:

Postar um comentário