"Quando vejo o princípio de liberdade em ação, vejo agir um princípio vigoroso, e isto, de início, é tudo que sei. É o mesmo caso de um líquido; os gases que ele contém se liberam bruscamente: para se fazer um julgamento, é necessário que o primeiro movimento se acalme, que o liquido se torne mais claro, e que nossa observação possa ir um pouco além da superfície".
Edmund Burke.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

O esfacelamento das condições de governabilidade e crescimento


 O rebaixamento da nota brasileira de crédito soberano pela instituição Standard & Poor’s, anunciada no último dia 09/09, da categoria BBB- para BB+ com fortes indicadores negativos apresenta-se em nosso atual cenário de crise econômica e política como um resultado já aguardado e previamente estipulado por alguns analistas.

  Com efeito, conforme também em exposição nossa divulgada em ensaios precedentes tais como “Impeachment? Reação Conservadora”, “Necessidadeda Reforma Público-Administrativa” e “O que as manifestações a favor de Dilmatêm a dizer”, é deveras razoável situar as causas desta “falência do Estado brasileiro” no curso dos acontecimentos retroativos ao início do atual modelo de distribuição de renda e de fomento de amplos programas sociais.

 De forma ainda mais precisa, porém, este rebaixamento encontra seu princípio de razão suficiente no esfacelamento das condições de governo e liderança política que acometeram o poder executivo nos últimos meses. A dificuldade extrema em estabelecer uma agenda orçamentária que pudesse apontar os rumos da recuperação econômica e a incapacidade de levar à cabo o ajuste fiscal necessário ao equilíbrio das contas públicas constituíram fatores determinantes para a retirada de nosso grau de investimento. Na esfera das negociações políticas e do estreitamento de alianças, o péssimo desempenho da chefe de governo em exercício, Dilma Roussef, em desenvolver diálogos conciliatórios com a base aliada e a perda ou desgaste profundo da legitimidade de sua liderança política incorreram em braço amigo para o isolamento do poder executivo em face dos outros Poderes e de outros partidos. Parece, deste modo, que nos toma de assalto a sensação de que nossa atual República encontra-se ingovernável e que nenhuma outra medida política originada e promulgada pelo Executivo terá respaldo e força suficientes para alterar o curso lastimoso em que as instituições que compõem nossa política econômica se encontram.

 A hesitação em promover a contenção de gastos e um corte mais extenso das despesas que tanto oneram os pagadores de impostos e impedem o crescimento econômico, fato este que se tornou evidente no projeto orçamentário aventado para 2016, como conseqüência necessária trouxe consigo a nefasta defesa da necessidade de recrudescimento da carga tributária como forma de equilibrar o ajuste orçamentário e acalentar, esperançosamente, o crescimento ainda que mínimo do PIB brasileiro. E ainda que tal proposta pudesse satisfazer determinado público alinhado a doutrinas favoráveis à concentração de poder na maquinaria do Estado, fica assente a reprovação geral diante de mais uma medida descabida intencionada à retomada da estabilidade geral. A recente afirmação do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, em perfeita dissonância das proposições que defendemos em “Ineficiência e Restrição”, apenas realça a gigantesca ineficiência dos serviços e da organização do setor público. Corrobora, além disso, o contrário do que advém da tributação, uma vez que impostos raramente se convertem em investimentos ou tem seus impactos concentrados unicamente no grupo populacional alvo da nova tributação. Mais impostos encarecem bens e serviços, reduzem consumo, ganhos e crescimento e acarretam, por fim, em mais desemprego, déficits e pobreza.

 Concomitantemente, assegurar através de comparações ilegítimas ou demasiado ilusórias, como se faz possível ler em alguns blogues e outros canais de comunicação, o caráter de sensatez que possa haver em promover novas tributações diretas não somente representa um profundo desprezo pela quantidade de arrecadação obtida via impostos indiretos, como também nos concede a liberdade de supor estar-lhe imbuída uma finalidade de legitimar mais uma medida autoritária cogitada pelo atual governo. E, embora a revisão, por exemplo, dos programas de aposentadoria e dos custos necessariamente a eles associados se faça necessária num cenário de reforma público-administrativa, todo um conjunto de ações de sentido semelhante deve lhe acompanhar caso se anseie um resultado efetivo na busca por mais estabilidade.

  E, se já não fosse péssimo o atual estado de coisas e sua constatação, outro grave entrave – este sem dúvida derradeiro – à continuação do Partido dos Trabalhadores começa a se agigantar no horizonte político. As possibilidades de abertura de um processo de impeachment contra a atual presidente Dilma Roussef cresceram sensivelmente em razão dos últimos acontecimentos. Petições veiculadas em redes sociais com o intuito de angariar assinaturas em prol da abertura de um processo de impeachment, bem como o anseio reforçado da oposição em promover semelhante medida colocam em destaque a sofreguidão penosa com a qual o governo petista tenta manter-se erguido.  Aqui, as antigas palavras proferidas pelo ex-presidente FHC a respeito da perda de legitimidade do governo Dilma parecem ecoar com vigor e demonstram a exatidão da análise proferida. Como dissemos em “MiopiaIdeológica”, mais do que um deboche ou provocação oportunista, a declaração de FHC constituía antes um aviso acerca do que fatalmente poderia suceder caso soluções viáveis não fossem apresentadas e uma liderança política não arrogasse a si a responsabilidade por conduzir o corpo civil. É significativo que dias atrás Dilma Roussef tenha reconhecido os erros de sua gestão e de outras precedentes, principalmente no que diz respeito ao excesso de gastos e na recusa em compreender que uma crise se configurava no seio mesmo deste planejamento, muito embora os desentendimentos entre ministros do executivo e a irresolução quanto às medidas necessárias para um ajuste fiscal eficiente tenham anulado os efeitos que tal reconhecimento possa ter produzido aos cidadãos.


 Disto tudo, salientamos o fato de que o Partido dos Trabalhadores não demonstrou ser capaz de lidar com sucesso com a crise atual. As instabilidades de semanas atrás apenas fizeram-se agravar, e as próprias instituições que dão corpo e forma à nossa democracia encontram-se mais ameaçadas. É gigantesca a dimensão cada vez maior com que liberdades econômicas e, por conseguinte, políticas dos cidadãos são restringidas em nome de um projeto de recuperação que não apresenta as mínimas condições de êxito estável e sólido no futuro. As percepções de ingovernabilidade e ilegitimidade do atual governo estão ainda maiores e tornam, evidentemente, ainda mais incertos os acontecimentos que estão por vir. Urge, desesperadamente, que reformas “radicais” sejam promovidas e que a prudência não se distancie dos espaços de decisão do corpo político. O Impeachment consiste ainda a nós no último refúgio da República, mas é agonizante como a proximidade deste contexto com o recurso à deposição tem se tornado mais estreita.    

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