"Quando vejo o princípio de liberdade em ação, vejo agir um princípio vigoroso, e isto, de início, é tudo que sei. É o mesmo caso de um líquido; os gases que ele contém se liberam bruscamente: para se fazer um julgamento, é necessário que o primeiro movimento se acalme, que o liquido se torne mais claro, e que nossa observação possa ir um pouco além da superfície".
Edmund Burke.

sábado, 17 de dezembro de 2016

“A Minha Vontade ou a Barbárie” – Os Criminosos contra as Instituições


No último dia 13, após aprovação em segundo turno da PEC 241/55, que propõe o teto para as despesas não financeiras da União, uma manifestação organizada pelos grupos Frente Povo sem Medo e Frente Brasil Popular ensejou mais um episódio significativo que demonstra como nossa esquerda (ou pelo menos uma parte dela) nutre respeito pelas instituições do país.

 Como podemos observar neste vídeo[1], o alvo dos ataques criminosos foi a própria FIESP, considerada a Bastilha[2], o baluarte do “Antigo Regime” que encontrou oportunidade de consolidação de seu poder na bancada dos golpistas no Congresso e na Presidência da República.

 O motivo alegado para o protesto foi justamente demonstrar o repúdio pela “perda de direitos” sociais, representada pela mencionada emenda, e a possibilidade de flexibilização de direitos trabalhistas e previdenciários num futuro próximo. Claro está que afirmação da perda de direitos não passa de um sofisma; uma afirmação abstrata que não leva em consideração que a saúde e a educação foram áreas preservadas pelo congelamento dos gastos, e que todos os demais direitos coletivos (tais como estes) não são de graça e não podem ser mantidos a menos que duras reformas, impopulares, sejam levadas a cabo.

 Afirmam também tais grupos, planejando e endossando a prática de crimes e total falta de aptidão para a vida em sociedade, que agem somente desta forma em razão da ilegitimidade do governo Temer, que por definição não tem no diálogo sua maneira de agir. Outra inversão de valores. Desde a sinalização de que o processo de Impeachment poderia tornar-se realidade, até sua conclusão definitiva neste ano, a posição fortemente defendida pela hoje oposição foi claramente a do não diálogo, da rigidez frontal, da acusação insidiosa, da demonização dos adversários, da frugalidade e inutilidade de dialogar com abastados mancomunados com o capital estrangeiro e com o “neoliberalismo opressor”. E a iniciativa espalhou-se para os movimentos sindicais e companhia aparelhada – também chamada de movimentos populares -, cuja instrução nada mais foi senão o de combater pela força os “inimigos do povo”, atribuindo os piores adjetivos àqueles que ousassem pensar diferente. Sua finalidade não pôde ser outra a não ser espalhar o ódio, levantar as massas, espraiar a intranquilidade e o desprezo total pelo estado de coisas que possuímos.

 No começo do ensaio mencionei que esta esquerda nutre um tipo de respeito pelas instituições brasileiras. Reitero: trata-se de um respeito muito singular, cuja medida de valor consiste na conveniência. Quando a ex-presidente presidia o poder após ser eleita através das eleições mais sujas da história do país, com suspeitas de financiamento ilícito de sua chapa durante as campanhas eleitorais de sua chapa, esboroando a legitimidade de seu mandato e deixando claro que também seu segundo mandato era fraudulento, alguns desses grupos reservavam-se ao silêncio. Por pura conveniência, boa parte dos que hoje gritam “fora Temer” por considerar seu governo ilegítimo, não gritaram, pelas mesmas razões, “fora Dilma” no dia seguinte após o vazamento destas informações. Estranho, não é?

 Da mesma forma, pouco ou quase nada chiaram quando em 2003 o então presidente Lula propôs algo extremamente semelhante ao o que viria ser a PEC 55, á época criticada pela oposição tucana e posteriormente arquivada por falta de apoio no Congresso. Ou levantaram a questão da consulta com a sociedade quando a reforma do Ensino Médio foi proposta pela então chefe do executivo, Dilma Roussef. Menos ainda ousaram reclamar quando a FIESP concedeu seu apoio à mesma durante suas eleições[3], ou quando a apoiou quando esta decidiu, juntamente com Levy, manter baixas a taxa Selic do Banco Central.

 Para justificar os atos violentos perpetrados neste dia, e em muitos outros, os paladinos da democracia popular se arvoram no famoso discurso da exclusão, que redime e diz que o crime, o vandalismo, a falta de cidadania são próprios daqueles que não tem voz na política, não participam do poder ou do espaço público, não tem meios de serem ouvidos. Se esquecem, apenas, de explicar de onde origina a legitimidade de utilizar a mera força, sabendo que ninguém pode dar mais poder do que possui. Se dizem representar os desvalidos e miseráveis, esquecidos pela República. Por qual decreto? Qual assembleia? Qual referendo? Podemos inclusive duvidar que esta massa de desvalidos aprove suas ações. Colocam em risco a integridade de outras pessoas e violam direitos intrínsecos, salvaguardados por nossa Constituição Federal, tais como a inviolabilidade da propriedade e a segurança, utilizando como razão legitimadora a violação da integridade dos manifestantes por parte da Polícia Militar!

 Na matéria do Diário do Centro do Mundo[4], lemos que a depredação a FIESP tratou-se também de um acerto de contas, tímido, por aquilo que ela desviou e que pertencia ao povo brasileiro. Os manifestantes são juízes de que Vara? Representam o Ministério Público? Agem em nome da lei? Que senso de justiça iluminado, realmente formidável. Fazem justiça com as próprias mãos, segundo o próprio juízo, agindo pela acepção do direito do mais forte. Dizem que a violência é justa quando o governo é ilegítimo. Princípio sem dúvida justo, mas que levanta o questionamento, a saber, era a FIESP uma autoridade pública? O presidente Temer estava em suas dependências? Sua equipe, o Congresso Federal, todo o centro de controle e decisões residia naquele prédio?

 Em suma, o que assistimos no dia 13 não foi um ato democrático em defesa da liberdade ou da própria democracia. Foi um exemplo de falta de cultura cívica, de uma completa ausência dos valores da cidadania e da vida em comunidade política. Esta esquerda mais uma vez demonstrou que não sabe lidar com a derrota política quando esta ocorre. Demonstrou mais um típico caso de choramingo, fruto da incompreensão e da recusa em lidar com uma realidade que se concretizou diferente daquela almejada.      




[1] https://www.youtube.com/watch?v=oQQvdrsvQfY
[2] http://www.esquerdadiario.com.br/Milhares-de-pessoas-em-ato-contra-PEC-55-expressam-seu-odio-a-Fiesp
[3] https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/03/17/Das-desonera%C3%A7%C3%B5es-ao-%E2%80%98ren%C3%BAncia-j%C3%A1%E2%80%99-como-a-Fiesp-rompeu-com-Dilma
[4] http://www.diariodocentrodomundo.com.br/o-que-aconteceu-na-fiesp-durante-protesto-contra-a-pec-do-teto-foi-legitima-defesa-por-kiko-nogueira/

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