No último dia 13, após
aprovação em segundo turno da PEC 241/55, que propõe o teto para as despesas
não financeiras da União, uma manifestação organizada pelos grupos Frente Povo
sem Medo e Frente Brasil Popular ensejou mais um episódio significativo que
demonstra como nossa esquerda (ou pelo menos uma parte dela) nutre respeito
pelas instituições do país.
Como podemos observar neste vídeo[1], o alvo dos ataques
criminosos foi a própria FIESP, considerada a Bastilha[2], o baluarte do “Antigo
Regime” que encontrou oportunidade de consolidação de seu poder na bancada dos
golpistas no Congresso e na Presidência da República.
O motivo alegado para o protesto foi
justamente demonstrar o repúdio pela “perda de direitos” sociais, representada
pela mencionada emenda, e a possibilidade de flexibilização de direitos
trabalhistas e previdenciários num futuro próximo. Claro está que afirmação da
perda de direitos não passa de um sofisma; uma afirmação abstrata que não leva
em consideração que a saúde e a educação foram áreas preservadas pelo
congelamento dos gastos, e que todos os demais direitos coletivos (tais como
estes) não são de graça e não podem ser mantidos a menos que duras reformas,
impopulares, sejam levadas a cabo.
Afirmam também tais grupos, planejando e
endossando a prática de crimes e total falta de aptidão para a vida em
sociedade, que agem somente desta forma em razão da ilegitimidade do governo
Temer, que por definição não tem no diálogo sua maneira de agir. Outra inversão
de valores. Desde a sinalização de que o processo de Impeachment poderia
tornar-se realidade, até sua conclusão definitiva neste ano, a posição
fortemente defendida pela hoje oposição foi claramente a do não diálogo, da
rigidez frontal, da acusação insidiosa, da demonização dos adversários, da
frugalidade e inutilidade de dialogar com abastados mancomunados com o capital
estrangeiro e com o “neoliberalismo opressor”. E a iniciativa espalhou-se para
os movimentos sindicais e companhia aparelhada – também chamada de movimentos
populares -, cuja instrução nada mais foi senão o de combater pela força os “inimigos
do povo”, atribuindo os piores adjetivos àqueles que ousassem pensar diferente.
Sua finalidade não pôde ser outra a não ser espalhar o ódio, levantar as
massas, espraiar a intranquilidade e o desprezo total pelo estado de coisas que
possuímos.
No começo do ensaio mencionei que esta
esquerda nutre um tipo de respeito pelas instituições brasileiras. Reitero:
trata-se de um respeito muito singular, cuja medida de valor consiste na
conveniência. Quando a ex-presidente presidia o poder após ser eleita através
das eleições mais sujas da história do país, com suspeitas de financiamento
ilícito de sua chapa durante as campanhas eleitorais de sua chapa, esboroando a
legitimidade de seu mandato e deixando claro que também seu segundo mandato era
fraudulento, alguns desses grupos reservavam-se ao silêncio. Por pura
conveniência, boa parte dos que hoje gritam “fora Temer” por considerar seu
governo ilegítimo, não gritaram, pelas mesmas razões, “fora Dilma” no dia
seguinte após o vazamento destas informações. Estranho, não é?
Da mesma forma, pouco ou quase nada chiaram
quando em 2003 o então presidente Lula propôs algo extremamente semelhante ao o
que viria ser a PEC 55, á época criticada pela oposição tucana e posteriormente
arquivada por falta de apoio no Congresso. Ou levantaram a questão da consulta
com a sociedade quando a reforma do Ensino Médio foi proposta pela então chefe
do executivo, Dilma Roussef. Menos ainda ousaram reclamar quando a FIESP concedeu
seu apoio à mesma durante suas eleições[3], ou quando a apoiou quando
esta decidiu, juntamente com Levy, manter baixas a taxa Selic do Banco Central.
Para justificar os atos violentos perpetrados
neste dia, e em muitos outros, os paladinos da democracia popular se arvoram no
famoso discurso da exclusão, que redime e diz que o crime, o vandalismo, a
falta de cidadania são próprios daqueles que não tem voz na política, não
participam do poder ou do espaço público, não tem meios de serem ouvidos. Se
esquecem, apenas, de explicar de onde origina a legitimidade de utilizar a mera
força, sabendo que ninguém pode dar mais poder do que possui. Se dizem
representar os desvalidos e miseráveis, esquecidos pela República. Por qual
decreto? Qual assembleia? Qual referendo? Podemos inclusive duvidar que esta
massa de desvalidos aprove suas ações. Colocam em risco a integridade de outras
pessoas e violam direitos intrínsecos, salvaguardados por nossa Constituição
Federal, tais como a inviolabilidade da propriedade e a segurança, utilizando
como razão legitimadora a violação da integridade dos manifestantes por parte
da Polícia Militar!
Na matéria do Diário do Centro do Mundo[4], lemos que a depredação a
FIESP tratou-se também de um acerto de contas, tímido, por aquilo que ela
desviou e que pertencia ao povo brasileiro. Os manifestantes são juízes de que
Vara? Representam o Ministério Público? Agem em nome da lei? Que senso de
justiça iluminado, realmente formidável. Fazem justiça com as próprias mãos,
segundo o próprio juízo, agindo pela acepção do direito do mais forte. Dizem
que a violência é justa quando o governo é ilegítimo. Princípio sem dúvida
justo, mas que levanta o questionamento, a saber, era a FIESP uma autoridade
pública? O presidente Temer estava em suas dependências? Sua equipe, o
Congresso Federal, todo o centro de controle e decisões residia naquele prédio?
Em suma, o que assistimos no dia 13 não foi um
ato democrático em defesa da liberdade ou da própria democracia. Foi um exemplo
de falta de cultura cívica, de uma completa ausência dos valores da cidadania e
da vida em comunidade política. Esta esquerda mais uma vez demonstrou que não
sabe lidar com a derrota política quando esta ocorre. Demonstrou mais um típico
caso de choramingo, fruto da incompreensão e da recusa em lidar com uma
realidade que se concretizou diferente daquela almejada.
[1] https://www.youtube.com/watch?v=oQQvdrsvQfY
[2] http://www.esquerdadiario.com.br/Milhares-de-pessoas-em-ato-contra-PEC-55-expressam-seu-odio-a-Fiesp
[3] https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/03/17/Das-desonera%C3%A7%C3%B5es-ao-%E2%80%98ren%C3%BAncia-j%C3%A1%E2%80%99-como-a-Fiesp-rompeu-com-Dilma
[4] http://www.diariodocentrodomundo.com.br/o-que-aconteceu-na-fiesp-durante-protesto-contra-a-pec-do-teto-foi-legitima-defesa-por-kiko-nogueira/
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