"Quando vejo o princípio de liberdade em ação, vejo agir um princípio vigoroso, e isto, de início, é tudo que sei. É o mesmo caso de um líquido; os gases que ele contém se liberam bruscamente: para se fazer um julgamento, é necessário que o primeiro movimento se acalme, que o liquido se torne mais claro, e que nossa observação possa ir um pouco além da superfície".
Edmund Burke.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Quais as causas da crise econômica no Brasil?


Caro leitor, se alguém lhe lançasse esta pergunta, você seria capaz de respondê-la num só átimo? Provavelmente não, afinal as explicações para qualquer crise costumam envolver uma série de dados, fontes diferentes, autores e trabalhos consultados, etc... No entanto, longe de ser algo tão difícil de compreender ou fixar, as causas da crise no Brasil podem ser resumidas conforme aparecem a seguir.

 Na esfera econômica, a crise suscitada e que veio a tona a partir de fins de 2014 encontra suas causas, sobretudo, na economia doméstica e no novo tripé macroeconômico adotado ainda no final do segundo mandato Lula. Tal processo evidencia uma trágica sucessão de erros e nos convida a pensar no (in)sucesso do modelo econômico de crescimento que nos propusemos a seguir até agora.

 O primeiro ponto significativo neste percurso que contribui para o estado de coisas que vemos hoje consistiu na expansão dos gastos públicos de forma a insuflar ou gerar uma quantidade exponencial de demanda agregada, em detrimento do estímulo a poupança familiar e, por conseguinte, aos investimentos. A ideia de se buscar um superávit primário, e a necessidade de conter as despesas correntes que a ela se associa, foi abandonada completamente. Gastos sem lastros rentáveis – fundos existem ou possivelmente arrecadados – passaram a ser expedidos sob medida de contratação de empréstimos e endividamento, conduzindo a uma situação insustentável de déficit orçamentário e salto gigantesco da divida pública em relação ao PIB.

 Por outro lado, a economia do setor privado não cresceu no mesmo ritmo da expansão dos gastos. Isto em parte, sobretudo, à burocracia lamentável e aos tributos escorchantes aplicados sobre a produção e o lucro. A situação tornou-se pior com os reflexos da crise de 2008, quando a inadimplência saltou no país, especialmente a partir de meados dos anos 2010; fato este, por sua vez, decorrente da escassez de crédito aos pequenos e médios empresários – boa parte do crédito fornecido pelo sistema bancário teve seu consumo concentrado pelo próprio Tesouro, numa clara medida de financiar seus déficits, uma vez que os recursos para tais gastos estavam se esgotando.

 Aqui, a consequência destes dois fatores tornou-se óbvia: a dificuldade de concentrar capital através da poupança, em detrimento da alta carga tributária e da falta de competividade do setor industrial principalmente, fez diminuir sensivelmente a taxa de poupança e, quase no mesmo momento, a taxa de investimentos do setor privado. Aliado a isto, os recursos captados pelo Estado não se reverteram em investimentos de infra-estrutura. Como nos indica Rabello de Castro[1], parte considerável dos recursos oriundos da iniciativa privada – que, de outro modo, seriam utilizados de forma mais eficiente se alocados conforme o mecanismo da troca voluntária de agentes econômicos – perdeu-se, evaporou-se dentro da própria máquina pública. Do montante inicial capturado via impostos, praticamente metade era desviada para outros fins, como programas sociais e custos com saúde e previdência. Outros 40% eram destinados a manter os custos da burocracia estafante, incluído aí salários do funcionalismo público, benefícios, etc... Apenas o restante, deste modo, era “devolvido” ao setor produtivo sob a forma de investimentos. Note como o capital que anteriormente poderia ter sido reinvestido em geração de empregos e descobertas de processos de produção inovadoras e menos custos pulverizou-se quase por completo neste ínterim. Por fim, a quantidade daquela demanda agregada, financiada pelo próprio governo, não pôde ser suprida pela produção manufatureira e industrial nacional. O custo das importações de bens intermediários e outros insumos, primordiais para tais ramos da economia, a perda de competividade causada por políticas protecionistas, a dificuldade de entrada de novos concorrentes e, principalmente, a ausência de mão-de-obra qualificada solaparam qualquer crescimento ou inovação neste setor.


 Quase que instantaneamente, sem verem suas necessidades satisfeitas pela pífia indústria nacional, os consumidores brasileiros viram-se compelidos a importar. O nível de importações igualou-se e, em pouco tempo, superou as exportações, causando novos desequilíbrios. A oferta monetária, expandida pelo endividamento do Estado e pelos programas generosos de financiamentos a grandes empresários, iniciou uma subida gradual e irresistível da inflação, depreciando nosso poder de compra. A fim de tentar impedir a elevação generalizada dos preços, a dupla dinâmica Dilma-Mantega investiu em outra medida arriscada (e arbitrária): revogou contratos com o setor energético e petroquímico, estabelecendo novas cláusulas esdrúxulas com indexação de preços e tarifas. A estratégia era clara: empresas como a Petrobrás tornar-se-iam os instrumentos políticos e econômicos de manutenção de popularidade política às vésperas das eleições, além do controle de preços. Como consequência direta, bilhões de reais tiveram de ser desviados de forma a cobrir os déficits destas empresas consideradas “estratégicas” para o desenvolvimento nacional, condenando qualquer tipo de contabilidade responsável e minando os investimentos internos destas próprias empresas.

 Todavia, esta alternativa também se revelou um fiasco. A subida de preços, decorrente da inflação, não pôde ser contida, e fez piorar o quadro de serviços e gastos ineficientes da própria máquina pública. Como saída para segurar a “pressão inflacionária e estimular a criação de poupança” (risos), a União não teve outra escolha senão elevar de forma brutal a taxa básica de juros. Os efeitos de se ter, talvez, as maiores taxas de juros do mundo se mostram tenebrosos. O primeiro a ser afetado é o próprio governo, que vê a dívida pública, incluindo eventuais moratórias e custos adicionais, elevada e portanto mais difícil de ser quitada. Os demais a sentirem seus efeitos são todos os demais agentes da sociedade. Em especial, a elevada taxa de juros, associada aos fatores já descritos acima, provocaram um novo fenômeno, nem um pouco novo, nem inusitado: os negócios e as aplicações em mercados privados perderam rentabilidade relativamente ás aplicações no setor público, em especial na aquisição de títulos da dívida pública. Investidores, acionistas, possuidores de capital passaram a destinar seus recursos na compra de tais títulos – que nada mais são do que uma mera estratégia de rolagem de dívidas já existentes -, tornando ainda mais rarefeito o mercado de capitais e investimentos no setor produtivo da sociedade. A arrecadação e a receita governamental, ao mesmo tempo em que suas despesas saltaram, disparam para baixo, em plena queda livre. O buraco fiscal tornou-se uma realidade inevitável.

 O último pilar no qual o então governo petista se arregimentava ás vésperas da reeleição de Dilma – a alta taxa de emprego – também esboroou-se com o expandir da inflação e a subida dos preços. Os desajustes provocados pelo aumento da oferta monetária via expansão do crédito fácil apenas fizeram com que fosse impraticável calcular corretamente qualquer tipo de relação custo-benefício para investimentos de longo prazo. As inseguranças trazidas pela violação às claras das metas da inflação desencorajam empresários no seu papel de criação e inovação de processos que envolvessem várias etapas ao longo do tempo, já que, a longo prazo, a depreciação da moeda sugava qualquer rentabilidade possível do investimento. Por conseguinte, todas as atenções se voltaram para o fomento de serviços e bens de consumo imediato e produzidos em pouquíssimo tempo, em escala de especialização e divisão de funções baixíssimo. Noutros termos, a necessidade de mão-de-obra em alta escala desapareceu. Massas de trabalhadores se viram às ruas num piscar de olhos.

 O risco de insolvência e a clara indisposição do governo Dilma, em seu segundo mandato, de proceder a reformas necessárias para aliviar o quadro clinico do paciente apenas surtiram o efeito de afastar investidores e capitais estrangeiros do solo brasileiro. Some-se a isto a insegurança e a falta de previsibilidade que nossas instituições políticas proporcionam (com uma presidente irresponsável, sustentada por uma equipe de corruptos e sem qualquer respeito pelas regras de propriedade e validade de contratos) e teremos outra causa mortis do nosso cadáver, a saber, a desvalorização cambial. A retirada brusca e inusitada de moeda estrangeira pareceu fechar um longo processo já principiado de forma totalmente equivocada. Internacionalmente, as exportações brasileiras perderam competividade com o aumento de seus preços e dos insumos necessários a sua produção. Internamente, a carestia generalizava-se. O efeito em cascata já estava criado.

 Em síntese, podemos dizer que a crise que nos assola, nos termos de Raul Velloso[2], decorre principalmente da intervenção do Estado na economia, processo intensificado a partir de 2009. Para resumir todo este imbróglio:
  • ·  Alta carga tributária que, mesmo com desonerações sobre ramos específicos da economia, saltou para incríveis 37% do PIB já em 2014;
    ·       Gastos públicos exagerados e ineficientes, que, além de pulverizar os recursos da sociedade, se reverteram em serviços insatisfatórios;
    ·       Estagnação do setor industrial e de transformação, cujo ritmo defasado não pôde acompanhar o aumento dos gastos da União, e cujas causas estão associadas à própria ação governamental;
    ·       Educação e formação superior longe do ideal, com oferta escassa de mão-de-obra bem formada, especialmente o tipo de formação voltada à tecnologia;
    ·       Expansão da oferta monetária via expansão do crédito, a partir do endividamento que causou, por um lado, um gigantesco desequilíbrio fiscal e, por outro, inflação generalizada, escassez de poupança e acumulação de capital e desemprego;
    ·       Desperdícios dos recursos da União com o financiamento de grandes empresários e a alocação equivocada de recursos;
    ·       Indexação de preços, controle coercitivo dos setores energético e petroquímico, e o aumento (inevitável) da taxa de juros.
    Claro está, portanto, que o modelo econômico escolhido desde o plano real e intensificado nos últimos anos, pautado sobre o desenvolvimento protecionista liderado pelo “Estado empresário” e herdado do período ditatorial militar, encontra-se falido. É urgente efetuar reformas liberalizantes e regeneradoras de nossa capacidade de criação de riqueza, sob pena de nos afundarmos numa espiral do desespero sem fim.



[1] http://www.saraiva.com.br/o-mito-do-governo-gratis-8184803.html
[2] http://www.raulvelloso.com.br/o-dia-do-juizo-fiscal/

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