"Quando vejo o princípio de liberdade em ação, vejo agir um princípio vigoroso, e isto, de início, é tudo que sei. É o mesmo caso de um líquido; os gases que ele contém se liberam bruscamente: para se fazer um julgamento, é necessário que o primeiro movimento se acalme, que o liquido se torne mais claro, e que nossa observação possa ir um pouco além da superfície".
Edmund Burke.

quinta-feira, 2 de junho de 2016

A Moralidade do Feminismo






 Há três anos estava eu na PUC-SP, assistindo a uma partida de futsal em companhia de um grande amigo sírio ao qual, por curiosidade, questionei a respeito do que achava sobre o feminismo. Sua resposta foi a mais intrigante possível: a igualdade das mulheres perante os homens em todo o mundo é algo que não deveria encontrar opositores entre os entes racionais. Mas remendou: mas alguma coisa neste “feminismo” tem algo de irracional...

 Passado todo este tempo, nunca deixei de me questionar a respeito desse movimento, suas ideias, quando teria nascido e suas formas de ação.  Notei, evidentemente, que existiam muitos “movimentos” dentro desta cultura de luta feminista contra a opressão, velada ou implícita, dos homens e dos valores nomeadamente machistas que se encontravam difundidas na sociedade. Mas, fato curioso, aquela resposta final de meu amigo anos antes ainda verberava na minha memória, como se de fato alguma verdade estivesse contida ali. Sabia que muito estava por vir.

 Eis que muito recentemente uma reação inesperada tomou conta das pessoas nas redes sociais e nas mídias em todo o Brasil. O estupro coletivo de uma menina de 17 anos, perpetrado por 33 homens, provocou nos mais diversos grupos uma série de questionamentos, dúvidas, reprovação (mais ou menos) generalizada e uma necessidade de encontrar uma justificativa racional para algo tão abjeto como uma violência nestas dimensões. Alguns culpabilizaram a vítima e as escolhas que eventualmente tivesse feito; outros, com muito mais sensibilidade e acerto, condenavam a ação injustificável dos 33. Mas algo diferente aconteceu desta vez. Em pouquíssimo tempo começou a se apregoar uma ladainha enfadonha na qual se afirmava, ou assim parecia, que a culpa não só residia na sociedade como um todo, na famigerada “cultura do estupro” – nas entrelinhas, se originava pelo homem e como tal, cabia a todos eles (os homens) o envergonhar-se e o responsabilizar-se por todo este deletério estado de coisas.

 Pois bem. Peço licença aos leitores homens, aos leitores em conjunto e principalmente às leitoras que me leem. A todos em conjunto, porque não falarei de política ou de economia, temas que frequentemente trato aqui, embora esta questão não deixe de pertencer ao panteão dos assuntos humanos. Às leitoras e leitores homens porque, como não sei – e, sendo franco, tampouco importaria se soubesse – qual a visão de cada um a respeito, não do estupro em si, mas do feminismo, confesso que provavelmente não agradarei a todas e todos. Mas, convenhamos, num tema tão controverso como este, o conflito é muito mais esperado do que o acordo.

 A conveniência para um crime tão hediondo e abominável é ato absurdo e não é a isso que me refiro. A “igualdade sexual” de direitos e acesso a bens e serviços, a profissões e carreiras também tem razões óbvias para ser defendida. Não é a isso novamente que me refiro.  Antes, chamo a atenção para um caráter indelével que encontramos no feminismo: a existência, nele, de uma estratégia ou método ou “psicologismo” longe de ser novo, já bem antigo e já denunciado. “Todo homem é um potencial estuprador”, dizem muitos, com um domínio quase espetacular. Sem dúvida alguma, uma constituição reativa lhe dá vida, precedida principalmente por uma negação singular, por uma classificação nos piores e mais baixos termos. “O homem é mau, a cultura que o envolve e que de seu domínio nasceu não pode ser outra coisa que não má, machista, opressora. Os papeis e funções sociais constituídos historicamente nos oprimem” – dizem as feministas. “Representamos o que há de melhor para as mulheres, o que é bom e só pode lhes fazer bem”, afinal, eles, sua cultura, seus valores submetem, tornam violenta uma relação de existência que deveria ser a mais fraterna possível.

 A libertação das mulheres, por tudo isso e segundo elas, só pode vir através de uma única via.  O feminismo, segundo elas, há de ser o único bálsamo libertador das mulheres e da civilização masculinizada do ocidente, a anátema e solução para a estrutura de opressão na qual todos nascemos e somos criados. Porém, o mal-estar, a angústia partilhada por todos frente a este estado de coisas, é na verdade, o resultado da entronização, da naturalização da culpa que envergonha e faz de todos os homens e mulheres dissidentes potenciais e violentos vilões. “Sou culpado, minha consciência assim o diz, mesmo sem nada ter feito”.

 O feminismo se tornou uma moral, ressentida e tão opressora quanto as muitas “morais” que combatia. Em seu seio gesta-se sua contradição, está o oposto daquilo que advoga. Escravidão, sexismo, coerção, (ir)representatividade. E isso tudo é irracional.   

 Se pudesse voltar no tempo e reviver a cena descrita no inicio deste ensaio, apenas menearia a cabeça, com pesar partilhado, ao arremate de meu colega. Na ocasião, não lembro o que disse, mas é provável que o tenha questionado, sem entender sua resposta. Hoje, digo sem receio: o feminismo não é libertação; é algo, em certos termos, ultraconservador e extremamente moralista, por excelência coercitivo. Do que realmente necessitamos? Ora, precisamos de mais Nietzsche, direitos individuais mais sólidos e - claro – menos feminismo.   

3 comentários: