Fato é que movimentos separatistas e de
independência política também permeiam os grandes manuais de história
internacional: A guerra civil americana, a Batalha de Bannockburn e a incrível
história de William Wallace, na Escócia; o IRI e seus ideias de independência
na Irlanda no Norte e a luta pelo fim do Apartheid na África do Sul. Todos os
exemplos – até os muitos que não foram citados – nos ajudam a entender e
interpretar a longa história humana como um sucedâneo da aspiração de povos e
etnias pela liberdade de organizar-se livremente frente a outros poderes tirânicos
e despóticos.
O advento da modernidade experimentou, como
disse Hannah Arendt, um significado nunca antes visto para o termo revolução. A
fundação de um novo corpo político, a experiência de uma nova liberdade tornou-se
o significado premente de um fenômeno político extremamente recente que caracterizou
praticamente todo o século XX.
O que me dá ensejo a escrever este ensaio é a
associação entre liberdade e separação que, arrisco dizer, encontro em grande
parte dos movimentos políticos de independência. Com efeito, quase todos as
guerras de independência africanas ou contextos conturbados de separação das
colônias em relação às respectivas metrópoles observados na América e na Ásia
partilham de um sentimento evidente: a violação dos costumes, das leis e
liberdades de uma civilização local por exércitos e estados-nação claramente
movidos por ideias expansionistas e de consolidação de poder econômico e
político.
Mas, quase num movimento de dedução deste
princípio, é preciso chamar a atenção para outro fator que nos impulsiona – ou que
pelo menos deveria – para uma consideração crítica acerca da própria democracia:
a constante e progressiva perda de poder que subsiste em seu seio.
Não se trata da perda do poder do governante
em relação aos governados, ou dos partidos políticos em relação aos eleitores. É
justamente o contrário. Trata-se, antes, da perda do poder de cada indivíduo e,
consequentemente a liberdade escolha individual, face ao funcionamento da
democracia nos estados nacionais no século XXI.
Experienciamos
hoje o agigantamento da centralização dos aparatos estatais, com novos
instrumentos de controle criados a cada momento. Em praticamente todas as
democracias do mundo ocidental, a burocracia cresceu considerável e
proporcionalmente aos custos impostos a seus cidadãos para alimentar as pesadas
máquinas federais que tentam organizar, centralmente, a vida em cada uma de
suas subdivisões.
Os antigos mitos democráticos de que “a
democracia é a vontade do povo” ou de que nela “cada voto conta” perderam – se é
que um dia o tiveram – substancialmente seu significado. Ter o direito,
salvaguardado em uma constituição, de eleger um presidente ou governador, ou
prefeito e mesmo um vereador a cada quatro anos de forma alguma nos protege da
coerção que subsiste neste regime. O caso brasileiro é um forte exemplo desta tese,
onde boa parte do que ganhamos com o fruto do nosso trabalho é confiscado de
forma brutal e direcionado para inúmeros fins sem que possamos ao menos decidir
onde, para quem ou o quê será utilizado. Por exemplo: de todas as ONG’s que recebem
recursos públicos, você que me lê agora sabe para quais finalidades elas estão
ali, se estas finalidades são do seu agrado, se valem o dinheiro que recebem ou
se realmente existem? De todos os partidos políticos que são financiados por dinheiro
estatal, você concorda com todas as ideologias que cada um defende? Em caso
negativo, porque você os financia? O mesmo raciocínio é válido para praticamente
tudo: cultura, universidades públicas, segurança pública, empresas estatais,
entre outros.
Em suma, muito mais do que se nos assemelha,
nossa liberdade em relação à ação de terceiros e de grupos coletivos é
exageradamente reduzida. Nos parece que progressivamente nos esforçamos para
viver às custas dos demais. Comunidades locais formadas pela livre associação
de seus membros também perdem poder e significado quando confrontadas aos
poderes da federação. Boa parte das decisões que são tomadas por nossos
políticos não precede nossa consulta e raramente influímos de fato nas
resoluções que modelam o futuro do nosso país.
O direito de secessão, desta forma, surge
neste cenário como uma alternativa: se a descentralização do poder central em comunidades
menores já produz um aumento considerável de autonomia e liberdade, o que nos
impede de formar livremente um grupo independente, autônomo, que partilha um
sentimento e conjunto de ideias em comum, que é muito mais próximo à realidade de
cada membro, que não viola as liberdades individuais e a cujo poder, limitado,
cada membro tem acesso de fato sem ameaçar a perda ou redução da efetiva
capacidade de escolha dos demais?
Na Constituição de 1988, diz-se que a União é
formada indissoluvelmente por cada Estado e território. Mas qual o sentido de
limitar o próprio direito da escolha livre de cada cidadão? Nos deveria ser
facultado também, numa sociedade livre, a escolha autônoma por viver sob o
regime político ou tributário que mais nos agrada. Se não haja um só país que
represente nossos ideias políticos e econômicos, que direito possuem nossos
governantes de nos impedir de fundar uma nova confederação ou república?
Ninguém outorgou a nossos governantes tamanho poder. A única legitimidade para que nossos mais íntimos valores e preferências sejam assim ofendidas e descartadas reside unicamente no poder bélico e nas Forças Armadas. Pensar a secessão como um direito – não no sentido de que um determinado governo deve prover a este direito – é também pensar, por fim, a possibilidade de algo novo, a possibilidade da liberdade e da política numa comunidade ou associação livres da tirania.
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