"Quando vejo o princípio de liberdade em ação, vejo agir um princípio vigoroso, e isto, de início, é tudo que sei. É o mesmo caso de um líquido; os gases que ele contém se liberam bruscamente: para se fazer um julgamento, é necessário que o primeiro movimento se acalme, que o liquido se torne mais claro, e que nossa observação possa ir um pouco além da superfície".
Edmund Burke.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Impeachment? Reação Conservadora?


  A passagem de ano de 2014 a 2015 e os primeiros meses que imediatamente se lhe  sucederam pareciam nos transmitir um fato um tanto quanto novo no atual cenário político-econômico brasileiro. Sem esforço, poder-se-ia mesmo dizer que tal fenômeno se nos apresentaria como algo inteiramente novo, nunca antes visto em nossa História política. Aquilo que teve suas origens já durante as eleições presidenciais em 2014 e que pode ter atingido seu paroxismo na concretude das últimas manifestações do dia 16 de agosto e na polêmica declaração do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso proferida no dia seguinte ao ato, prefigura, segundo opinião de muitos, uma chance real de ruptura abrupta do atual mandato em exercício da presidente da República.  

  A eleição de Dilma Roussef a partir de uma maioria quase ínfima de votos, juntamente com as subseqüentes críticas aos anos anteriores de condução petista dos negócios do poder executivo após anúncio da vitória, nos revelava, sem dúvida, um descontentamento progressivo de parte importante do eleitorado com as arregimentações do edifício sócio-econômico representado por este e outros partidos. Aquilo que tais manifestações e muitas outras ocorridas meses antes por todo o território Nacional personificavam e ainda personificam consiste no desgaste ou no desencantamento com um determinado modelo sócio-econômico de organização das complexas e diversas atividades humanas baseado em certos princípios econômicos e políticos completamente avessos a idéia das restrições das esferas de ação dos poderes governamentais. Vem à tona, deste modo, uma completa insatisfação com os efeitos oriundos das principais facetas de tal modelo: a redistribuição coercitiva de renda, a progressiva taxação governamental, a excessiva regulamentação estatal em diversos setores da economia e conseqüente redução de ambientes concorrenciais e competitivos, o financiamento e liberação inconseqüentes dos mecanismos de crédito voltados a financiar o consumo, a expansão da burocracia, os quais, todos juntos e somados cada um a seus modos, nos levam a desesperançosas previsões acerca da qualidade de vida do cidadão brasileiro nos próximos anos que estão por vir.  E tão importante quanto a denúncia de seus efeitos – inflação, alto déficit público, inadimplência, aumento de taxas de desemprego – é a ênfase sobre a necessidade de medidas de coerção cada vez mais freqüentes por parte da autoridade governamental para tornar factíveis a execução de tais planejamentos, porquanto o grau de regulação exigido, por exemplo, para redistribuir segundo planejamento prévio a renda produzida demanda um aparelho rigoroso de captação e quase orientação dos recursos e bens produzidos em nossa economia. Desse modo, a ameaça às liberdades individuais através do crescente constrangimento do cidadão brasileiro à efetivação de escolhas involuntárias compõe tópico de flagrante crítica e atenção da opinião pública e individual de cada cidadão.

 Com efeito, parece se evidenciar uma certa tomada de consciência inédita da sociedade quanto ao caráter essencial e historicamente construído do Estado brasileiro, o qual se identifica com um termo cujo uso vê-se alvo de constantes críticas por grande parte da esquerda de nosso país. Pode-se afirmar que, pela primeira vez em nossa História, deparamo-nos com um descontentamento geral da sociedade civil face ao “Paternalismo” intrínseco às operações do poder político constituído aqui desde tempos muito pretéritos. A acepção de que o Estado, muito mais do que assegurar a salvaguarda imutável dos valores de preservação das condições mínimas da democracia e vida em sociedade, deve, necessariamente, promover, de alguma forma, ao progresso da nação parece encontrar-se, finalmente, sob desconfiança total e descrédito. Pelo menos em algumas vozes do coro dissidente faz-se possível localizar o discurso que promove, com consciência do que é de fato difundido, ser este o momento oportuno para a realização de mudanças fundamentais que dizem respeito à promulgação de um Estado mínimo afeiçoado às liberdades econômicas e política.

  Contudo, é neste momento de possível irrupção do novo que um velho opositor das liberdades encontra oportunidade para abarcar novo fôlego e emergir novamente. É, mais uma vez, sem dúvida certo, que a reprovação do “atual estado das coisas” é sentimento partilhado por quase todos que estão às ruas manifestando repto aos representantes ladinos do verdadeiro soberano da democracia. Por outro lado, é penoso, forçoso e impossível mensurar neste turbilhão efervescente de opiniões vivas e vigorosas qual o real anseio de sua maioria mais comum, como também não é crível – para boa parte, creio, dos indivíduos que compõem a imensa parcela descontente -, tragicamente, associar a tomada de consciência a respeito do caráter histórico do Estado e de suas funções com a conclusão de que a delegação de problemas exclusivos das esferas sociais e econômicas ao âmbito do político constitua causa primordial das tiranias observadas ao longo não somente de nossa história.  A vivacidade com que o presente nos conclama à reforma e a incerteza do futuro do político, do nosso político em razão dos diferentes “futuros” que se podem conceber a partir das alternativas possíveis no “agora” põem em relevo o risco que cerca a toda a gente. A constatação de que a imoralidade da corrupção é fator endêmico de nossa cultura, mais do que fenômeno restrito a alguns âmbitos ou partidos, não deve, de forma alguma, fomentar nova antiga idéia de que apenas o Estado –e somente ele – é a entidade capaz de suplantar a pobreza de seu habitantes e educá-los com a finalidade de salvaguardá-los da miséria da imoralidade e da ilicitude.

  Analogamente, o anseio de deposição de nosso governante máximo por meio de um processo de Impeachment encerra também perigos ocultos. Aos olhos da democracia, este processo se constitui como o instrumento derradeiro de proteção de nossa soberania face à usurpação do poder por parte do governante e das idéias que lhe acompanham e lhe motivam. Pelo viés da ponderação e da prudência, no entanto, o apanágio apresenta uma segunda face que encontra termo na expressão da instabilidade de nossas instituições políticas e na vacuidade de poder que lhe pode sobrevir como herança imediata. A possibilidade de que o sucessor do governante em caso de deposição ascenda sem bases ou apoio popular para governar não deve ser excluída, e é ante à fragilidade do poder e das instituições que as nossas liberdades cívicas encontram sua maior ameaça. A inação do político pode dar lugar à univocidade da força e do autoritarismo.    

 Salvo em caso de evidência, superior a dúvida, de um crime de responsabilidade ou de outro delito hediondo à “pátria amada”, o impeachment da atual presidente nos aparece como um último recurso. Com similaridade prefigurada, convém não esquecer nem duvidar que os cortes orçamentários e a redução do alcance financeiro de programas federais de auxílio resultam da precariedade na qual os cofres do erário vieram a se estabelecer, e, infelizmente, não se originam de um planejamento destinado a conferir o máximo possível de autonomia aos contribuintes. É necessário, portanto, advogar em nome de uma nova visão de organização das atividades que residem no seio de nossa sociedade e não mais permitir que o Estado, ou o governo, arrogue a si funções que não lhe cabem.     

Um comentário:

  1. Análise repleta de sobriedade e razão! Concordo com os pontos apresentados, de fato o povo brasileiro se coloca pela primeira vez em franco confronto de ideias antes tidas como sagradas no que se atribui às funções do Estado. Mais do que uma dicotomia esquerda-direita, conservadora-liberal, é necessário analisar a situação político-econômica tendo em vista não apenas a recente história democrática de nosso país, mas também os modelos políticos adotados em nossa República, haja vista um sistema eleitoral que permite uma considerável fragmentação política entre dezenas de partidos, com ideologias muito difusas e que, por vezes, carecem de direcionamento. Não é de se espantar o fenômeno do Mensalão: a governabilidade no Brasil é sujeita a compromissos e coalizões e, quando isso falha, o apoio deve ser negociado em forma de "compensações financeiras".
    Fica evidente a incapacidade de nossa atual Presidente em compreender o jogo político e agir de acordo: está refém de ambas Casas Legislativas e se apoia em um PMDB que, bem se sabe, troca de alianças conforme lhe convém. O cenário é instável e as consequências de anos de irresponsabilidade econômica começam a brotar. Sem dúvida, um terreno fértil para análises tão elucidativas como as vossas!

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