"Quando vejo o princípio de liberdade em ação, vejo agir um princípio vigoroso, e isto, de início, é tudo que sei. É o mesmo caso de um líquido; os gases que ele contém se liberam bruscamente: para se fazer um julgamento, é necessário que o primeiro movimento se acalme, que o liquido se torne mais claro, e que nossa observação possa ir um pouco além da superfície".
Edmund Burke.

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Por que não devemos tributar Heranças, Lucros e grandes Fortunas ?


(Texto dividido em duas partes)

  A recente intenção do poder executivo e da base que lhe concede apoio, demonstrada ainda no fim da semana anterior, de incluir no projeto orçamentário da União para 2016 a tributação sobre heranças e grandes fortunas reacendeu um longo debate que, em razão de um natural desgaste que acometera ambos os lados da discussão, parecia ter se esvaído do horizonte das principais reivindicações de diversos movimentos sociais e políticos.   

 A hipótese, introduzida pelo senador Renan Calheiros em sua “Agenda Brasil”, além de formular um esboço sobre como tal tributação operaria em âmbito nacional, se apresentava como tese seqüenciada e desenvolvida a partir de sentenças anteriores, as quais, estas sim, não careceram de atenção, tendo se constituído nos últimos anos como objeto de debates ardorosos sobre uma ampla reforma tributária e política. A taxação progressiva de renda, idéia da qual se origina, em grande parte, o projeto em questão sempre despertou nos espíritos mais caridosos e nos adeptos de uma filosofia político-econômica notadamente oposta à liberdade, uma forte razão e senso de dever em apoiar e levar adiante, não importasse se direta ou indiretamente, a consecução da justiça social por meio da distribuição de renda previamente planejada por um órgão central.  E, com efeito, estas idéias não prosperaram apenas nos círculos onde se devotasse alento a tais noções; mesmo alguns que concediam voz para se auto-proclamarem “direitistas” não apenas corroboravam tais idéias segundo uma finalidade nobre que argumentavam ser critério suficiente para a decisão de abrir mão temporariamente de suas individualidades, como julgavam, em consonância com os demais, digno de censura a oposição aberta a tais medidas.

 Cônscio de que a tributação progressiva de renda, sobre a herança, lucros e grandes fortunas são fruto de uma concepção “moral”, política e econômica errônea sobre o modo pelo qual se opera a produção capitalista nos seus mínimos detalhes e as superestruturas que dela resultam e cônscio, também, de que os ideais que os associam e os contém em seu escopo constituem, desde há muito, uma das maiores ameaças intelectuais e políticas às nossas liberdades e aos valores de nossa civilização ocidental, o presente ensaio tem por finalidade elaborar uma séria crítica política e econômica ao conjunto ideológico aqui mencionado através da demonstração das mazelas e agruras que necessariamente decorrem da prática de tais taxações, apresentando ao leitor, doravante, as razões que nos levam a asseverar que a mesma produz o contrário daquilo que advoga ser sua finalidade máxima. Para tanto, dividimos o presente ensaio em três partes, nas quais as duas primeiras destinam-se aos nossos fundamentos políticos e econômicos, e a última, por seu turno, a uma breve conclusão sobre o problema.

 O conceito de propriedade. A crítica a ela endereçada por Rousseau.

 É no escrito “O Segundo Tratado sobre o Governo Civil”, obra datada de 1.688 e de autoria do filósofo inglês John Locke (1632-1704), que encontramos uma conceitualização precisa - a qual se estenderia por toda a modernidade, sem sofrer sensíveis alterações - a respeito da noção de propriedade. A despeito do uso de tal conceito em obras de pensadores precedentes, tais como Hobbes e Spinoza, é em Locke que o mesmo adquire um estatuto fundamental face ao corpo político, entendido como o corpo normativo capaz de efetivar legítimas punições, e à sociedade civil, composta por todos os cidadãos que, juntos, acordaram em conceber um governo, uma vez que, característica intrínseca da liberdade dos homens enquanto submetidos somente à lei que a natureza prescreveu, passa a adquirir feições quase “ontológicas” em relação às descrições do cidadão e do governo civil. A propriedade, neste contexto, além de constituir um direito de posse do indivíduo sobre tudo aquilo que é produzido por suas forças mentais e físicas, representa um fator unificante e que oferece fundamento e defesa a outros dois conceitos fundamentais do pensamento político moderno, concebidos, nos termos da positivação de direitos, como os direitos do indivíduo, entendido como cidadão, à vida e à liberdade. A propriedade, portanto, possui em si outras duas esferas que, aliadas à posse legal de bens e riqueza, conferem ao homem o status de proprietário de suas faculdades, de si mesmo e de sua vida; e lhe fornecem, com isto, o fundamento da autonomia de conduzir seus planos conforme sua razão, sem incorrer em desacordo com a lei civil e sem padecer da interferência, contra sua vontade, ou da coerção da esfera política ou dos demais indivíduos. 

 Neste sentido, a propriedade de si, de seus bens e de sua liberdade é ponto fundamental que restringe o poder político em suas esferas legítimas de atuação, concebendo como sua finalidade a execução das funções normativas da legislação e do julgamento das querelas que envolvam os cidadãos e suas propriedades e a proteção exclusiva das liberdades de todos os indivíduos. Conceder permissão ao governo para que este estipule uma parcela de nossos bens que servirá de espólio a seus interesses expansivos e autoritários ou para que legisle sobre a quantidade exata e a maneira pela qual seus cidadãos deverão usufruir de determinado bem constitui, deste modo, grave ameaça às nossas propriedades em todos os seus sentidos e mais fundamentalmente ainda às nossas liberdades, porquanto – e este é o sentido preciso que este ensaio convida o leitor a dirigir sobre a relação, no estado democrático de direito, entre propriedade, vida e liberdade -, restringidas nossas possibilidades ou liberdades de escolha e crescimento em determinadas situações, já não podemos afirmar sermos livres o suficiente para determinar, conforme nossos anseios e planos, o direcionamento preciso e amplo que gostaríamos de dar a nossos bens, faculdades, conhecimentos e experiências adquiridos e até mesmo à nossa vida como um todo. Em situações extremas, possuímos nem mesmo as condições de preservação de nossa própria existência.   

 Não obstante, se por um lado encontramos a equivalência da possibilidade de liberdade na solidez da esfera privada face ao poder político, por outro, em o “Discurso sobre a Origem e o Fundamento da Desigualdade entre os Homens”, publicado em 1755 pelo pensador suíço Rousseau, deparamos com a asserção da origem dos males da sociedade civil residir na instituição da propriedade. Esta, ao se originar do furto e instaurar a verdadeira desigualdade entre os homens, uma vez que, por natureza, estes carecem apenas de igualdade quanto à constituição física e moral, dá origem à dominação que caracteriza fortemente os tempos modernos, nos quais os detentores de portentosa riqueza “exploram” os mais economicamente pobres a partir da constituição e da celebração de um contrato verdadeiramente espúrio. Aqui, isenta a condição burguesa elementar da necessária igualdade entre as partes que acordam na criação de um contrato, a sociedade civil instaurada é ilegítima e corresponde à expansão desmedida do poder privado de alguns poucos sobre muitos e à sua falsa caracterização em um poder político que se arroga á função de normativizar de forma equivalente as relações entre indivíduos desiguais.

 A fim de apresentar uma resolução destas contradições e conferir a cada um a participação máxima nas decisões coletivas e políticas, se faz necessário a efetivação de um “contrato social”, a partir do qual a cobiça e a avareza são substituídas pela virtude. A igualdade material se torna condição sine qua non para uma liberdade efetiva, onde cada indivíduo encontra correspondência na vontade geral e na legislação que estabelece os ditames fundamentais da vida em coletividade.  Liberdades individuais, como a livre escolha do que consumir, dizer ou onde empregar suas faculdades intelectuais ou físicas são suprimidas em face de um legislador supremo e executor da mesma vontade geral. O termo liberdade despoja-se de seu significado anterior, e seu novo conteúdo nos remete à participação irrestrita de todos e cada um nas decisões cruciais do corpo político e civil. Em oposição ao que é exposto acima, portanto, a liberdade rousseauniana é possível apenas com o nivelamento coercitivo de todas as desigualdades materiais, a saber, com a supressão da propriedade e do âmbito privado de cada cidadão.

(Continuação deste Ensaio será publicada dentro dos próximos dias).

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

A Necessidade da Reforma Público-administrativa


 Nesta última segunda-feira, 24/08, pela primeira vez a presidente Dilma Roussef, em pronunciamento exclusivo, admitiu a existência de erros nos projetos de gestão colocados em prático sob seu comando. De forma tímida, condensou-os no que considerou a lentidão de sua equipe econômica em reconhecer que de fato lidavam com uma grave crise econômica e, de forma a dirimir, ainda que minimamente, a atual atmosfera de pessimismo que se assenhorou das esferas distintas da sociedade civil e das Casas do Legislativo, disse que os principais índices de nossa economia tendem a melhorar no próximo ano em detrimento dos prognósticos de piora de nossa recessão.

 De forma atabalhoada, no mesmo dia anunciou-se também o corte de pelo menos dez dos 39 ministérios que atualmente compõem o corpo ministerial brasileiro; a extinção de outros mil cargos públicos e a possibilidade efetivação de novas tributações ou aumento de impostos já existentes e onerosos. Neste cenário, a retomada da extinta CPMF e a alteração das alíquotas e da forma de cobrança das taxas PIS/COFINS colocaram-se em relevo e evidenciaram, mais uma vez, a dificuldade do atual governo em encontrar soluções factíveis para a estabilização da situação econômica do país.  


 Ainda que se deva consentir, por um lado, que tais pronunciamentos denotam um primeiro passo no sentido da ação de retomar a condução e liderança políticas defronte às turbulências da semana anterior, por outro tornam claro a incapacidade, por parte de nossas autoridades do poder executivo, de elaborar um diagnóstico político e econômico acurado do momento que atravessam as nossas instituições e cidadãos.
Como já mencionamos em outro ensaio (“Ineficiência e Restrição”), a transferência abusiva da responsabilidade de sanar os enormes déficits públicos da União do Estado para os pagadores de impostos não somente reduz a esfera de liberdade individual através da expansão das restrições impostas de forma autoritária ao eleitor, como também engendra piora sensível nos níveis de desemprego, renda e qualidade de vida. A elevação ou elaboração de novas tributações tende a tornar mais insustentável a organização de boa parte das atividades econômicas e, portanto, contribuir para que as atuais instabilidades se agravem e se estendam por mais tempo, onde a ineficiência de diversos serviços deverá se expandir para outros setores.

 Com efeito, a distância dos princípios econômicos que regem as medidas propaladas pelo ministro Joaquim Levy em relação a uma política econômica liberal, o qual tenciona, necessariamente, à redução de custos e regulações estatais na economia conferindo maiores instâncias decisórias aos agentes econômicos livres, além de colocar sob forte ameaça elementos chaves para o crescimento, como a poupança e os investimentos de cunho privado e mesmo público, oferece oportunidade para o recrudescimento dos mecanismos vultosos e extremamente dispendiosos de organização burocrática dos negócios do Estado. Sem esforço de conceber, o verdadeiro erro das gestões petistas não consistiu em notar tardiamente o nascimento e agigantamento da crise atual; antes, seus principais erros deram-se com a manutenção exagerada de um sistema que combinava com perigo distribuição de renda, incentivo irresponsável ao fornecimento de crédito, progressivo inchaço do aparato público e déficits orçamentários e com a deficiência em promover ou enxergar a necessidade de reformas administrativas.

 Deste modo, tal como disse o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, “o corte proposto é bom, mas é preciso cortar mais”, o combate às atuais crises deve ser acompanhando de profundas alterações ou – termo que, julgo, se adéqua melhor ao contexto em que tomo a liberdade de utilizá-lo – reformas na administração público-administrativa. Aqui, sem dúvida a restrição de custos e a redução de impostos, este último através de uma larga reforma tributária, são de extrema importância. No entanto, além dos limites aos quais a declaração de Cunha nos remete, é estritamente necessário e fundamental que a composição e escolha de servidores a diversos cargos públicos seja revista e reordenada, pois não é nem um pouco crível, a qualquer corpo administrativo, que grande parte de seus componentes seja escolhida por partidos ou poderes políticos em exercício. O apadrinhamento, o cabresto, as ilicitudes que envolvem muitos processos de licitação ou cartéis fomentados pelo poder público decorrem justamente da ausência de um processo de escolha por profissionais capacitados a exercer funções primordiais das atividades do Estado que esteja pautado no mérito individual, mais do que na filiação política ou ideológica, como critério de contratação e promoção de servidores, e apenas são passíveis de obstrução com o uso deste mecanismo . A composição de cargos de decisão ou comitês executivos em empresas estatais a partir do arbítrio político é um forte exemplo das conseqüências nocivas advindas dos atuais métodos: ineficiência, escassez e a corrupção, que, juntas, assolam os cidadãos e lhes reduzem severamente as liberdades e lhes solapam a qualidade de vida.  

 A redução de funções, atividades, custos e ministérios ainda é diminuta e escassa. As reformas que necessitam ser colocadas em prática, a despeito de opinião geral, não tendem a concentrar poder político em uma legenda ou em algum dos três poderes, qualquer que estes possam ser. É fundamental, para o bom funcionamento de um corpo político e civil, compreender que o aparato do Estado e a ideologia de quem possa governar devem operar de forma independente e autônoma uma em relação à outra. É deste modo, apenas, que se pode anular a crise a longo prazo e caminhar no sentido da construção de sociedade efetivamente livre e estável, onde todos e cada um gozam ao máximo de sua liberdade e sua salvaguarda é a finalidade exclusiva da política.  

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

O que as Manifestações contra a Deposição de Dilma têm a nos dizer


 Em resposta às manifestações favoráveis aos impedimentos do atual mandato da presidente em exercício ocorridas no último dia 16/08, grupos políticos e sociais favoráveis à manutenção do atual governo tomaram as principais ruas e avenidas da cidade na quinta-feira, 20/08, como forma de verbalizar também as suas insatisfações e direcionar críticas à atual oposição e á forma como a mesma se posiciona face às crises econômica e política.

 Como nos apontam os dados apresentados pelo Data Folha a respeito dos grupos e das opiniões presentes nesta manifestação e os diversos testemunhos acerca do conteúdo de suas mensagens políticas divulgados em jornais, blogues e redes sociais, uma de suas características fortemente notórias consistiu na heterogeneidade dos participantes e de suas reivindicações. Segundo as mesmas fontes, grande parte dos presentes, em oposição às manifestações anteriores de 16/08, não possuíam renda elevada nem logravam de moradia em zonas nobres da região metropolitana de São Paulo. Diversas entidades e grupos políticos de destaque nacional ou regional se fizerem presentes, tais como MTST, MST e UNE, além de outros grupos associados a partidos de políticos ou ideais de forte viés socialista.

 A despeito da existência de um consenso praticamente geral no que concerne a reprovação de um processo de impeachment contra a presidente Dilma, salvo em caso de denúncia de crimes de responsabilidade ou delitos de igual sordidez (posição esta corroborada também neste blogue no ensaio “Impeachment? Reação Conservadora?”), notou-se com facilidade, porém, forte desacordo dos participantes com as medidas do Planalto atualmente em curso. Aqui cabe destacar, dentre outros fatores marcantes, a reprovação do atual governo por quase metade dos presentes na manifestação, embora houvesse quem se posicionasse inteiramente contra o Partido dos Trabalhadores, independentemente de quem fosse o representante da soberania nacional; contra o atual mandato do poder executivo, inteiramente desalinhado com o discurso eleitoral que antecedera a vitória petista nas últimas eleições presidenciais e com as políticas econômicas e bonança e justiça sociais; contra o oportunismo dos partidos de oposição face às insatisfações populares e a polarização entre PT-PSDB no atual debate da crise política, bem como aos anseios horrendos de restauração ou intervenção militar; ou a favor da manutenção de programas sociais colocados em prática durante os últimos anos de governo petista e que se viram recentemente sob forte ameaça de redução de recursos ou mesmo de extinção.

 De todos estes fatos sumariamente expostos acima, fazemos duas observações importantes: é indubitável, primeiramente, que a existência de tais manifestações é saudável a um regime democrático na medida em que coletivamente (ou mesmo individualmente, no caso de uma manifestação ou crítica de um só indivíduo) dá voz e representatividade aos mais diversos setores que compõem a sociedade civil. A liberdade concedida à pluralidade de opiniões e à manifestação das mesmas, a livre reunião de indivíduos em prol de objetivos em comum e a possibilidade de desacordo face às posições de outros cidadãos, das inúmeras entidades políticas ou do próprio governo estabelecido é condição essencial ao florescimento de uma sociedade livre e em geral indicam a solidez ou o processo de solidificação das instituições que conferem sustentação a democracia. No entanto, é deveras válido ressaltar o fenômeno, particular às democracias de massa onde se corre a concorrência de partidos, a hierarquização de movimentos sociais e políticos e a conseqüente monopolização dos estratos sociais mais próximos. Em contradição com os anseios apaixonados de igualdade e soberania popular, praticamente todas estas associações padecem da hierarquização, ainda que não formal, de suas estruturas internas, nas quais uma grande parcela de seus integrantes parecem agir em consonância ao o que é promulgado ou ditado por uma cúpula ou representante da agremiação, onde a habilidades da liderança política e da condução de objetivos e estratégias elevam o indivíduo que o possui e um patamar de legitimidade desigual face a seus demais integrantes. E justamente neste fato reside o poder de monopolização das insatisfações populares através da canalização das vozes dispersas e perambulantes de uma grande massa desconhecedora dos caminhos pelos quais enveredar e das atitudes a tomar, o que faz gestar na última um sentimento de identificação e quase servilismo às propostas propaladas por um “órgão central”. Dito de outro modo, no que concerne ás manifestações dos últimos dias, deve-se ter a prudência, ao analisá-las, de tentar diferenciar o discurso cegamente difundido por movimentos sociais e políticos (ou mesmo partidos) das opiniões legítimas de cidadãos descontentes que podem não encontrar representação através destes meios. Com sabedoria, não se deve descurar da força de agregação e condução de grupos tais como MST, MTST, nem se deixar esquecer que as mesmas observações encontram validade nos movimentos e nas manifestações favoráveis ao cessar abrupto do atual governo executivo.

 Em segundo lugar, mas com relevância não menos importante no que tange aos acontecimentos recentes da política, denota-se, em grande medida, uma insatisfação e conseqüente perda de apoio por parte do Partido dos Trabalhadores de grupos e entidades que ardorosamente lhe costumavam conceder apoio e motivação às medidas promulgadas. De fato, antigos aliados, como MTST e UNE proclamaram a bom tom a reprovação com o atual estado de coisas, principalmente com o chamado desvio dos princípios de um governo notadamente orientado aos interesses sociais e populares. Mais uma vez, aqui se faz presente a circunstância que denuncia o atual estado de perda geral de apoio popular do qual se encontra enfermiço a atual presidente Dilma Roussef. O estremecimento de antigos e impávidos braços companheiros faz ressaltar ainda mais, faz decorrer ou decorre  (d)a inabilidade política de liderança e diálogo de nossa presidente com a oposição e com as bases aliadas nas Casas do Legislativo, que se associa fortemente ao desvanecimento da necessária personalidade política com acentuado poder de influência e capaz de levar a cabo as medidas promulgadas ou concatenar os próximos passos de uma gestão previamente planejada. Como conclusão, portanto, resta acautelar-nos com a moeda que se nos apresenta o fluir dos acontecimentos: por um lado, o otimismo face ao desgaste de um estilo de dirigismo central e planejamento econômico que põe em risco nossas liberdades e enfraquecem as conquistas individuais obtidas; e, por outro, a incerteza política do advir, que apresenta possibilidades desagradáveis de retomada da destinação de vultuosas parcelas do tesouro público a medidas assistencialistas e/ou o reforço das medidas de intervenção e regulação estatais na vida do cidadão, ameaça sempre constante no horizonte deste regime político. Resta, assim, torcer e agir para que os próximos acontecimentos concretizem mudanças futuras intencionadas a expansão dos poderes do indivíduo e à sociedade livre.


domingo, 23 de agosto de 2015

Ineficiência e Restrição



 Os graves problemas econômicos que atualmente assolam o Estado do Rio Grande do Sul e que de forma súbita tomaram as manchetes de muitos jornais pelo Brasil nos oferecem mais uma oportunidade de exemplificar quais são as implicações, na vida do cidadão comum, da expansão e do inchaço das máquinas governamental e burocrática, fenômeno o qual, distante de promover bem-estar duradouro e anular as desigualdades sócio-econômicas presentes nos contextos em que atuam, restringe desenfreadamente o âmbito das escolhas individuais e concorre para o recrudescimento da pobreza e das possíveis instabilidades institucionais já existentes.   

  Para contextualizar o leitor, fruto de um acúmulo de déficits e do agravamento da dívida do Estado ao longo dos últimos 40 anos, o eleitorado gaúcho hoje se depara com sua pior crise financeira dentre todo o período de sua existência: com um rombo nas contas públicas que pode chegar a cifra estonteante de R$ 5,4 bi ainda no final deste ano, e com a forte ameaça de calote perante ao Governo Federal, quase todo o serviço público rio grandense viu-se às margens de uma longa paralisação de seus mecanismos de funcionamento, incluindo seus servidores que, em razão do parcelamento de seus salários respectivos ao mês de julho, optam pelo cessar temporário de suas atividades como forma de protesto.  Além disso, algo que salta à vista quando nos deparamos com os detalhes de toda esta crise diz respeito, por um lado, à gestão ruim dos recursos captalizados e coordenados pelo Estado, uma vez que praticamente 73% de toda a sua receita é destinada ao pagamento dos servidores públicos enquanto serviços básicos fornecidos univocamente por vias públicas carecem de eficiência e qualidade; e ao anúncio do atual governador José Ivo Sartori, o qual asseverou no último dia 20/08, que submeterá à Câmara dos Deputados do Estado medida que propõe a elevação da alíquota dos impostos sobre a circulação de mercadorias e serviços (ICMS) e sobre a gasolina, álcool, telecomunicações e energia elétrica com a finalidade exclusiva de apresentar soluções e alternativas para esta vultuosa instabilidade.

 Como se pode notar, agora, juntamente aos efeitos nocivos oriundos de políticas econômicas nacionais voltadas ao consumo e financiamento de crédito irresponsáveis e à irresponsabilidade fiscal como meio de tentar apaziguar as mazelas sociais da pobreza e da desigualdade, os cidadãos de todo o Rio Grande do Sul vêem-se diante de uma nova restrição em seu poder econômico e social, que, por um lado, diretamente acarreta numa redução de consumo dos itens sobretaxados por parte de uma classe média massificada e numa possível abstenção de consumo destes bens por outra grande parcela da população que ainda minimamente gozava do uso dos mesmos; e, por outro, acarreta na redução da produção e confecção dos mesmos em virtude da queda de seu consumo, o que conduz, necessariamente, a elevação das taxas de desemprego. Como conseqüência, não apenas tais medidas afetam profundamente as camadas mais desprestigiadas do eleitorado gaúcho, que, sem alternativas senão empregar os poucos vencimentos que possuem ao uso de serviços públicos insatisfatórios (ou carecer em absoluto de seu usufruto), tais como saúde, educação, energia e transporte, adoecem maculados por esta deficiência estatal; como, no oposto deste conjunto de cidadãos, os grupos detentores de grandes riquezas permanecerão com seus altos padrões de qualidade de vida.   

 E a situação pode ainda incorrer em agravo caso, em via oposto às medidas tomadas na urgência do momento – cortes orçamentários através da redução de cargos e funções dentro do inchado sistema público – se decida, pautado sobre discursos de fornecimento indiscriminatório de outros tipos de bens, por uma regulamentação maior ou por uma nova intervenção em setores onde há ainda relativa liberdade econômica, porquanto, ausente o mecanismo impessoal de estabelecimento de preços e quantidades segundo vontades subjetivas livres, não seja factível calcular a real dimensão dos custos necessários e dos ganhos futuramente obtidos, incorrendo, desta feita, na manutenção do déficit público.

 Aqui cabe desviar o espírito crítico aos efeitos políticos desta crise e de suas restrições econômicas. Diante de obstáculos como a burocracia, alta carga de impostos, monopólios estatais e a queda de consumo, a livre-iniciativa e a competição entre atores econômicos e políticos tende a esmorecer, enquanto concentrações de renda provocadas pela restrição de consumo sobre as parcelas mais pobres podem conduzir, como já o fizeram em grande parte das situações nas quais fenômenos semelhantes ocorreram, à concentração de meios de veiculação de informação e de subsídios a partidos políticos e ações governamentais, o que certamente resulta no fenecimento do pluralismo político e no agigantamento das operações ilícitas ligadas à corrupção e a manutenção de poder através de ações coercitivas contra fontes de inovação e de novas idéias. Convém aquiescer, para maior consternação diante dos fatos, que esta realidade de déficit estatal e de dívida pública face à união é comum a todos os Estados da federação, que padecem, em maior ou menor grau, do comprometimento de suas receitas (aproximadamente 70%)apenas com o pagamento dos servidores.

Desta feita, esta situação calamitosa serve-nos como mais um exemplo da redução das liberdades individuais, valores caros a qualquer regime que se queira democrático, quando coibidos por uma portentosa maquinaria pública. De forma breve, como desfecho, apenas citamos uma característica intrínseca ao funcionamento do sistema público em geral, que aqui se encontrou brevemente analisada: além da ineficácia e péssima qualidade freqüentes de seus serviços, resulta da concentração de poder em suas mãos o desperdícios de recursos, a irresponsabilidade fiscal, o espólio das propriedades dos pagadores de impostos e clemência por mais arrecadação e financiamento quando seus objetivos não são contemplados, sob a inferência de que faltam investimentos neste ou naquele determinado setor. E a única forma de entrever embate contra este mal reside na base de uma sociedade livre: mais liberdade e poder ao indivíduo.  

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Impeachment? Reação Conservadora?


  A passagem de ano de 2014 a 2015 e os primeiros meses que imediatamente se lhe  sucederam pareciam nos transmitir um fato um tanto quanto novo no atual cenário político-econômico brasileiro. Sem esforço, poder-se-ia mesmo dizer que tal fenômeno se nos apresentaria como algo inteiramente novo, nunca antes visto em nossa História política. Aquilo que teve suas origens já durante as eleições presidenciais em 2014 e que pode ter atingido seu paroxismo na concretude das últimas manifestações do dia 16 de agosto e na polêmica declaração do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso proferida no dia seguinte ao ato, prefigura, segundo opinião de muitos, uma chance real de ruptura abrupta do atual mandato em exercício da presidente da República.  

  A eleição de Dilma Roussef a partir de uma maioria quase ínfima de votos, juntamente com as subseqüentes críticas aos anos anteriores de condução petista dos negócios do poder executivo após anúncio da vitória, nos revelava, sem dúvida, um descontentamento progressivo de parte importante do eleitorado com as arregimentações do edifício sócio-econômico representado por este e outros partidos. Aquilo que tais manifestações e muitas outras ocorridas meses antes por todo o território Nacional personificavam e ainda personificam consiste no desgaste ou no desencantamento com um determinado modelo sócio-econômico de organização das complexas e diversas atividades humanas baseado em certos princípios econômicos e políticos completamente avessos a idéia das restrições das esferas de ação dos poderes governamentais. Vem à tona, deste modo, uma completa insatisfação com os efeitos oriundos das principais facetas de tal modelo: a redistribuição coercitiva de renda, a progressiva taxação governamental, a excessiva regulamentação estatal em diversos setores da economia e conseqüente redução de ambientes concorrenciais e competitivos, o financiamento e liberação inconseqüentes dos mecanismos de crédito voltados a financiar o consumo, a expansão da burocracia, os quais, todos juntos e somados cada um a seus modos, nos levam a desesperançosas previsões acerca da qualidade de vida do cidadão brasileiro nos próximos anos que estão por vir.  E tão importante quanto a denúncia de seus efeitos – inflação, alto déficit público, inadimplência, aumento de taxas de desemprego – é a ênfase sobre a necessidade de medidas de coerção cada vez mais freqüentes por parte da autoridade governamental para tornar factíveis a execução de tais planejamentos, porquanto o grau de regulação exigido, por exemplo, para redistribuir segundo planejamento prévio a renda produzida demanda um aparelho rigoroso de captação e quase orientação dos recursos e bens produzidos em nossa economia. Desse modo, a ameaça às liberdades individuais através do crescente constrangimento do cidadão brasileiro à efetivação de escolhas involuntárias compõe tópico de flagrante crítica e atenção da opinião pública e individual de cada cidadão.

 Com efeito, parece se evidenciar uma certa tomada de consciência inédita da sociedade quanto ao caráter essencial e historicamente construído do Estado brasileiro, o qual se identifica com um termo cujo uso vê-se alvo de constantes críticas por grande parte da esquerda de nosso país. Pode-se afirmar que, pela primeira vez em nossa História, deparamo-nos com um descontentamento geral da sociedade civil face ao “Paternalismo” intrínseco às operações do poder político constituído aqui desde tempos muito pretéritos. A acepção de que o Estado, muito mais do que assegurar a salvaguarda imutável dos valores de preservação das condições mínimas da democracia e vida em sociedade, deve, necessariamente, promover, de alguma forma, ao progresso da nação parece encontrar-se, finalmente, sob desconfiança total e descrédito. Pelo menos em algumas vozes do coro dissidente faz-se possível localizar o discurso que promove, com consciência do que é de fato difundido, ser este o momento oportuno para a realização de mudanças fundamentais que dizem respeito à promulgação de um Estado mínimo afeiçoado às liberdades econômicas e política.

  Contudo, é neste momento de possível irrupção do novo que um velho opositor das liberdades encontra oportunidade para abarcar novo fôlego e emergir novamente. É, mais uma vez, sem dúvida certo, que a reprovação do “atual estado das coisas” é sentimento partilhado por quase todos que estão às ruas manifestando repto aos representantes ladinos do verdadeiro soberano da democracia. Por outro lado, é penoso, forçoso e impossível mensurar neste turbilhão efervescente de opiniões vivas e vigorosas qual o real anseio de sua maioria mais comum, como também não é crível – para boa parte, creio, dos indivíduos que compõem a imensa parcela descontente -, tragicamente, associar a tomada de consciência a respeito do caráter histórico do Estado e de suas funções com a conclusão de que a delegação de problemas exclusivos das esferas sociais e econômicas ao âmbito do político constitua causa primordial das tiranias observadas ao longo não somente de nossa história.  A vivacidade com que o presente nos conclama à reforma e a incerteza do futuro do político, do nosso político em razão dos diferentes “futuros” que se podem conceber a partir das alternativas possíveis no “agora” põem em relevo o risco que cerca a toda a gente. A constatação de que a imoralidade da corrupção é fator endêmico de nossa cultura, mais do que fenômeno restrito a alguns âmbitos ou partidos, não deve, de forma alguma, fomentar nova antiga idéia de que apenas o Estado –e somente ele – é a entidade capaz de suplantar a pobreza de seu habitantes e educá-los com a finalidade de salvaguardá-los da miséria da imoralidade e da ilicitude.

  Analogamente, o anseio de deposição de nosso governante máximo por meio de um processo de Impeachment encerra também perigos ocultos. Aos olhos da democracia, este processo se constitui como o instrumento derradeiro de proteção de nossa soberania face à usurpação do poder por parte do governante e das idéias que lhe acompanham e lhe motivam. Pelo viés da ponderação e da prudência, no entanto, o apanágio apresenta uma segunda face que encontra termo na expressão da instabilidade de nossas instituições políticas e na vacuidade de poder que lhe pode sobrevir como herança imediata. A possibilidade de que o sucessor do governante em caso de deposição ascenda sem bases ou apoio popular para governar não deve ser excluída, e é ante à fragilidade do poder e das instituições que as nossas liberdades cívicas encontram sua maior ameaça. A inação do político pode dar lugar à univocidade da força e do autoritarismo.    

 Salvo em caso de evidência, superior a dúvida, de um crime de responsabilidade ou de outro delito hediondo à “pátria amada”, o impeachment da atual presidente nos aparece como um último recurso. Com similaridade prefigurada, convém não esquecer nem duvidar que os cortes orçamentários e a redução do alcance financeiro de programas federais de auxílio resultam da precariedade na qual os cofres do erário vieram a se estabelecer, e, infelizmente, não se originam de um planejamento destinado a conferir o máximo possível de autonomia aos contribuintes. É necessário, portanto, advogar em nome de uma nova visão de organização das atividades que residem no seio de nossa sociedade e não mais permitir que o Estado, ou o governo, arrogue a si funções que não lhe cabem.     

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Miopia Ideológica


 Nada é tão necessário ao senso investigativo de um leitor do que a habilidade de extrair do texto sobre o qual se debruça o real sentido e conclusão que o mesmo apresenta. Uma concessão, é claro, fazemos: nem todo estilo de leitura tem por finalidade destrinchar de forma pormenorizada as sentenças, argumentos e inferências lógicas que compõem seu objeto. Verdadeira severidade seria desestimular o leitor acostumado à contemplação literária por dele aguardar uma resolução que não é exigida pelo contexto.

 Caracterizações à parte, a asserção inicial deste ensaio nos conduz, quando manuseada como medida de análise do conteúdo que segue abaixo, a seu contrário, que expressamos como a absoluta (des)necessidade de inferir do conteúdo observado aquilo que não se lhe está presente.  Tão ruim quanto, é absoluta frivolidade, fruto de arroubos desenfreados, tentar erigir-lhe tese anteposta sem considerar seus pontos centrais.

 O caso em questão, que serve de exemplo adequado à exposição, teve nova oportunidade de se suceder quando certas críticas a uma pequena postagem em rede social do ex presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, tomaram corpo e vieram a público imbuídas de um forte senso de reprovação. Oriundas, num primeiro momento, de profissionais da política pertencentes ao Partido dos Trabalhadores, a réplica nelas contida logo se difundiu para outros setores, denotando sua sutil finalidade de contrabalançar o sentido efetivo de uma declaração através de um piparote que convida a denegrir a integridade moral e a coerência do argüidor.   
 Nesta segunda-feira que se sucedeu às últimas manifestações de 16/08, o ex chefe de governo assim escreveu:

"O mais significativo das demonstrações, como as de ontem, é a persistência do sentimento popular de que o governo, embora legal, é ilegítimo. Falta-lhe a base moral, que foi corroída pelas falcatruas do lulopetismo. Com a metáfora do boneco vestido de presidiário, a Presidente, mesmo que pessoalmente possa se salvaguardar, sofre contaminação dos malfeitos de seu patrono e vai perdendo condições de governar. A esta altura, os conchavos de cúpula só aumentam a reação popular negativa e não devolvem legitimidade ao governo, isto é, a aceitação de seu direito de mandar, de conduzir. Se a própria Presidente não for capaz do gesto de grandeza (renúncia ou a voz franca de que errou, e sabe apontar os caminhos da recuperação nacional), assistiremos à desarticulação crescente do governo e do Congresso, a golpes de Lavajato. Até que algum líder com forca moral diga, como o fez Ulysses Guimarães, com a Constituição na mão, ao Collor: você pensa que é presidente, mas já não é mais".    

Com o dever inicial, para sua total compreensão, de delinear o contexto ao qual a declaração se insere, talvez não seja agir de forma demasiadamente arbitrária tomá-la como mensagem endereçada ao discurso da Presidente Dilma Roussef feito ainda na semana anterior, no qual, com vistas a redargüir a posição favorável a sua deposição via impeachment, ancorava a legitimidade de seu governo no sufrágio universal que a elegera. Na ocasião, a menção ao ápice da vida democrática tinha por função oferecer respaldo a seu governo que numa onda crescente de instabilidades se vira tomado pela redução dos poderes de barganha com as Casas da União e do apoio popular, outrora amplo.  Desta forma, a declaração do ex presidente tucano pode ser vista como destinada a contrabalançar a associação estabelecida entre legitimidade e voto a partir da inserção, neste debate, de outros elementos caros à constituição de uma democracia.

 De volta à postagem: “O mais significativo das demonstrações, como as de ontem, é a persistência do sentimento popular de que o governo, embora legal, é ilegítimo. Falta-lhe a base moral, que foi corroída pelas falcatruas do lulopetismo”. Com efeito, se é consenso que o caráter lícito e legítimo de um governo em um regime político assentado sobre o princípio da soberania do povo origina-se no sufrágio, concede-se também ao mesmo regime sua forte dependência das percepções e das formas como o eleitor enxerga as medidas que são tomadas. Próximo de outro princípio assaz fundamental, identificado como a possibilidade deste mesmo povo subtrair do representante máximo o poder que lhe foi diretamente concedido, isto equivale a dizer que a visibilidade do governo por parte do eleitorado constitui parâmetro, ainda que dubitável, capaz de mensurar os limites e flexibilidades da ação política do governante numa dada situação. O que as últimas manifestações do dia 16/08 demonstram, juntamente com as recentes pesquisas de visibilidade da opinião pública sobre o atual governo Dilma é sua avassaladora perda de apoio popular que pode, na opinião de FHC, comprometer suas condições e escopo de ação e medidas atualmente em curso. Os escândalos recentes associados ao avanço da operação Lava-Jato e a crise econômica que demonstra estar ainda em seu início representam, para o cidadão comum, a corrosão das bases e dos valores de idoneidade, gestão respeitosa e eficiente de recursos públicos e das finanças advindas da tributação e eliminação da pobreza sobre os quais se alicerçavam o edifício político do atual mandato. De certa forma, a perda de confiança e sentimento de traição que boa parte da parcela da população parece nutrir em relação ao governo Dilma em última instância faz gestar no “seio do povo” não apenas o réprobo diante do que se agiganta a nossos olhos, mas a perda do reconhecimento geral da autoridade e justeza de sua ação política. O elo entre a legitimidade e o voto, segundo FHC, aqui parece, portanto, ter se rompido ou carecer de sentido na medida em que se põe em questão o sufrágio como garantia exclusiva de uma democracia.    

 Em adição, se por outro lado trazemos a discussão presente para a ótica de outro elemento não menos importante do governo democrático, a saber, a divisão de poderes, salta aos olhos a perda de apoio do poder executivo dentro das Casas do Senado e da Câmara. Nos termos do ex-presidente: “A esta altura, os conchavos de cúpula só aumentam a reação popular negativa e não devolvem legitimidade ao governo, isto é, a aceitação de seu direito de mandar, de conduzir.” A esterilidade do diálogo político e de tentativas de estabelecer ações conjuntas entre executivo e legislativo, tal qual proposto, por exemplo, pelo senador Renan Calheiros, evidenciam a estreiteza do escopo de ações possíveis em que estacionou o atual poder executivo. Tão importante quanto as reações negativas populares neste cenário são as reações de reprovação manifestadas no Congresso que subtraem também, por seu turno, qualquer força moral da Presidente e colocam em xeque sua atual capacidade de conduzir os negócios da política.  E como fator resultante desta inação política, resta a FHC concluir: “Se a própria Presidente não for capaz do gesto de grandeza (renúncia ou a voz franca de que errou, e sabe apontar os caminhos da recuperação nacional), assistiremos à desarticulação crescente do governo e do Congresso, a golpes de Lavajato.” Dito de outro modo, face ao estado em que parece se encontrar a Presidente – acuada por todos os lados e moralmente abatida pela perda de boa parte de sua força – a situação tende a se agravar se nenhuma atitude for tomada neste momento. A busca por uma conciliação deve ser enfatizada e levada à prática o mais breve possível, antes “que algum líder com forca moral diga, como o fez Ulysses Guimarães, com a Constituição na mão, ao Collor: você pensa que é presidente, mas já não é mais".

 O sentido real da declaração, mais do que incentivar um debate acerca das ilicitudes que rodeiam ou não um partido que possui sua identificação máxima com um símbolo da luta dos trabalhadores do Brasil, reside – a meu ver, é claro - no aviso desesperançoso, fruto de análise da penosa instabilidade que hoje nos governa, acerca do futuro lastimoso que se avizinha com força nos quadros da política. Me é triste observar, porém, como alguns representantes políticos, formadores de opinião e diversos bloguistas se furtam, em razão, possivelmente, de uma miopia ideológica, a este debate através de uma suposta réplica ao texto e seus argumentos fundamentada sobre juízos de valor dirigidos ao autor do texto. Longe de propor uma verdadeira competição entre espoliadores do tesouro e da máquina pública a fim de desvendar seu mais perito contendor, é possível extrair do texto sua finalidade de apresentar um ponto de vista a respeito de nossa atual crise política, sem permitir, por seu conteúdo, fundamentar uma nova teoria sobre o momento mais oportuno de renúncia de um Presidente que deva se aplicar a todas as situações em que o fenômeno de reprovação popular e do descrédito de suas ações advir. Por fim, FHC não parece propor um novo princípio teórico, mas antes apenas parece exercitar a faculdade de aplicar princípios da política às situações concretas deste próprio âmbito.  E é inegável como é infrutífero propor uma crítica sem entender a posição que a provoca.