"Quando vejo o princípio de liberdade em ação, vejo agir um princípio vigoroso, e isto, de início, é tudo que sei. É o mesmo caso de um líquido; os gases que ele contém se liberam bruscamente: para se fazer um julgamento, é necessário que o primeiro movimento se acalme, que o liquido se torne mais claro, e que nossa observação possa ir um pouco além da superfície".
Edmund Burke.

sábado, 25 de fevereiro de 2017

Você sabe como o comércio livre pode ser bom para todos? Entenda a teoria da Vantagem Comparativa


 Comumente vejo por aí muitas críticas ao livre comércio e à ideia de especialização do trabalho que a acompanha. A principal delas diz respeito á dependência ou falta de uma suposta autossuficiência que o comércio poderia provocar, especialmente no que diz respeito aos países subdesenvolvidos. Outros argumentam, tal como faz Há Joon Chang, que a ideia de livre comércio é benéfica apenas para as nações já desenvolvidas – o outro lado da moeda da teoria da dependência, em que o livre comércio seria a ferramenta perfeita para impedir o desenvolvimento da indústria e da tecnologia em países assentados sobre a atividade agropecuária e eminentemente extrativista – e, como tal, não deve se aplicar aos países emergentes ou pobres. Num lado mais radical, há também aqueles que afirmam que o comércio representa simplesmente a expropriação de riqueza de alguns por parte de outros que se encontram em posição mais privilegiada.

 Seja por esta visão da soma zero, seja pela visão de que o livre comércio instalou-se em países desenvolvidos quando estes já tinham condições avançadas de infra-estrutura e mão de obra produtiva, a questão das vantagens inegáveis do regime de livre comércio é praticamente obnubilada por um forte viés ideológico que tende a jogar o ônus de sua operação justamente sobre os mais vulneráveis.

 Para entender como funciona a “mágica” do crescimento do bem estar geral provida pelo comércio, é necessário ter em mente que estas críticas costumam confundir conceitos econômicos diferentes no tocante ao fator riqueza e produtividade.  Adam Smith, em a Riqueza das Nações, definiu a riqueza de uma forma diferente como até então os teóricos mercantilistas de então, como Turgot e Quesnay, a entendiam. Para o escocês, esta, distante da acumulação de metais preciosos ou do dinheiro que servia meramente como facilitador das trocas comerciais, devia ser definida como o conjunto de bens e serviços produzidos por uma determinada comunidade, dentro de um certo recorte temporal – o que implicava situá-la como sinônimo do acesso a bens e serviços.

 Como sabemos, o fator riqueza ou crescimento de uma nação passava assim a ser atrelado à divisão do trabalho e ao comércio. Ao primeiro, porque justamente a divisão de tarefas e a especialização permitem um incremento na quantidade final de um bem produzido sem necessitar, por isso, de um aumento no esforço, na quantidade de insumos ou no tempo despendido para sua produção. Ao segundo, porque consiste na condição de possibilidade de especialização do trabalho e de satisfação das necessidades humanas sem precisar fazer de cada ser humano um mestre na produção de tudo aquilo que necessita para sobreviver, algo que, convenhamos, é impossível. É justamente o comércio ou a economia de mercado o instrumento de coordenação das atividades humanas que permite a cada agente dedicar-se à busca do interesse próprio de forma muito mais pacífica do que praticamente qualquer outro sistema político, econômico ou social. Nesse sentido, a descentralização dos processos de tomada de decisão, feitas por inúmeros agentes econômicos em interação e que caracteriza a economia de mercado, funciona como um mecanismo de ajuste eficiente entre as inúmeras vontades individuais, muitas vezes conflitantes, que residem no seio de um mesmo grupo.

 O fator produtividade, portanto, e que hoje definimos como a quantidade de um determinado bem ou serviço produzida por unidade de insumo, é essencial para determinar as possibilidades de produção e, igualmente, de consumo de uma comunidade ou nação. Ou seja, à medida que os fatores de produção, como, por exemplo, a formação de mão de obra, a tecnologia e o capital, se desenvolvem, a quantidade de bens e serviços produzida por unidade de insumo se eleva, o que, por fim, nos conduz a uma riqueza ou bem estar econômico maior. Para ilustrar este raciocínio considere o exemplo trazido pela tabela abaixo, que resume a produção de um país imaginário, a que chamarei de “Marte”:

QTDE QUE PODE SER PRODUZIDA POR INSUMO
PERÍODO A (12/2016)
PERÍODO B (01/2017)
SOJA, EM KG
2000
2976
TVs, POR UNIDADE
680
744

 Neste país imaginário[1], graças à melhoria dos fatores que influenciam diretamente na produtividade do trabalho[2], obtivemos, na virada de um ano para outro, um aumento na possibilidade de produção da quantidade de dois bens e, consequentemente, de expansão das possibilidades de consumo. Utilizando os mesmos recursos, mensurados pelo tempo (dias do mês), Marte tornou-se capaz, em janeiro deste ano, de produzir um total de 2976 kg de soja ou (tenhamos sempre em mente a realidade da escassez de recursos) 744 televisores, ou qualquer quantidade destes bens que possa ser compatibilizada utilizando a combinação dos recursos disponíveis na produção de ambos – uma combinação final, por exemplo, de 1488 kg de soja e 372 televisores, que representa o emprego igualmente dividido dos recursos disponíveis na produção dos dois bens. A divisão do trabalho e a especialização permitiram que a riqueza da nação e o bem estar da população – que poderá contar agora com televisores e carne a preços e qualidade mais acessíveis – tivessem um forte incremento dentro do período registrado.

 Agora, tomemos como comparação este outro país imaginário, a que chamarei de “Júpiter” no tocante à produção dos mesmos produtos:
QTDE QUE PODE SER PRODUZIDA POR INSUMO
PERÍODO A (01/2017)
PERÍODO B (02/2017)
SOJA, EM KG
4000
4464
TVs, POR UNIDADE
2160
2232

 Como pudemos observar, Júpiter apresenta uma produtividade e uma condição de possibilidade de produção superior a Marte. Como consequência, seus habitantes gozam de uma possibilidade de consumo maior do que aquela observada em Marte (por exemplo, 2232 kg de soja e 1116 televisores produzidos no mesmo mês), fazendo com que, em termos absolutos, Júpiter seja uma nação mais rica e com maior bem estar do que a primeira.

 A este tipo de comparação, que mede unicamente a produtividade de dois agentes diferentes, denominamos de vantagem absoluta. Júpiter possui, em termos absolutos, vantagens na produção de carne e televisores, afinal necessita de uma quantidade menor de insumos para produzi-los, neste caso o próprio insumo tempo. Noutros termos, sabendo que ambos os meses possuem 31 dias, um total de 44640 minutos, Marte levaria no mês passado 15 minutos para produzir 01 kg de soja ou 60 minutos para produzir 01 televisor, ao passo que Júpiter levaria apenas 10 minutos para entregar 01 kg de soja ou 20 minutos para produzir 01 televisor. 


 Agora, porém, imaginemos que ambos os países estejam lidando com uma situação extremamente difícil de resolver: seus respectivos habitantes estão sequiosos ou necessitam consumir mais de ambos os bens produzidos, mas, dadas as condições atuais de produção, que não podem ser melhoradas por hora, torna-se impossível obter um resultado mais satisfatório. Isto porque, dadas a escassez dos recursos e a atual limitação das condições de produção, fabricar mais de um bem incorrerá produzir uma menor quantidade de outro. Em termos numéricos, se os habitantes de Marte desejarem consumir 2 toneladas de soja, ver-se-ão obrigados a ter apenas 244 televisores à disposição para consumo. Já os habitantes de Júpiter, se desejarem ter 1.300 televisores, precisarão reduzir a produção de soja para apenas 1866 kg.  E, então, como resolver este impasse?

 A alternativa se dá justamente pela via do comércio. E é justamente esta alternativa que costuma ser mal interpretada por aqueles que se opõem ao comércio entre pessoas e nações. Diferentemente de seus detratores, o livre comércio é extremamente benéfico para os países que não possuem vantagens absolutas relevantes. A ideia de proteger a indústria interna ou atividade doméstica da concorrência estrangeira não possui impactos práticos positivos para nenhum dos agentes inseridos num processo de trocas comerciais, e provoca a longo prazo distorções e ineficiências mais profundas justamente nos países menos produtivos.

 Para entender isso, é necessário inserir outro conceito muito importante: o custo de oportunidade. Como vimos, em Marte, leva-se 15 minutos para se produzir 01 kg de soja, e 60 minutos para se fazer 01 televisor. Dito de outro modo, há uma relação de custo na combinação de produção de ambos: para fazer 01 televisor, os habitantes de Marte precisam abrir mão de fazer 04 kg de soja; e, para produzir estes mesmos 04 kg, abrem mão de apenas um televisor. É a esta relação que denominamos custo de oportunidade - o custo para se obter um bem é igual aquilo que se abre mão para obtê-lo. O custo de oportunidade na produção de 01 kg de soja é igual a ¼ de 01 televisor, ao passo, que inversamente, o custo de oportunidade de 01 televisor é de 04 kg de soja.

 O mesmo raciocínio aplica-se a Júpiter. Por levar 10 minutos para produzir 01 kg de soja e outros 20 minutos para produzir 01 televisor, o custo de oportunidade do primeiro bem é de ½ televisor, enquanto o custo de oportunidade deste é de 02 kg de soja. Para ilustrar melhor esta relação, veja esta oura tabela:

PAÍSES
CUSTO DE OPORTUNIDADE/SOJA
CUSTO DE OPORTUNIDADE/TELEVISORES
MARTE
¼ TELEVISOR
04 KG DE SOJA
JUPITER
½ TELEVISOR
02 KG DE SOJA

 Isto significa, em resumo, que o produtor que necessita abrir mão de uma quantidade menor de um bem para produzir outro possui um custo de oportunidade menor para esta confecção. No caso assinalado, por abrir mão de uma quantidade menor de televisores para produzir 01 kg de soja, Marte possui um custo de oportunidade menor para produzir este bem, enquanto Jupiter, por abrir mão de uma quantidade menor de soja para produzir 01 televisor, desfruta de um custo de oportunidade menor para produzi-lo.

 À comparação entre os custos de oportunidade de dois produtores chamamos de vantagem comparativa, e ao produtor que possui um custo de oportunidade menor na produção de determinado em relação a outro produtor dizemos que possui uma vantagem comparativa em relação a este. E será justamente esta vantagem comparativa que irá permitir aos habitantes de cada país aumentar a quantidade de consumo desejada dos dois bens sem ter de, com isso, depender da melhoria das possibilidades de produção.

 Para obter os 2.000 kg de soja tão desejados, Marte poderá especializar-se na produção deste bem e, através do comércio com Júpiter, aumentar também a quantidade de televisores disponíveis para consumo interno sem necessitar de uma quantidade maior de insumos, como tempo de trabalho, mão de obra ou capital. Neste caso, por exemplo, Marte poderia dedicar todo o tempo disponível para a produção de soja, enquanto Jupiter poderia dedicar 75% dos mesmos recursos para a produção de televisores. Veja abaixo a quantidade de cada bem produzido dada esta divisão:
PRODUTO
MARTE
JUPITER
QUANTIDADE DE SOJA
2976
1116
NUMERO DE TVs
0
1674

 E, produzidas estas quantidades, Marte e Jupiter poderiam estabelecer uma relação comercial para trocar entre si as unidades excedentes de acordo com os níveis desejados de consumo mencionados anteriormente: Marte venderia 976 kg de soja em troca de 474 televisores de Jupiter, já que este deseja ter 1300 televisores e o primeiro 2000 kg de soja, sem, contudo, sofrer redução no consumo do outro bem. Realizada a troca, veja a quantidade de bens disponíveis para consumo em cada país:
PRODUTO
MARTE
JUPITER
QUANTIDADE DE SOJA
2000
2092
NUMERO DE TVs
374
1300

 Como podemos observar, graças à especialização do trabalho propiciada pelo comércio, tanto Marte quanto Jupiter puderam expandir as possibilidades de produção, isto é, tanto os habitantes do primeiro quanto do segundo obtiveram uma quantidade maior de ambos os bens para consumo, o que significa que o acesso aos mesmos foi facilitado, elevando desta forma o bem estar geral e a quantidade final de produção sem necessitar de uma quantidade maior de insumos. No primeiro caso, se antes Marte devesse ver o consumo de televisores ficar restrito a 244 unidades caso quisesse produzir 2000 kg de soja, agora pôde obter 374 televisores sem com isso precisar reduzir a quantidade de soja disponível para consumo. Um aumento incrível de 70% no número de televisores! No segundo caso, se antes Jupiter tivesse de ficar restrito a ter apenas 1866 kg de soja á disposição caso concentrasse a produção em 1300 unidades de televisores, após a permuta conseguiu obter 2092 kg de soja, sem precisar abrir mão de nenhuma unidade dos 1300 televisores. Um aumento de mais de 12%, pequeno se comparado a Marte, porém importantíssimo aos habitantes dos dois países, que passarão a desfrutar agora de um bem estar econômico maior do que se tivessem optado pela via da autossuficiência.


 Repare que o aspecto mais notável de todo este processo é que, contrariamente ao que poderiam afirmar seus críticos, foi o comércio livre o fator que mais trouxe benefícios ao país mais “pobre” nesta relação comercial. Claramente, Marte obteve um benefício, em termos de riqueza e acesso a bens de consumo, exponencial e maior, em termos relativos, do que seu concorrente (e parceiro de negócios) Júpiter. E isto só foi possível porque, mesmo em condição de “subdesenvolvimento” em relação a Júpiter, pela ótica dos custos de oportunidade, Marte possuía uma vantagem comparativa em relação a ele que pôde ser explorada por seus habitantes.

 A grande confusão que muitas vezes induz protecionistas e críticos do livre comércio ao erro situa-se ao fato de confundirem a prática do mercado com uma relação simples entre vantagens absolutas, isto é, tomam como critério de julgamento do comércio a vantagem absoluta – e não comparativa – que um determinado país possui quando comparado a outro. Mesmo em condições de desvantagem absoluta, países relativamente pobres como Marte possuem poder de barganha em relação a outros concorrentes e parceiros comerciais devido às vantagens comparativas que possui.

 Em termos ainda mais específicos, mesmo quando se afirma que a vantagem comparativa produz dependência de um país em relação à produção sofisticada de outro, não podemos deixar de lembrar que esta relação de dependência é também verdadeira para o agente mais rico nessa relação comercial. No caso em questão, da mesma forma como a queda no preço da soja pode prejudicar Marte, a subida neste preço pode igualmente prejudicar Júpiter. O aspecto fabuloso desta questão é que é o fator produtividade, é a especialização numa determinada atividade que confere a um país uma competividade maior no setor internacional, à imagem do que ocorre no mercado doméstico quando a maior produção de um determinado bem reduz seu preço final e facilita o acesso, principalmente para as camadas mais pobres da população. Tal como muitos países no comércio internacional real, como Chile, Canadá, Perú, Rússia, Irlanda, Nova Zelândia, Paraguai, foi a especialização naquilo que faziam de melhor que tornou sua produção competitiva e vantajosa em termos comerciais, resultando num crescimento da riqueza total.

 De fato, é extremamente difícil imaginar que seja possível possuir vantagens absolutas em todos os setores da economia, o que significa dizer que a ideia de autossuficiência é falaciosa e traz apenas resultados ruins para todos. Em maior ou menor grau, a interdependência é o que nos define nessa complexa rede de relações que chamamos de capitalismo. Desde os inícios esquecidos das muitas civilizações humanas, o comércio sempre foi a alternativa mais eficiente e viável para a satisfação de necessidades que, sozinhos em nosso ambiente, não seriamos capazes de satisfazer adequadamente. O comércio livre é bom para todos justamente porque permite expandir nossas possibilidades de consumo sem precisar com isso trabalhar mais ou empregar uma quantidade maior de recursos. Numa troca livre, todos os agentes envolvidos só têm a ganhar, e isto ocorre justamente devido ás vantagens comparativas.




[1] Para fins de brutal exemplificação, tomaremos como exemplo apenas a produção de dois produtos diferentes.
[2] Assumimos que o país em questão tenha como arranjo sócio econômico uma economia de mercado pautada pela divisão e especialização do trabalho. 

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Apropriação Cultural – Histeria Racista



 Na onda do último debate a respeito da apropriação cultural, muitos artigos interessantes, pró e contra aos conceitos de apropriação cultural conforme veiculados pela militância, inundaram a timeline de muita gente. A sensação que ficou disso, pelo menos para mim, é que há uma certa histeria a imperar na mentalidade e nos movimentos de esquerda.

 Em especial, quero me referir a este excelente e, ao mesmo tempo precário, artigo publicado na plataforma Geledes[1].  Excelente porque consegue retratar a permanência do racismo nos meandros de nossa tessitura social e porque é rico nas referências que traz à discussão. Precário, porém, porque lhe parece faltar uma certa objetividade científica, principalmente no que consiste à análise dos dados estatísticos; porque desconhece a origem, importada do multiculturalismo norte-americano, das pautas do movimento negro brasileiro e, também, porque esbarra em lugares-comuns  que só fazem reforçar a transposição de um ideário de luta de classes para um contexto racial muito mais ideológico do que propriamente objetivo.

 Em primeiro lugar, é sem dúvida, certo que a escravidão, de todas as nossas instituições passadas, é aquela que nos legou a principal nódoa para o desenvolvimento econômico, social e político – da mesma forma como é indubitável que a figura do negro, para utilizar uma metáfora, não foi convidado para a festa da democracia brasileira. No entanto, cabem aqui algumas observações importantes. Tal como o diz Joaquim Nabuco, em sua obra O Abolicionismo, obra cuja leitura recomendo fortemente, a escravidão moldou de tal forma o ethos brasileiro que passa a ser difícil dizer que apenas uma parcela da população sofreu de suas consequências na época de sua vigência ou ainda sofre nos dias de hoje. Isto porque, tal como o pernambucano afirma nos capítulos dedicados às consequências econômicas e sociais do “elemento servil”, a escravidão desestimulou ao longo de séculos o trabalho livre e fomentou a concentração urbana nos poucos pontos em que as atividade extrativas baseadas na mão de obra escrava eram sólidas.

 As consequências foram claras: a mão de obra livre sem recursos para a aquisição de escravos – que constituía a grande maioria dos homens livres, afinal apenas uma pequena parcela da população livre brasileira à época era formada de proprietários rurais e donos de escravos – vivia numa condição de miséria semelhante aos escravos. Para conseguir sobreviver, seus representantes passaram a ter de viver em pequenas terras dentro de grandes proprietários rurais e a destes depender diretamente, num sistema semelhante ao que pudemos observar durante a Idade Média na Europa e que denominamos como a função do servo da gleba. A longo prazo, o que se formou nada mais foi senão o germe daquilo que conheceríamos décadas mais tarde como o fenômeno do coronelismo: grandes proprietários locais, detentores de forte poder político e econômico, que ditavam a dinâmica das relações locais e concediam privilégios e proteção em troca de favores e votos. Com a dependência total do fator da mão de obra escrava e do desestímulo total pelo trabalho livre e pelo fator empreendedor, os rincões e o interior do país permaneceram quase intocáveis, longe das inovações conquistadas e trazidas aos grandes centros urbanos, longe das estruturas mais avançadas da época e longe dos centros de produção de informação e vida cultural ativas do então Brasil Império.


 Em termos sociais, Joaquim Nabuco fornece o pano de fundo para autores posteriores como Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro. A principal característica da escravidão no Brasil, segundo tais autores, foi a miscigenação, a africanização da nação brasileira, de tal modo que a definição do brasileiro como um povo mestiço, segundo Holanda e Freyre, parece ser histórica e socialmente muito mais acertada do que a polarização hoje observada entre brancos e negros. É aqui, por exemplo, que a autora esbarra ao mencionar a tão criticada “democracia racial” –termo atribuído a Freyre e que foi destituído de seu sentido original por uma longa tradição de militância iniciada por Florestan Fernandes. Freyre jamais mencionou o termo em sua obra mais conhecida, Casa Grande e Senzala. Quando o fez, foi num ensaio e em cartas pessoais publicadas nos anos 1940, cujo sentido refere-se ao objetivo de um projeto político. O termo “democracia racial” referia-se não a uma constatação política do panorama social brasileiro, como se todas as diferentes etnias gozassem de condições de vida semelhantes, mas a um objetivo da política nacional brasileira, que via na criação de instituições modernas o acesso a uma democracia plural que garantisse direitos iguais e mobilidade social a todos, sem discriminação racial ou étnica.

 Com efeito, é a partir, exponencialmente, dos escritos de Florestan Fernandes que importação de um modelo norte-americano de ações afirmativas se inicia. Seu escrito A Integração do Negro na Sociedade de Classes representa praticamente uma ruptura com os escritos até então desenvolvidos no Brasil. Preocupado em analisar a situação do “negro” numa sociedade dividida e conforme a leitura social marxista de luta de classes e acumulação de capital, a condição do mestiço como parâmetro norteador para compreensão da sociedade brasileira foi afastada por completo. É fato que tanto Florestan como de certa forma o movimento negro no Brasil nos anos 1980 receberam financiamento da Fundação Ford, através de filias estabelecidas no Brasil, cujo objetivo era o fomento de círculos de estudo, militância e grupos de pressão que pudessem inserir no cenário social e político reivindicações novas e um tanto distanciadas do contexto americano. Desde a conquista dos direitos civis nos EUA anos 1960, o financiamento de grupos de pressão (criação de espaços em universidades para a criação de centros de estudo do multiculturalismo, da militância e de órgãos rigidamente organizados) pela Fundação Ford teve um só objetivo: a conquista de poder através da inserção de acadêmicos, militantes financiados em funções chaves do ordenamento político e da administração pública.

 De fato, falar em brancos e negros no Brasil é pouco objetivo. As duas categorias raciais foram claramente importadas de um modelo polarizado que encontra no segregacionismo americano as fundações de sua legitimação. Findado o período da Reconstrução, após a Guerra Civil, o pensamento racial eugenista encontrou espaço através da formulação de leis estaduais que vieram a ser chamadas, em conjunto, como as leis Jim Crow – as famigeradas leis de anti-miscigenação que, curiosamente dividiam o caldeirão de etnias formador do “povo” americano não entre brancos e negros, mas entre brancos e não-brancos. Tal divisão foi possível apenas com a lei da gota de sangue única, que determinava que uma ascendência de 1/16 de sangue negro já tornava suficiente a classificação de um homem branco americano em não-branco e, portanto, numa classificação racial e civil inferior.

 No Brasil, a segregação não foi pautada segundo critérios raciais. Como afirma Sérgio de Holanda, em As Raízes do Brasil, o racismo brasileiro diferia fortemente do racismo americano por dizer respeito à cor da pele, e não ao fator raça. A escravidão, além de não ter se originado do racismo, mas antes de um sistema jurídico-político que estendia os direitos de propriedade para seus limites máximos, não originou um estado segregador em termos raciais. A própria instituição da escravidão não esteve associada ao fator cor: os negros trazidos ao Brasil pertenciam a tribos e culturas africanas, variadas entre si, que escravizavam membros de outras tribos e os utilizavam como meio de troca. Não raro, inclusive, brancos portugueses foram feitos escravos no norte da África, onde, estima-se, cerca de um milhão de europeus foram feitos escravos pelos sarracenos na mesma região. Também no Brasil, houve escravos libertos que se tornaram grandes proprietários e comerciantes de escravos, justamente porque esta atividade era a mais lucrativa à época.

 É neste ponto que a falta de objetividade e rigor da análise de dados estatísticos parece surgir no texto da autora. É certo que “negros” (coloco entre aspas, pois considero a mestiçagem o elemento real do panorama nacional) compreendem as principais vítimas de crimes violentos, tenham expectativa de vida menor se comparado a outros grupos, sofram mais com o desemprego e representem boa parte da população carcerária. Mas em nenhum momento é possível estabelecer que esta triste realidade seja fruto do racismo ou da “branquitude” exploradora.  A simples constatação de que um grupo minoritário ou uma etnia é sub-representada em determinado setor de uma sociedade não significa, necessariamente, que este grupo esteja sendo discriminado ou segregado pelo grupo oposto. Ainda mais no caso brasileiro, de forte segregação sócio-econômica, onde existem muitas outras variáveis que não a cor da pele que ajudam a explicar as estatísticas apresentadas. Por exemplo, conforme o nível de escolaridade aumenta, a propensão ao desemprego é estatisticamente menor, inclusive entre a comunidade negra. As condições de saneamento em bairros e cidades pobres representam, por exemplo, perigos muito maiores á saúde do que a cor da pele. Um homem ou mulher, ambos “negros”, que residem numa região nobre da cidade de São Paulo apresentam uma expectativa de vida igual ou até mesmo superior a seu oposto “branco”. Nestes casos, é o fator racial e cor de pele ou a educação e a precariedade dos serviços públicos que determinam especificamente as condições observadas empiricamente?

 De forma análoga, tampouco se pode falar que exista um privilégio de ser “branco”. Tal raciocínio seria verídico apenas se todos aqueles considerados “brancos” fossem ricos ou detentores do poder político e econômico. De acordo com a revista Forbes, os 10% mais ricos do país hoje não são os mesmos de outrora, 20 anos atrás, e a própria preponderância racial se alterou significativamente nesse tempo. Há também estatisticamente uma desigualdade de renda, senão maior, igualmente brutal entre os “brancos” do que entre estes e os “negros”. O sucesso profissional, de acordo com o IBGE, apresente forte correlação com o tempo e a qualidade da escolaridade, conforme mencionado. E falo pessoalmente: o bom acesso que tive à educação não se deveu por ter nascido com pele branca, mas unicamente porque meus progenitores me legaram boas condições, não porque fossem brancos (meu pai era mestiço), mas porque trabalharam décadas, saindo de condições adversas, muitas vezes em condições humilhantes, para obter um mínimo de conforto material.


 O raciocínio se estende também à questão da apropriação cultural propriamente dita. É certo que um objeto dotado de um forte significado histórico pode perder sua razão de ser quando utilizado “irresponsavelmente” por outras pessoas que desconhecem seu significado histórico. Isto, contudo, não quer dizer que aquele que se aproprie de um costume ou acessório ou faça por racismo ou como um gesto de apropriação premeditada da identidade de outrem. A cultura é fruto da interação humana e é difícil estabelecer com primor a origem exata de nossos costumes e práticas. Tanto nos aspectos raciais, quanto nos aspectos culturais, a mestiçagem parece nos definir. Para ilustrar melhor a questão utilizo aqui os termos de Balbinus a respeito do turbante:

Agora, voltemos ao turbante em questão. É uma história riquíssima. Segundo relatos, a palavra turbante tem origem no persa dulband, que foi "afrancesado" como "turbant". Para os lusófonos, a própria palavra é uma apropriação cultural de franceses e persas. Mas, peraí: o turbante não era africano? Não, isso é mais uma patuscada do movimento negro. O turbante é persa, de acordo com praticamente todos os registros mais antigos. Possivelmente chegou a África por meio de mercadores, assim como se espalhou pela Ásia. Quem pesquisa sobre os turbantes vê que existe uma profusão de variações em lugares distintos como Grécia (Ilha de Creta), Índia, Oriente Médio, Indonésia e Paquistão. Para os africanistas que defendem "as razões religiosas do turbante", seu uso é registrado entre judeus, cristãos ortodoxos de Somália, Etiópia e Eritréia, sikhs da Índia, clérigos islâmicos, sacerdotes de Fiji, tuaregues... os africanos são os que menos utilizam a indumentária em ritos religiosos. Ao que parece, as feminazis africanistas estão se apropriando de um legado persa[2].

 Mais ainda, é mais problemático falar em apropriação cultural quando voltamos à questão das construções ideológicas do “branco” e do “negro”. Perguntar é necessário: o que constitui o estilo de vida “branco” e o estilo de vida “negro”? Viver como um português é semelhante a viver como um americano ou um holandês? A ancestralidade pode definir os valores e decisões individuais de determinada pessoa? A afro-descendência não passaria por cima das grandes diferenças entre tribos locais? Balbinus acerta em cheio novamente:

Vale aprofundar a polêmica: quem fala de "apropriação cultural" geralmente a prática contra os próprios africanos". Qualquer um que conhece a história da África de fato sabe são povos muito distintos entre si. São mais de cinquenta países e mais de trezentas tribos. Muitas que são rivais históricas. Com o processo de escravidão, a logística do tráfico fez com que negros fossem comercializados de acordo com a geografia: para a região nordeste, iorubas (o Nordeste está mais próximo de Nigéria e Benim geograficamente), enquanto o Sudeste recebeu mais negros de origem banto (estamos mais próximos de Angola e da antiga possessão de Cabinda). Por isso os negros paulistas e mineiros tendem a ter traços diferentes de baianos e maranhenses, por exemplo. Corre o risco de uma feminista africanista estar se apropriando de elementos afro que não correspondem a sua etnia[3].

 É interessante notar, também, que esta recente polêmica reacendeu outro ponto problemático do multiculturalismo e, em especial, do nacionalismo negro, a saber, a invenção de uma comunidade negra ou africana unívoca que seja capaz de construir uma identidade em comum para todos aqueles que de alguma forma descendem dos povos africanos. A ideia de nação é “uma comunidade inventada” e as narrativas em seu torno muito mais servem para lhe fundamentar ideologicamente do que para lhe situar historicamente. A mística em torno de uma nação ou diáspora negra padece praticamente dos mesmos equívocos dos nacionalismos exacerbados do século XX. Não chega a surpreender observar, por exemplo, nos teóricos alemães do nazi-fascismo, algumas semelhanças com as tentativas atuais de construção de um povo unívoco e idêntico. No caso alemão, era forte o sentimento de uma nação germânica, forte, que tinha numa ancestralidade perdida e pura a origem de seu esplendor e a razão de seu projeto político de fazer do estado a extensão do povo alemão, livre da exploração de etnias diferentes e inferiores. Nesta narrativa, como que da noite para o dia, a guerra de raças nasceu com força e clamor irresistíveis.

 Durante o texto, a autora também se manifesta em relação ás pautas do movimento negro pelo combate ao racismo e pela inserção do negro nas camadas mais privilegiadas da sociedade. Novamente, não é porque exista uma sub-representação étnica que se possa afirmar que o racismo é o fator preponderante para a desigualdade. Como reconhece Thomas Sowell, parte-se da falsa premissa de que há algo estranho quando diferentes grupos raciais ou étnicos alcançam diferentes níveis de realizações:

Há tantas reviravoltas documentadas ao longo da história, que é impossível acreditar que um único fator sobrepujante seja capaz de explicar tudo, ou quase tudo, do que já aconteceu ou do que está acontecendo.  O que realmente se sabe é que raramente, para não dizer nunca, ocorreram façanhas iguais alcançadas por diferentes pessoas ao mesmo tempo.
No entanto, o que mais temos hoje são grupos de interesse e movimentos sociais apresentando estatísticas — que são solenemente repercutidas pela mídia — alegando que, dado que os números não são aproximadamente iguais para todos, isso seria uma prova de que alguém foi discriminatório com outro alguém.
Se os negros apresentam diferentes padrões ocupacionais ou diferentes padrões gerais em relação aos brancos, isso já basta para despertar grandes suspeitas entre os sociólogos — ainda que diferentes grupos de brancos sempre tenham apresentado diferentes padrões de realizações entre si[4].


 É indubitável que o racismo velado, resistente na cultura é ainda algo a ser eliminado, combatido verdadeiramente. Mas não há registro algum na história humana que nos diga que apenas um fator, uma única variável foi responsável pela ascensão e queda de povos e nações, ou de etnias ou grupos minoritários. Como Sowell também explica em sua obra Ações Afirmativas ao Redor do Mundo, as ações afirmativas com base em critérios raciais não apenas não corrigem distorções históricos, como trabalham para piorá-las.  

 No fundo, o raciocínio ou “lógica” por trás da apropriação cultural é a mesma existente no racismo científico do início do século passado. Se antes a segregação e a anti-miscigenação eram estimuladas como forma de manter intactas as tradições de uma raça considerada inferior, hoje a teoria da apropriação tem como finalidade legitimar um julgamento baseado inteiramente na cor (uma atualização do velho racismo): o uso de determinado acessório pertence a pessoas de determinada cor. O julgamento de uma pessoa e de suas atitudes não passa por critérios senão aqueles determinados pela cor da pele. O cidadão “branco”, antes de cidadão e brasileiro, representa a consolidação, o produto histórico de uma ancestralidade exploradora e dominante. Se antes a diferença racial, pautada em critérios nada científicos com a roupagem do raciocínio rigoroso do método científico, servia para justificar a hierarquia de raças, hoje a mesma diferença, com critérios culturais muito mais do que pretensamente biológicos, parece ressaltar a dominação de algumas raças sobre outras. No fundo, o dogmatismo permanece o mesmo:

Desta feita, em vez de os genes serem a razão predominante para as diferenças nos êxitos pessoais, o racismo se tornou o motivo que explicava tudo.  Mas o dogmatismo continuava o mesmo.  Aqueles que ousassem discordar, ou até mesmo questionar o dogma predominante em ambas as eras, era tachado de "sentimentalista" no início do século XX e de "racista" na era multicultural[5].

 Por fim, se o objetivo é de fato lutar por uma igualdade, a saída não é reivindicar direitos coletivos ou poderes políticos de empoderamento com base em ancestralidades que se queiram com um significado mais importante do que a condição de cidadão que norteia nosso contrato político. Não é o julgamento, a tirada de conclusões baseadas na cor que irão nos livrar do preconceito e da discriminação. A saída é o reforço da cidadania, das instituições, da impessoalidade da lei, da correção de desigualdades a partir da reformulação ou eliminação de politicas públicas que até agora apenas originaram consequências negativas, especialmente para os mais pobres. A tentativa de constituir uma cultura ou organização social baseada em pequenos grupos raciais serve muito mais para dividir do que para unir as pessoas em prol de uma convivência harmoniosa e livre.



[1] http://www.geledes.org.br/branquitude-nao-corre-o-risco-ela-e-uma-caricatura-de-si-mesma/
[2] http://www.oreacionario.blog.br/2017/02/sobre-turbantes-e-farsa-da-apropriacao.html
[3] http://www.oreacionario.blog.br/2017/02/sobre-turbantes-e-farsa-da-apropriacao.html
[4] http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1554
[5] Ibidem.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Pare de Acreditar que Dilma era uma coitada! Ela fez a Própria Cova e Golpeou a Si Mesma

Constantemente ouvimos da classe média e intelectual irritante a afirmação de que um golpe de estado levado a cabo pela elite e com aparência de legitimidade jurídica derrubou a então presidente Dilma Roussef, cujo plano de governo satisfazia aos mais pobres e voltava-se às reais necessidades da sociedade martirizada e excluída. Ouvimos também que a economia entrou em crise por fatores exógenos, e que congelar os gastos era o início de uma mudança de ares retrógrada voltada à retirada ampla de direitos. E, não sem importância, também escutamos que todos os apoiadores do impeachment tiveram a ojeriza às classes mais pobres o real fator motivador de sua “ira despótica” contra um governo democrática e legitimamente eleito.

Abaixo, você verá os principais livros que desmistificam e apresentam os equívocos gigantescos destas afirmações – e que nos mostram que a retirada de Dilma Roussef do poder foi a única alternativa diante de uma situação tão catastrófica e que evidenciava um projeto de “argentinização” do estado brasileiro.

O Fim do Brasil

 Publicado ainda em 2014, durante a corrida eleitoral, apresenta a estonteante tese de que as políticas macroeconômicas adotadas a partir de 2009 levaram à morte prematura o Plano Real e mergulharam o Brasil numa crise anunciada e profunda.

 De autoria do economista e especialista em finanças, Felipe Menezes, o livro é uma compilação de outras teses menores apresentadas ao público através do canal YouTube. A obra consegue abordar as principais questões da fatídica política econômica petista do novo tripé macroeconômico, e consegue explicar, de forma sucinta, porque o descalabro econômico que se seguiria tinha causas no próprio modo interno de gerir as coisas do que numa suposta crise internacional. Afinal, enquanto em 2014 o mundo ia, em geral, muito bem obrigado, o brasil já apresentava o fim de um processo de declínio e estagnação social e econômica. Não à toa, o próprio autor chegou a ser censurado pelo então TSE, fato que comoveu á época grande parte dos economistas e jornalistas.

O Mito do Governo Grátis

 Lançado na primavera de 2014 pelo economista e especialista em finanças, Paulo Rabello de Castro, hoje diretor do IBGE, a obra tem sucesso em demonstrar num apanhado de dados concisos as principais características das instituições brasileiras que fazem do país o lugar por excelência do futuro, nunca do presente.

 O autor aborda com perspicácia o funcionamento do estado brasileiro, e, à luz de experiências históricas internacionais, consegue demonstrar como os sucessivos erros de vários presidentes – em especial dos presidentes FHC, Lula e Dilma – nos legaram uma tradição de miséria, escassez, e direitos sociais sem fundos. Num único termo, Paulo Rabello consegue demonstrar como a elite burocrática e político apropriou-se de um Estado gigantesco para consolidar seu poder político através de conchavos e políticas de compadrio, e tudo isto em detrimento dos pagadores de impostos.

 Complacência

 Sem conexão específica com o contexto atual, mas com análises e lições que reverberam com força para a mesma conjuntura, o livro Complacência tem no seu subtítulo o objetivo que o originou e que é plenamente satisfeito à medida que a leitura avança: entenda por que o Brasil cresce menos do que pode.


 De autoria dos economistas Fabio Giambiagi e Alexandre Schwartsman, a obra é sucinta, de fácil leitura e consegue nos explicar o que realmente entrave o deslanche brasileiro para a conquista de maiores patamares de bem estar econômico e social. A causa para tal fenômeno reside nos problemas estruturais – legislação, burocracia, capital humano, baixa produtividade, ambiente ruim e desestimulador para o comércio – e institucionais. A dica mais preciosa do livro: os problemas no Brasil vão se curar com mais capitalismo, Estado enxuto e responsável e livre comércio.

Anatomia de um Desastre

 Livro que reúne crônicas e artigos escritos a partir da primeira eleição de Lula pela economista Claudia Safatle e os jornalistas João Borges e Ribamar Oliveira, a Anatomia de um Desastre destrincha os desmandos e irresponsabilidades que aos poucos  tomaram face na gestão petista, e expuseram a obsessão petista num modelo desenvolvimentista e de acordos políticos baseados em relações impessoais de compadrio que ao fim e ao cabo legaram a atual crise econômica e política aos brasileiros.

 A obra é também interessante pelos bastidores e dados relativamente sigilosos que apresenta a respeito da consecução do processo que derrubou a ex-presidente e revelou toda a mediocridade de uma comandante de seu projeto elitista de manutenção do poder que em nada se diferenciava de governos anteriores, ou do atual governo Temer.

 Como Matar a Borboleta-Azul

 Escrito pela economista Monica de Bolle, a obra que tem como subtítulo uma crônica da Era Dilma é perfeita ao desmistificar a falsa afirmação de que a petista Dilma Roussef possuía profundos conhecimentos de economia real. A economista consegue rastrear as razões da crise nos projetos e decisões da governante enquanto sublinha que a crise que se apodera da sociedade originou-se do próprio governo, contrariamente ao que afirmam seus defensores, que advogam em prol da tese de que a crise suscitou a instabilidade do governo Dilma.

Perigosas Pedaladas

 Publicado pouco tempo após a decisão final de afastamento da presidente Dilma Roussef, o livro do economista e jornalista João Villaverde apresenta detalhadamente os pormenores do processo do impeachment, dos argumentos da acusação e da forma como a defesa da presidente se portou diante das acusações.

 O livro é excelente por desmistificar que a principal razão para o afastamento definitivo da presidente petista deu-se em razão da corrupção. Mais do que isso, as razões de sua derrubada escoram-se solidamente na constituição e na fraude contábil caracterizada pelas pedaladas fiscais e pelos editos de crédito suplementar – os quais, inclusive, conforme demonstra o autor, nunca foram levados a efeito por governos anteriores.

 Reforma Política

 Publicado também em 2014, com o subtítulo de O Debate Inadiável, o livro Reforma Política traz ao leitor um panorama de fácil compreensão acerca dos problemas com os atuais sistemas políticos e partidários e as graves distorções institucionais que daí decorrem. Embora não tenha uma ligação direta com o governo de Dilma Roussef, o livro é preciso ao demonstrar que a reforma sensível e pouco sutil de muitos instrumentos do Estado é mais do que necessária para assegurar à nossa democracia a prosperidade de que tanto necessitamos.

 De acordo com o autor Murillo de Aragão, advogado, sociólogo e cientista político, a ciência política brasileira não está a altura da entender a complexidade de nossa política – constatação agravada pelas heranças históricas deixadas por complicadas alianças, estruturas partidárias, leis ruins e uma constituição ampla demais e que permite interpretações conflitantes sobre o mesmo assunto.

 Década Perdida

 O livro que traz o subtítulo odiado pelo establishment brasileiro Dez anos de PT no poder, de autoria do historiados Marco Antonio Villa, faz uma crítica rigorosa ás administrações de Lula e Dilma, demonstrando os equívocos destes governos decorrentes de uma visão estanque e insuficiente da economia e das necessidades nacionais.

 O principal trunfo da obra é, sem dúvida, o retrato que o autor faz a respeito do processo pelo qual o Partido dos Trabalhadores legrou aparelhar o Estado, a sociedade civil e movimentos sociais com membros e seguidores incautos do partido, a fim de que o partido e o próprio maquinário estatal se tornassem um único e mesmo corpo.

 Petrobrás – Uma História de Orgulho e Vergonha

 O livro da fantástica autora Roberta Paduan exemplifica bem a utilização que foi feita da maior empresa estatal do país durante as eras Lula e Dilma – a instrumentalização da estatal para fins políticos, ideológicos e de manutenção do poder. As dívidas da estatal praticamente quadruplicaram a medida que o governo Dilma avançava em seu primeiro mandato, resultado decorrente da forte intervenção a cúpula de poder petista nas decisões oficiais da empresa, que minava todos os critérios de objetividade e de busca de eficiência da empresa.

 A pesquisa da jornalista brasileira é excelente, rigorosa, rica em detalhes e demonstra como o apadrinhamento e o modelo de estatização da petroleira forneceram o ambiente propício para a instabilidade empresarial do setor e de praticamente, quase por osmose, de todo o setor energético. De quebra, o livro ainda demonstra como apenas o PT foi responsável por surrupiar 200 milhões de reais da companhia, às custas de acionistas e trabalhadores que investiam as rendas de seu FGTS na estatal.

Conclusão


 Longe da verdade, o discurso da elite malfadada associada ao poder estabelecido é totalmente dissociado da realidade empírica. O projeto de poder de Dilma Roussef apresentava aquilo que havia de pior em qualquer regime político: a submissão, a servidão através do controle estatal sobre aspectos importantes e indeléveis da sociedade civil; através da mentira e da manipulação de dados e através do patrimonialismo que, mesmo despercebido e agindo às surdinas, jamais deixou de existir em seu governo. Ante ás circunstâncias e à resiliência da presidente em efetuar as reformas necessárias para os problemas que ela mesma havia causado, sua derrocada e morte final foi o que de melhor aconteceu no epicentro de tamanha crise.