"Quando vejo o princípio de liberdade em ação, vejo agir um princípio vigoroso, e isto, de início, é tudo que sei. É o mesmo caso de um líquido; os gases que ele contém se liberam bruscamente: para se fazer um julgamento, é necessário que o primeiro movimento se acalme, que o liquido se torne mais claro, e que nossa observação possa ir um pouco além da superfície".
Edmund Burke.

terça-feira, 13 de setembro de 2016

Existem benefícios econômicos e sociais com a flexibilização da CLT ?

No presente contexto em que o Brasil se encontra muitas são as teorias e as posições demarcadas a respeito deste assunto tão espinhoso. As interpretações diversas variam desde o campo expressamente político, com a perda eventual de direitos histórica e socialmente adquiridos, até os puramente econômicos, que advogam em favor de um progresso econômico há muito engessado por estas mesmas restrições. Diante deste cenário, o objetivo de meu artigo é demonstrar quais são os benefícios – se é que podem existir – que adviriam com a flexibilização ou mesmo o fim da CLT em termos de melhoria da qualidade de vida dos brasileiros como um todo. Analisarei, assim, cinco proposições comumente mencionadas por seus devotos e por seus oposicionistas.

a                    A)  “A flexibilização/fim dos direitos trabalhistas aumentaria o lucro dos capitalistas empresários em detrimento de uma exploração maior da classe trabalhadora e dos mais pobres”.

Sem dúvida a mais sustentada por seus opositores, esta proposição é verdade em certo sentido. Atualmente, os custos envolvidos com a contratação e a manutenção de funcionários reduzem drasticamente a margem de lucro dos empreendedores, especialmente em pequenas e médias empresas. A possibilidade de uma redução nestes custos envolvidos com demissões, FGTS, salário mínimo etc... sem dúvida incorreria num aumento da receita final das empresas.

 O que, no entanto, parece ser desprezado nesta afirmação é o fato de que o lucro é fundamental para a melhoria das condições de trabalho, produtividade e geração de empregos. Todo o capital necessário para a aquisição de novas máquinas, contratações, melhoria em processos internos de produção, etc... tem sua origem na poupança e, primordialmente, na diferença positiva entre receita e custo. Por conseguinte, outras duas consequências positivas consistem no estímulo a um numero maior de contratações e à redução, a longo prazo, dos preços finais de preços e produtos. Com custos reduzidos durante a produção destes e sob um sistema de livre iniciativa, não se torna difícil apostar numa queda dos preços de muitos bens disponíveis para consumo.

 Portanto, contrariamente ao o que se imagina, estando o aumento de produtividade e criação de riqueza diretamente proporcional à quantidade de capital acumulado e disponível para aplicação, a eventual flexibilização dos direitos trabalhistas pode conduzir necessariamente ao benefício dos trabalhadores e dos mais pobres a partir, por um lado, da maior oferta de empregos e, por outro, pela ampliação do acesso a bens e serviços cada vez mais eficientes.

         B) “A flexibilização dos direitos trabalhistas vai contribuir para o aumento da exclusão social.” 
Nem tão mencionada, mas implícita em muitos momentos, esta proposição representa, sem exagero, um equívoco.

 Conforme já mencionei, com menores custos para contratação, a oferta de novas vagas tende a aumentar. Além disso, na hipótese da redução do valor ou mesmo extinção do salário mínimo, os mais beneficiados tendem a ser os trabalhadores mais pobres e pouco qualificados. Explico: a remuneração mensal a qualquer trabalhador, em detrimento do que afirmam sindicatos e partidos, deveria resultar estritamente de sua produtividade. Ao se impor, através de ordem legal, uma remuneração mínima que está acima da produtividade média do trabalhador brasileiro, serão considerados para contratação os profissionais que já atendem aos níveis de produção correspondentes ao salário mínimo: profissionais bem qualificados, em geral experientes e que tiveram acesso a uma educação de qualidade.

 Num país extremamente violento, cujas principais vítimas de homicídios são jovens pobres e negros, a proposta de uma remuneração mínima, bem como outros direitos trabalhistas que encarecem a mão de obra, tendem a justamente empurrar esta grande fração da população brasileira para o trabalho informal ou para a ilegalidade. Doravante, a redução do custo de mão de obra e a delimitação de remuneração a partir da negociação entre patrão e proletário permitem a inclusão desta parcela desfavorecida no mercado de trabalho e, consequentemente, o acesso a bens e serviços antes inacessíveis.

c)  “Sem direitos trabalhistas, nada garante que o patrão irá pagar o valor acordado a seus trabalhadores.”       
 Num primeiro lançar de olhos esta proposição afigura-se verdadeira. No entanto, padece de um pequeno engano: a possível inexistência de direitos trabalhistas não nos leva a dizer que não mais existirão contratos que firmem o acordo entre duas partes distintas. Em nossa sociedade, o contrato é o instrumento por Excelência no momento de confirmar acordos, parcerias, compras de grande valor e contratações. E o não cumprimento das cláusulas de qualquer contrato, independentemente de qual seja a parte infratora, está sujeita á compensação conforme nosso ordenamento jurídico básico.
    
    d)  “Sem direitos trabalhistas, o valor que antes era pago ao Estado será redirecionado às mãos do trabalhador.”
 Ao contrário do que poderia se imaginar num primeiro momento, não há nada que nos leve a concluir que o valor correspondente aos direitos e benefícios do trabalhador seja repassado diretamente às suas mãos em um cenário em que direitos trabalhistas não mais existem ou se encontram flexibilizados.  

 Com efeito, é possível imaginar que entre corporações de grande porte que rivalizam no mesmo setor o poder de barganha dos trabalhadores qualificados lhes poderá permitir o recebimento direto do valor, ou de parte dele, que antes era destinado ao Estado. Entretanto, os maiores beneficiários desta flexibilização, a meu ver, consistem nos pequenos e médios empreendedores e nos trabalhadores de pouca qualificação. Aqui, justamente a redução de custos para contratação permite a entrada de novos concorrentes e a inserção no mundo do trabalho de uma parcela considerável de trabalhadores antes marginalizados.

 O real significado da flexibilização dos direitos trabalhistas é, desta forma, impedir que haja o “confisco”, por parte dos aparatos do Estado, de parte importante do capital que é gerado em sociedade a partir de suas relações consensuais e que, como tal, nela deveria permanecer sob forma de possibilidade, investimento ou incentivo ao dinamismo econômico e à melhoria da qualidade de vida.

e     E)     “A flexibilização/fim da CLT vai conduzir à precarização das condições de trabalho.”  

 Esta proposição, outra crítica comum à flexibilização, nos traz a lume as condições precárias de trabalho existentes em diversas partes do país e que são comuns às atividades consideradas informais ou clandestinas.

 Contudo, a existência de tais condições deve ser entendida como consequência direta da construção artificial e rígida que lança aos menos abastados o ônus pelas inúmeras exigências legais – e caras – que hoje servem de base para qualificar uma determinada atividade como “nas normas da lei.” Isto é evidente quando se leva em consideração o comércio informal, até mesmo o tráfico de drogas.

Com a flexibilização, portanto, se pode cortar este ônus pela raiz e oferecer a cada pequeno provedor de serviços a oportunidade de poder oferecer melhores condições de trabalho àqueles que com ele laboram.

Conclusão
 A flexibilização da CLT não representa, por tudo o que mencionei acima, um atentado criminoso à classe trabalhadora como tal. Em direção oposta, ela poderá permitir a revogação de mecanismos que atualmente blindam os mais afortunados da concorrência direta e integração à rede de trocas voluntárias e criação de riqueza daqueles que hoje não lhe integram.

 Os direitos trabalhistas no Brasil apresentam a curiosa, porém triste, peculiaridade de fazer arcar com seus custos os estratos mais desprivilegiados da sociedade e transferir a responsabilidade da criação de melhores condições de vida da sociedade civil, de onde nunca deveria ter sido tirada, para o seio do Estado – o qual, por definição, de valor e riqueza nada cria.

 Em termos bem escritos, há benefícios sociais e econômicos advindos com a flexibilização da CLT e que podem ser expostos nos seguintes termos: devolver ao brasileiro, em especial aos desafortunados, o acesso ao trabalho; conferir ao nosso ethos a consciência de que a ambição pelo ganho e o esforço caminham juntos e restaurar, por tudo isso, o caminho do crescimento econômico e social que tem por base a dignidade da liberdade e o acordo mútuo entre os cidadãos. 

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