"Quando vejo o princípio de liberdade em ação, vejo agir um princípio vigoroso, e isto, de início, é tudo que sei. É o mesmo caso de um líquido; os gases que ele contém se liberam bruscamente: para se fazer um julgamento, é necessário que o primeiro movimento se acalme, que o liquido se torne mais claro, e que nossa observação possa ir um pouco além da superfície".
Edmund Burke.

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Período Eleitoral: A Tragédia Política Revelada

 Estamos agora em plena época de eleições municipais.  Propagandas eleitorais, algumas sérias, outras engraçadas, outras estranhíssimas, inundam os meios de comunicação várias vezes ao dia e nos despertam um sentimento no mínimo incômodo acerca de nossa política.

 Candidatos dos mais variados tipos clamam pelo voto do eleitor e apresentam propostas que variam desde um grau de compreensível aceitabilidade até outro de completo absurdo – algo que faz gerar em nossas cabeças: “Tem alguma coisa de muito errada aí”.

 E, de fato, há mesmo. Podemos dizer, sem devaneios frívolos, que o nosso regime democrático tornou-se um verdadeiro balcão de negócios. Aliás, quase da mesma forma como ocorre em outras democracias mundo afora, a política tornou-se palco para o que chamo de terceirização dos custos e das responsabilidades. Muitas são as bandeiras levantadas por cada candidato durante as eleições: direitos dos animais, reformas urbanas, maiores salários e melhores condições de trabalho, além de muitos outros projetos. E, no entanto, todas estas propostas têm uma peculiaridade em comum: a capitação de recursos, para cada projeto que se tenciona tirar do papel, a partir da tributação dos demais cidadãos da cidade, do Estado ou do País.

 Nas condições atuais, a democracia é utilizada como uma dupla fonte de satisfações financeiras. Por um lado, coloca à autoridade uma quantidade praticamente inimaginável de recursos; por outro, externaliza os custos de cada ação ao dividir seu ônus entre todos, principalmente sobre aqueles cidadãos que discordam ou desconhecem certa proposta. Para o cidadão, isto significa uma clara violação de suas liberdades mais fundamentais, em especial da livre escolha, tolhida porque é constrangido a abrir mão de parte do que tem para financiar políticas públicas com as quais está em desacordo. Aqui, alguém poderia supor que a resolução para isto reside na legitimidade que o voto confere ao espólio injusto. Em termos formais, é verdade. Porém, esta constatação em nada diminui o aspecto imoral, violador de nossa liberdade individual que reside num sistema democrático e que coloca em cheque qualquer afirmação a respeito de ser sua base a justiça. Afinal, parafraseando um dos pais fundadores dos Estados Unidos, na democracia 51% dos cidadãos são capazes de tirar o direito dos outros 49%.

 Mas isto ainda não é tudo. O esvaziamento de sentido da ação política também possui outra face. Tal como afirmaram com vigor os Federalistas, Kant e até Hannah Arendt, a finalidade da política deve consistir, exclusivamente, na liberdade. Questões como igualdade, supressão da pobreza e tudo aquilo que poderíamos reunir sob um epíteto de “questão social”, não devem ser objeto da esfera política, daquela esfera em que os indivíduos, a despeito de suas diferenças intrínsecas e desigualdades materiais, reúnem-se como iguais e detêm-se, imbuídos do sentimento de partilha da felicidade pública, sobre seu bem comum mais precioso e que constitui a liberdade civil.


 De onde quer que lancemos os olhos sobre esta dimensão trágica, parece que abrimos mão daquela estrita vigilância que, só ela, faz-se capaz de impedir que o poder, numa democracia, assuma uma dimensão e uma natureza despóticas. Perdemos poder, nosso poder individual, face ao Leviatã moderno que caracteriza quase todas as nações democráticas. A política, vista pela TV, pelo rádio, exercida por cada pessoa, associação ou grupo definitivamente desviou-se de seu rumo. A tragédia da política que subsiste em nossos dias é celebrada e ganha contornos tragicômicos durante cada período de eleição.  E nisso há, com certeza, algo de muito errado.  

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