Estamos agora em plena época de eleições municipais. Propagandas eleitorais, algumas sérias,
outras engraçadas, outras estranhíssimas, inundam os meios de comunicação
várias vezes ao dia e nos despertam um sentimento no mínimo incômodo acerca de
nossa política.
Candidatos dos mais variados
tipos clamam pelo voto do eleitor e apresentam propostas que variam desde um
grau de compreensível aceitabilidade até outro de completo absurdo – algo que
faz gerar em nossas cabeças: “Tem alguma coisa de muito errada aí”.
E, de fato, há mesmo. Podemos
dizer, sem devaneios frívolos, que o nosso regime democrático tornou-se um
verdadeiro balcão de negócios. Aliás, quase da mesma forma como ocorre em
outras democracias mundo afora, a política tornou-se palco para o que chamo de
terceirização dos custos e das responsabilidades. Muitas são as bandeiras
levantadas por cada candidato durante as eleições: direitos dos animais,
reformas urbanas, maiores salários e melhores condições de trabalho, além de
muitos outros projetos. E, no entanto, todas estas propostas têm uma
peculiaridade em comum: a capitação de recursos, para cada projeto que se
tenciona tirar do papel, a partir da tributação dos demais cidadãos da cidade,
do Estado ou do País.
Nas condições atuais,
a democracia é utilizada como uma dupla fonte de satisfações financeiras. Por
um lado, coloca à autoridade uma quantidade praticamente inimaginável de
recursos; por outro, externaliza os custos de cada ação ao dividir seu ônus
entre todos, principalmente sobre aqueles cidadãos que discordam ou desconhecem
certa proposta. Para o cidadão, isto significa uma clara violação de suas
liberdades mais fundamentais, em especial da livre escolha, tolhida porque é
constrangido a abrir mão de parte do que tem para financiar políticas públicas
com as quais está em desacordo. Aqui, alguém poderia supor que a resolução para
isto reside na legitimidade que o voto confere ao espólio injusto. Em termos
formais, é verdade. Porém, esta constatação em nada diminui o aspecto imoral, violador
de nossa liberdade individual que reside num sistema democrático e que coloca
em cheque qualquer afirmação a respeito de ser sua base a justiça. Afinal,
parafraseando um dos pais fundadores dos Estados Unidos, na democracia 51% dos
cidadãos são capazes de tirar o direito dos outros 49%.
Mas isto ainda não é
tudo. O esvaziamento de sentido da ação política também possui outra face. Tal
como afirmaram com vigor os Federalistas, Kant e até Hannah Arendt, a
finalidade da política deve consistir, exclusivamente, na liberdade. Questões
como igualdade, supressão da pobreza e tudo aquilo que poderíamos reunir sob um
epíteto de “questão social”, não devem ser objeto da esfera política, daquela
esfera em que os indivíduos, a despeito de suas diferenças intrínsecas e
desigualdades materiais, reúnem-se como iguais e detêm-se, imbuídos do
sentimento de partilha da felicidade pública, sobre seu bem comum mais precioso
e que constitui a liberdade civil.
De onde quer que lancemos
os olhos sobre esta dimensão trágica, parece que abrimos mão daquela estrita
vigilância que, só ela, faz-se capaz de impedir que o poder, numa democracia, assuma
uma dimensão e uma natureza despóticas. Perdemos poder, nosso poder individual,
face ao Leviatã moderno que caracteriza quase todas as nações democráticas. A
política, vista pela TV, pelo rádio, exercida por cada pessoa, associação ou
grupo definitivamente desviou-se de seu rumo. A tragédia da política que
subsiste em nossos dias é celebrada e ganha contornos tragicômicos durante cada
período de eleição. E nisso há, com
certeza, algo de muito errado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário