Nas ultimas semanas viralizou pela internet o chavão libertário “imposto
é roubo” – uma espécie de anátema que pretende concentrar em si o significado
de uma escola de pensamento político totalmente avessa à imoralidade da coerção
estatal. Longe de estabelecer uma crítica aos principais autores desta escola,
como Hans Hermann-Hope ou Murray N. Rothbard, pretenderei neste breve ensaio
refletir sobre a verdade desta afirmação.
Com efeito, a ideia de
um tributo ou taxa é antiga e remonta a épocas antiquíssimas. Sabemos que a
vida em sociedade tem por objetivo a satisfação de necessidades que não se veriam
satisfeitas caso cada individuo ou família vivessem em completo isolamento. Associações
e instituições, portanto, devem ser tomadas como processos ou “saberes”
resultantes da interação milenar de inúmeros indivíduos, que sobreviveram aos “testes
do tempo” e comprovaram, pela experiência, sua utilidade em fornecer vantagens
aos membros de determinada comunidade.
A lei positiva e a
ordem civil-política são exemplos deste fenômeno: a common law inglesa é representada por um códice de leis emitidas
por um poder legislativo; as instituições celebradas e endossadas por uma
comunidade com o tempo foram tornadas direitos positivos que expressam os
valores e os vínculos de afeição que unem cada membro da sociedade.
A ideia de um imposto
ou sistema de tributação, tal qual conhecemos hoje, pode ter tido seu início na
gênese dos estados modernos, em especial na consolidação dos estados
monárquicos absolutistas. Com o fito imperioso de estabelecer um poder
centralizado, burocratizado e obter fundos para campanhas militares, os primeiros
sistemas de tributação foram estabelecidos por uma autoridade central cujo
poder de comando e consequente legitimidade não derivavam do sufrágio dos
súditos.
Nas obras dos
jusnaturalistas modernos, em especial Hobbes e Locke, encontramos uma
fundamentação ascendente da obrigação política que estabelecia na ideia de
contrato a origem da sociedade civil. Neste
sentido, é explanada a teoria – extremamente razoável – de que o Estado moderno
e sua maquinaria de poder institucionalizado têm sua origem a partir de instituições
ainda mais básicas, ou seja, também derivam de uma ordem complexa de relações consensuais
entre membros de uma comunidade, a qual, em determinado momento, justamente
talvez em razão do nível de complexidade que atingiu, deu origem à criação de
um órgão que pudesse implementar ações em benefício de todos.
Ora, com o raciocínio estabelecido
até este momento, fica claro que o poder político, o governo e o Estado constituem
aparatos aos quais a imposição legal da punição; o estabelecimento da
legislação e da ação do poder executivo; da segurança interna e externa, bem
como a tributação, foram concedidas de forma voluntária pelos membros do pacto
social. Num contexto brasileiro, por exemplo, a Constituição de 1988 legitima a
criação de muitos impostos que sejam capazes de alimentar todos os “direitos”
contidos em sua composição – alguns dos quais estão longe de se adequar ao
sentido preciso e originário do termo direito, a saber, a salvaguarda da liberdade
do individuo a partir da restrição do poder político.
Contudo, ao se dar o
próximo passo na narrativa, dificuldades concretas surgem no horizonte. Se
entendemos a ordem política, representada pelo estado, como um aparato
necessário para a restrição das liberdades naturais incompatíveis com a vida em
sociedade – mais especificamente, a liberdade de atuar como juiz em própria
causa - a questão do que tributar ou
quanto tributar torna-se uma mera questão de conveniência entre as muitas
finalidades da ordem política e os milhões de cidadãos.
Mas é exatamente aqui que a tirania
democrática se nos apresenta com vigor imensurável. Longe de representar um
governo livre, a democracia em si mesma é responsável por diminuir
sensivelmente a esfera de liberdade pessoal de que cada individuo goza. Ao fim
e ao cabo, através de seus liames de funcionamento, desejos de desconhecidos,
fantasias frívolas e utopias ressentidas impõem seu ônus e terceirizam a
responsabilidade de seus defensores a todos os demais cidadãos que compõem o
corpo político. Não se trata, com isso, de apontar as falhas de
representatividade da democracia; antes, trata-se de desvelar a natureza de um
regime centralizador e, em certo sentido, despótico.
Pelo seu viés
concreto, portanto, em nosso mundo contemporâneo o imposto como medida de
financiamento da ação do poder público será, na absoluta maioria das vezes, um
confisco imoral e arbitrário, que, além de retirar do setor produtivo da
sociedade parte de seu poder de investimento, constrangerá e restringirá as
liberdades pessoais do pagador de impostos.
A ideia de tributo, deste modo, é compatível à
liberdade, em sua essência, apenas no momento em que seja possível afirmar que
todos os membros consentiram, não apenas em teoria, com sua aplicação e com o
objetivo de sua arrecadação. No estado atual, o regime político sob o qual vivemos é pretensamente
centralizador, arbitrário no momento de criação e estabelecimento da finalidade
de cada tributo e injusto ao coletivizar a responsabilidade por atos e vontades
específicos. Trata-se, em resumo, de uma arrecadação violenta e compulsória. É
necessário que renovemos nossa ordem política, pois, se é verdade que todos nos
beneficiamos em certa medida da vida em sociedade e sob um Estado – que jamais
deve ser confundido com a sociedade civil -, a nossa liberdade encontra-se em
progressivo desgaste.
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