"Quando vejo o princípio de liberdade em ação, vejo agir um princípio vigoroso, e isto, de início, é tudo que sei. É o mesmo caso de um líquido; os gases que ele contém se liberam bruscamente: para se fazer um julgamento, é necessário que o primeiro movimento se acalme, que o liquido se torne mais claro, e que nossa observação possa ir um pouco além da superfície".
Edmund Burke.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Impostos são legítimos?

 Nas ultimas semanas viralizou pela internet o chavão libertário “imposto é roubo” – uma espécie de anátema que pretende concentrar em si o significado de uma escola de pensamento político totalmente avessa à imoralidade da coerção estatal. Longe de estabelecer uma crítica aos principais autores desta escola, como Hans Hermann-Hope ou Murray N. Rothbard, pretenderei neste breve ensaio refletir sobre a verdade desta afirmação.

 Com efeito, a ideia de um tributo ou taxa é antiga e remonta a épocas antiquíssimas. Sabemos que a vida em sociedade tem por objetivo a satisfação de necessidades que não se veriam satisfeitas caso cada individuo ou família vivessem em completo isolamento. Associações e instituições, portanto, devem ser tomadas como processos ou “saberes” resultantes da interação milenar de inúmeros indivíduos, que sobreviveram aos “testes do tempo” e comprovaram, pela experiência, sua utilidade em fornecer vantagens aos membros de determinada comunidade.

 A lei positiva e a ordem civil-política são exemplos deste fenômeno: a common law inglesa é representada por um códice de leis emitidas por um poder legislativo; as instituições celebradas e endossadas por uma comunidade com o tempo foram tornadas direitos positivos que expressam os valores e os vínculos de afeição que unem cada membro da sociedade.

 A ideia de um imposto ou sistema de tributação, tal qual conhecemos hoje, pode ter tido seu início na gênese dos estados modernos, em especial na consolidação dos estados monárquicos absolutistas. Com o fito imperioso de estabelecer um poder centralizado, burocratizado e obter fundos para campanhas militares, os primeiros sistemas de tributação foram estabelecidos por uma autoridade central cujo poder de comando e consequente legitimidade não derivavam do sufrágio dos súditos.

 Nas obras dos jusnaturalistas modernos, em especial Hobbes e Locke, encontramos uma fundamentação ascendente da obrigação política que estabelecia na ideia de contrato a origem da sociedade civil.  Neste sentido, é explanada a teoria – extremamente razoável – de que o Estado moderno e sua maquinaria de poder institucionalizado têm sua origem a partir de instituições ainda mais básicas, ou seja, também derivam de uma ordem complexa de relações consensuais entre membros de uma comunidade, a qual, em determinado momento, justamente talvez em razão do nível de complexidade que atingiu, deu origem à criação de um órgão que pudesse implementar ações em benefício de todos.

 Ora, com o raciocínio estabelecido até este momento, fica claro que o poder político, o governo e o Estado constituem aparatos aos quais a imposição legal da punição; o estabelecimento da legislação e da ação do poder executivo; da segurança interna e externa, bem como a tributação, foram concedidas de forma voluntária pelos membros do pacto social. Num contexto brasileiro, por exemplo, a Constituição de 1988 legitima a criação de muitos impostos que sejam capazes de alimentar todos os “direitos” contidos em sua composição – alguns dos quais estão longe de se adequar ao sentido preciso e originário do termo direito, a saber, a salvaguarda da liberdade do individuo a partir da restrição do poder político.

 Contudo, ao se dar o próximo passo na narrativa, dificuldades concretas surgem no horizonte. Se entendemos a ordem política, representada pelo estado, como um aparato necessário para a restrição das liberdades naturais incompatíveis com a vida em sociedade – mais especificamente, a liberdade de atuar como juiz em própria causa -  a questão do que tributar ou quanto tributar torna-se uma mera questão de conveniência entre as muitas finalidades da ordem política e os milhões de cidadãos.  

  Mas é exatamente aqui que a tirania democrática se nos apresenta com vigor imensurável. Longe de representar um governo livre, a democracia em si mesma é responsável por diminuir sensivelmente a esfera de liberdade pessoal de que cada individuo goza. Ao fim e ao cabo, através de seus liames de funcionamento, desejos de desconhecidos, fantasias frívolas e utopias ressentidas impõem seu ônus e terceirizam a responsabilidade de seus defensores a todos os demais cidadãos que compõem o corpo político. Não se trata, com isso, de apontar as falhas de representatividade da democracia; antes, trata-se de desvelar a natureza de um regime centralizador e, em certo sentido, despótico.

 Pelo seu viés concreto, portanto, em nosso mundo contemporâneo o imposto como medida de financiamento da ação do poder público será, na absoluta maioria das vezes, um confisco imoral e arbitrário, que, além de retirar do setor produtivo da sociedade parte de seu poder de investimento, constrangerá e restringirá as liberdades pessoais do pagador de impostos.


 A ideia de tributo, deste modo, é compatível à liberdade, em sua essência, apenas no momento em que seja possível afirmar que todos os membros consentiram, não apenas em teoria, com sua aplicação e com o objetivo de sua arrecadação. No estado atual, o regime político sob o qual vivemos é pretensamente centralizador, arbitrário no momento de criação e estabelecimento da finalidade de cada tributo e injusto ao coletivizar a responsabilidade por atos e vontades específicos. Trata-se, em resumo, de uma arrecadação violenta e compulsória. É necessário que renovemos nossa ordem política, pois, se é verdade que todos nos beneficiamos em certa medida da vida em sociedade e sob um Estado – que jamais deve ser confundido com a sociedade civil -, a nossa liberdade encontra-se em progressivo desgaste.     

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