Não faltam no Brasil
críticas e mais críticas a respeito do “novo” fenômeno observado nas ultimas
eleições aqui e mundo afora. Como foi possível que pobres, desvalidos e
cidadãos em péssimas condições financeiras e sociais demonstrassem apoio a
representantes “direitistas” e exploradores dos mais pobres?
Tal fenômeno, caracterizado pela Socialista
Morena como uma Síndrome de Estocolmo em larga escala[1], aprofundou sentimentos e
paixões adversas. Em seu blog destinado a disseminar o “esquerdismo way of
life”, podemos encontrar até mesmo uma caracterização dos tipos diferentes de
“coxinhas” que compõem a direita brasileira[2]. Dentre os tipos
observados, está o criticado pobre de direita, que seria ao mesmo tempo vítima
do capitalismo e fiel defensor de seus arautos. No seu entender, o pobre de
direita, ao condescender e apoiar o desenvolvimento do capitalismo e de um
Estado mínimo, estaria incorrendo, na verdade, com sua própria ruína.
Acresce que a empiria tem nos fornecido dados
suficientes para colocar este discurso não somente à prova. Com efeito, nos tem
fornecido razões suficientes para crer na sua afirmação contrária. Isto porque,
em primeiro lugar, quando nos debruçamos sobre a questão histórica da extrema
pobreza ao redor do mundo, podemos observar que o índice de pessoas, ao redor
do globo, vivendo abaixo da linha da pobreza (que recebe menos do que US$ 1,90
por dia) tem apresentado forte redução ao longo das últimas décadas, chegando a
especialmente após o colapso da União Soviética e do bloco socialista do leste
europeu. Se em 1990 este índice já era superior a 30% da população mundial,
esta parcela extremamente desfavorecida não compreendeu em 2015 mais do que 10%
do total de habitantes[3]. A redução tem sido tal
que levou os autores do último relatório da Banco Mundial a respeito do assunto
a afirmarem que, mantido este ritmo, a pobreza extrema terá desaparecido do
globo até ao ano de 2.030[4].
Ainda segundo o Banco Mundial e outro
relatório publicado pela entidade em 2008[5], que abordou as causas e
os fatores determinantes do rápido crescimento econômico de treze nações,
iniciado ainda em 1950, semelhanças nos modelos sócio-econômicos adotados por
estes países o levaram a estabelecer uma espécie de “receita” com os
ingredientes fundamentais para estabelecer um crescimento econômico, real,
vigoroso, sustentável e inclusivo. Nesta, os 5 princípios[6] consistem na acumulação,
entendida como investimento na formação bruta de capital; na inovação, que
consiste no desenvolvimento de novos produtos e processos; na alocação de
capital, feita conforme as demandas reais de produtores e consumidores; na
estabilização macroeconômica e, por fim, num conjunto de políticas públicas
destinadas a promover uma igualdade de oportunidades mais acentuada.
Com esta abordagem, que fundamenta o
crescimento econômico de um estado-nação no processo de acumulação de capital e
incorporação de progresso técnico ao trabalho e ao capital que, por
conseguinte, conduz, ao aumento da produtividade, dos salários e do padrão
médio de vida da população[7], pôde concluir o Banco
Mundial que esta redução nos índices de extrema pobreza deveu-se,
principalmente, ao crescimento econômico de muitas nações subdesenvolvidas, aos
investimentos em educação, saúde e seguridade social.
O cenário torna-se ainda mais elucidativo
quando cruzamos estes dados com as pesquisas fornecidas pelas Nações Unidas a
respeito do desenvolvimento humano. Nos últimos relatórios sobre o item, fica
claro que a distância entre os países mais ricos e aqueles notadamente mais
pobres têm diminuído[8], ainda que de forma lenta.
De modo geral, surpreendentemente algumas das nações consideradas mais pobres
do mundo estão entre aquelas que apresentaram uma evolução mais acentuada em
seu nível de desenvolvimento humano, sendo Zimbábue e Nigéria os principais
exemplos neste quesito[9]. Ao cruzarmos estas
evidências com as pesquisas fornecidas pelo Banco Mundial e pelo instituo
Austin Rating, é revelador constatar que, dentre as 13 nações que mais crescem
no mundo, pelo menos metade está no continente africano e algumas inclusive
constam também na lista de países que apresentaram evolução nos índices de
desenvolvimento humano[10]: Costa do marfim, Ruanda,
Tanzânia, República Democrática do Congo, Etiópia, Nigéria e Moçambique.
É interessante observar um movimento no mesmo
sentido, agora segundo a Heritage Foundation, em que países como Costa do
marfim, Tanzânia e Congo têm apresentado melhoras quanto ao desenvolvimento de
práticas institucionais importantes para o crescimento econômico: direitos de
propriedade, combate à corrupção, estado de direito, acumulação de riqueza e
livre comércio[11].
Dentre todas as nações ranqueadas, Tanzânia e Costa do Marfim apresentaram um
crescimento de 1.0 em relação a pontuação em indexes anteriores – praticamente um
dos maiores índices de evolução entre todos os listados.
Dito de outro modo, a mensagem é evidente: o
capitalismo tem logrado alçar da pobreza extrema e lançar a patamares maiores
de riqueza contingentes cada vez maiores de pessoas, povos e nações. Como o diz
Rodrigo da Silva:
o número de pessoas vivendo na mais
absoluta pobreza vem caindo consideravelmente no mundo desde a Revolução
Industrial. De fato, se os ricos ficaram mais ricos desde o início do
capitalismo, os pobres também vem melhorando suas posições como nunca antes havia
sido possível.
Os etíopes vivem hoje, em média, 24 anos a mais do que em 1960. Os chilenos já são mais ricos do que qualquer nação do mundo desenvolvido na década de cinquenta. A mortalidade infantil é menor hoje no Nepal do que na Espanha em 1960. Há 35 anos, 84% dos chineses vivia abaixo da linha da pobreza – esse número caiu para 6%, como reflexo da abertura econômica iniciada com a subida de Deng Xiaoping ao poder. Desde 1990, aliás, o percentual da população mundial vivendo na extrema pobreza caiu mais da metade – para menos de 18%.
Atualmente, os sul coreanos vivem, em média, 26 anos a mais e ganham 15 vezes mais por ano do que em 1955 (ganham 15 vezes mais também que os norte coreanos, mas essa é outra história). Os mexicanos vivem agora, em média, mais do que os britânicos viviam em 1955. Em Botswana a população ganha, em média, mais do que os finlandeses ganhavam em 1955 (em 1966, cada cidadão botsuano ganhava em média 70 dólares por ano; o país tinha míseros doze quilômetros de estradas pavimentadas e vinte e dois habitantes com diploma universitário). Em duas décadas, a proporção de vietnamitas vivendo com menos de dois dólares por dia caiu de 90% para 30%[12].
Voltando os olhos, agora,
para a situação nacional, faz-se ainda mais forçoso concluir como a ruína de um
povo está intimamente relacionada com a intervenção da ação pública em esferas
onde sua atuação não é necessária. Se, por um lado, pudemos observar, graças á
ação de políticas públicas como Bolsa Família, a redução, entre 2004 e 2013,
dos índices de pobreza no país de 20% para 9%[13], por outro constatamos
que as regiões onde esta pobreza mais se concentra continuam sendo os estados
que compõem as macrorregiões do Norte e Nordeste, e mais especificamente suas
zonas rurais[14].
E sua causa, acreditem, já é bem antiga
e conhecida: falta de infra-estrutura e a frágil agricultura familiar.
Avançando mais profundamente no contexto
brasileiro, não podemos deixar de mencionar mais uma vez, ainda mais com o tema
proposto, as causas da pior crise econômica da história nacional. Como salienta
Raul Velloso[15],
o primeiro ponto significativo neste percurso de péssima economia doméstica que
nos conduziu ao atual estado de coisas consiste justamente na expansão dos
gastos públicos de forma a insuflar ou gerar uma quantidade exponencial de
demanda agregada, em detrimento do estímulo a poupança familiar e, por
conseguinte, aos investimentos. A ideia de se buscar um superávit primário, e a
necessidade de conter as despesas correntes que a ela se associa, foi
abandonada completamente. Gastos sem lastros rentáveis – fundos existem ou
possivelmente arrecadados – passaram a ser expedidos sob medida de contratação
de empréstimos e endividamento, conduzindo a uma situação insustentável de
déficit orçamentário e salto gigantesco da divida pública em relação ao PIB.
Em adição, a economia do setor privado não apresentou
crescimento no mesmo ritmo da expansão dos gastos. Isto em parte, sobretudo, à
burocracia lamentável e aos tributos escorchantes aplicados sobre a produção e
o lucro. A situação tornou-se pior com os reflexos da crise de 2008, quando a
inadimplência saltou no país, especialmente a partir de meados dos anos 2010;
fato este, por sua vez, decorrente da escassez de crédito aos pequenos e médios
empresários – boa parte do crédito fornecido pelo sistema bancário teve seu
consumo concentrado pelo próprio Tesouro, numa clara medida de financiar seus
déficits, uma vez que os recursos para tais gastos estavam se esgotando.
A clara consequência destes fatores tornou-se
óbvia: a dificuldade de concentrar capital através da poupança, em detrimento
da alta carga tributária e da falta de competividade do setor industrial principalmente,
fez diminuir sensivelmente a taxa de poupança e, quase no mesmo momento, a taxa
de investimentos do setor privado. Aliado a isto, os recursos captados pelo
Estado não se reverteram em investimentos de infra-estrutura. Como nos indica
Rabello de Castro[16] , parte considerável dos
recursos oriundos da iniciativa privada – que, de outro modo, seriam utilizados
de forma mais eficiente se alocados conforme o mecanismo da troca voluntária de
agentes econômicos – perdeu-se, evaporou-se dentro da própria máquina pública.
Do montante inicial capturado via impostos, praticamente metade era desviada
para outros fins, como programas sociais e custos com saúde e previdência.
Outros 40% eram destinados a manter os custos da burocracia estafante, incluído
aí salários do funcionalismo público, benefícios, etc... Apenas o restante,
deste modo, era “devolvido” ao setor produtivo sob a forma de investimentos.
Note como o capital que anteriormente poderia ter sido reinvestido em geração
de empregos e descobertas de processos de produção inovadoras e menos custos
pulverizou-se quase por completo neste ínterim. Por fim, a quantidade daquela
demanda agregada, financiada pelo próprio governo, não pôde ser suprida pela
produção manufatureira e industrial nacional. O custo das importações de bens
intermediários e outros insumos, primordiais para tais ramos da economia, a
perda de competividade causada por políticas protecionistas, a dificuldade de
entrada de novos concorrentes e, principalmente, a ausência de mão-de-obra
qualificada solaparam qualquer crescimento ou inovação neste setor.
Em resumo, novamente segundo Velloso[17], esta estrutura econômica
e social brasileira, impulsionada por um forte populismo e pelas ilusões de que
a inclusão social pode ser obtida unicamente mediante políticas públicas, fez
do Estado brasileiro um ente redistributivista sui generis, no qual apenas um terço do estado de bem estar social
redistribui a riqueza oriunda dos mais afortunados para os relativamente mais
pobres. De fato, justamente este modelo acabou com qualquer possibilidade de se atingir uma gestão pública que pudesse ser chamada de eficiente.
A consequência mais óbvia de todo este
processo, ao fim e ao cabo, é demonstrada pela recente pesquisa do FMI, segundo
a qual 7 países da América Latina, entre eles Bolivia, Chile, Perú e Colômbia
apresentam crescimento econômico anual muito superior ao notado no Brasil, que,
aliás, figura, juntamente com Argentina e Venezuela, como talvez os únicos
países da região mergulhados em forte recessão[18]. Em termos globais, em
2014, por exemplo, ficamos em 24º lugar em ranking mundial de crescimento
econômico, atrás de nações como Indonésia, Filipinas, Índia, Cingapura, Sudão
do Sul, Iêmen e Malásia[19]. E, pior ainda, em 2015, segundo o IBGE, o
Brasil voltou a registrar crescimento no índice de extrema pobreza, estagnada
desde 2009, quando chegara ao patamar de 8%. No ano passado, este índice saltou
incríveis 1,5%[20].
Há estimativas, inclusive, de que este índice tenda a aumentar nas atuas
condições financeiras do país.
Portanto, longe do que nossa Socialista Morena
nos leva a acreditar, a síndrome de Estocolmo que tanto advoga parece realmente
existir neste insidioso campo da economia política – só que ao contrário. É
justamente o péssimo ambiente de negócios, o tamanho exagerado do Estado
brasileiro, inflacionado com sua progressiva intervenção na economia nacional
através de um projeto nacional – bem mal sucedido - de subsídios e comando
central das atividades econômicas, além da ausência de poupança e investimentos
privados que nos legaram a atual desilusão de nossa classe mais pobre com o
discurso politicamente correto – e efetivamente desastroso. Um último
apontamento, se o leitor assim me permitir: viva o capitalismo!
[1] https://pt-br.facebook.com/SocialistaMorena/posts/623342084392965
[2] http://www.socialistamorena.com.br/tipinhos-da-direita-brazuca/
[3] http://www.worldbank.org/en/news/press-release/2015/10/04/world-bank-forecasts-global-poverty-to-fall-below-10-for-first-time-major-hurdles-remain-in-goal-to-end-poverty-by-2030
[4] Ibidem.
[5] https://openknowledge.worldbank.org/bitstream/handle/10986/6507/449860PUB0Box3101OFFICIAL0USE0ONLY1.pdf
[6] http://www.ppge.ufrgs.br/anpecsul2015/artigo/os_determinantes.pdf
[7] http://www.bresserpereira.org.br/Papers/2007/07.22.CrescimentoDesenvolvimento.Junho19.2008.pdf
[8] http://noticias.r7.com/internacional/idh-mostra-que-diferenca-entre-nacoes-ricas-e-pobres-esta-diminuindo-no-mundo-24072014
[9] http://pt.actualitix.com/pais/wld/indice-de-desenvolvimento-humano-por-pais.php
[10] http://exame.abril.com.br/economia/as-13-economias-que-devem-mais-crescer-nos-proximos-anos/
[11] http://www.heritage.org/index/ranking
[12] http://spotniks.com/5-ideias-de-esquerda-que-jamais-fizeram-o-menor-sentido-mas-voce-sempre-acreditou/
[13] http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/09/brasil-e-exemplo-na-reducao-da-pobreza-segundo-relatorio-da-onu
[14] https://nacoesunidas.org/pobreza-permanece-concentrada-no-norte-e-no-nordeste-do-brasil-diz-estudo-centro-onu/
[15] http://www.raulvelloso.com.br/o-dia-do-juizo-fiscal/
[16] http://www.saraiva.com.br/o-mito-do-governo-gratis-8184803.html
[17] http://www.raulvelloso.com.br/o-dia-do-juizo-fiscal/
[18] http://exame.abril.com.br/economia/7-paises-da-america-latina-que-crescem-o-dobro-do-brasil/
[19] http://exame.abril.com.br/economia/7-paises-da-america-latina-que-crescem-o-dobro-do-brasil/
[20] http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2016/12/02/internas_economia,559690/extrema-pobreza-volta-a-crescer-no-brasil-apos-seis-anos-aponta-ibge.shtml