"Quando vejo o princípio de liberdade em ação, vejo agir um princípio vigoroso, e isto, de início, é tudo que sei. É o mesmo caso de um líquido; os gases que ele contém se liberam bruscamente: para se fazer um julgamento, é necessário que o primeiro movimento se acalme, que o liquido se torne mais claro, e que nossa observação possa ir um pouco além da superfície".
Edmund Burke.

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

A Experiência comprova: sem sentido mesmo é ser Pobre de Esquerda!


Não faltam no Brasil críticas e mais críticas a respeito do “novo” fenômeno observado nas ultimas eleições aqui e mundo afora. Como foi possível que pobres, desvalidos e cidadãos em péssimas condições financeiras e sociais demonstrassem apoio a representantes “direitistas” e exploradores dos mais pobres?

 Tal fenômeno, caracterizado pela Socialista Morena como uma Síndrome de Estocolmo em larga escala[1], aprofundou sentimentos e paixões adversas. Em seu blog destinado a disseminar o “esquerdismo way of life”, podemos encontrar até mesmo uma caracterização dos tipos diferentes de “coxinhas” que compõem a direita brasileira[2]. Dentre os tipos observados, está o criticado pobre de direita, que seria ao mesmo tempo vítima do capitalismo e fiel defensor de seus arautos. No seu entender, o pobre de direita, ao condescender e apoiar o desenvolvimento do capitalismo e de um Estado mínimo, estaria incorrendo, na verdade, com sua própria ruína.

 Acresce que a empiria tem nos fornecido dados suficientes para colocar este discurso não somente à prova. Com efeito, nos tem fornecido razões suficientes para crer na sua afirmação contrária. Isto porque, em primeiro lugar, quando nos debruçamos sobre a questão histórica da extrema pobreza ao redor do mundo, podemos observar que o índice de pessoas, ao redor do globo, vivendo abaixo da linha da pobreza (que recebe menos do que US$ 1,90 por dia) tem apresentado forte redução ao longo das últimas décadas, chegando a especialmente após o colapso da União Soviética e do bloco socialista do leste europeu. Se em 1990 este índice já era superior a 30% da população mundial, esta parcela extremamente desfavorecida não compreendeu em 2015 mais do que 10% do total de habitantes[3]. A redução tem sido tal que levou os autores do último relatório da Banco Mundial a respeito do assunto a afirmarem que, mantido este ritmo, a pobreza extrema terá desaparecido do globo até ao ano de 2.030[4].

 Ainda segundo o Banco Mundial e outro relatório publicado pela entidade em 2008[5], que abordou as causas e os fatores determinantes do rápido crescimento econômico de treze nações, iniciado ainda em 1950, semelhanças nos modelos sócio-econômicos adotados por estes países o levaram a estabelecer uma espécie de “receita” com os ingredientes fundamentais para estabelecer um crescimento econômico, real, vigoroso, sustentável e inclusivo. Nesta, os 5 princípios[6] consistem na acumulação, entendida como investimento na formação bruta de capital; na inovação, que consiste no desenvolvimento de novos produtos e processos; na alocação de capital, feita conforme as demandas reais de produtores e consumidores; na estabilização macroeconômica e, por fim, num conjunto de políticas públicas destinadas a promover uma igualdade de oportunidades mais acentuada.

 Com esta abordagem, que fundamenta o crescimento econômico de um estado-nação no processo de acumulação de capital e incorporação de progresso técnico ao trabalho e ao capital que, por conseguinte, conduz, ao aumento da produtividade, dos salários e do padrão médio de vida da população[7], pôde concluir o Banco Mundial que esta redução nos índices de extrema pobreza deveu-se, principalmente, ao crescimento econômico de muitas nações subdesenvolvidas, aos investimentos em educação, saúde e seguridade social.

 O cenário torna-se ainda mais elucidativo quando cruzamos estes dados com as pesquisas fornecidas pelas Nações Unidas a respeito do desenvolvimento humano. Nos últimos relatórios sobre o item, fica claro que a distância entre os países mais ricos e aqueles notadamente mais pobres têm diminuído[8], ainda que de forma lenta. De modo geral, surpreendentemente algumas das nações consideradas mais pobres do mundo estão entre aquelas que apresentaram uma evolução mais acentuada em seu nível de desenvolvimento humano, sendo Zimbábue e Nigéria os principais exemplos neste quesito[9]. Ao cruzarmos estas evidências com as pesquisas fornecidas pelo Banco Mundial e pelo instituo Austin Rating, é revelador constatar que, dentre as 13 nações que mais crescem no mundo, pelo menos metade está no continente africano e algumas inclusive constam também na lista de países que apresentaram evolução nos índices de desenvolvimento humano[10]: Costa do marfim, Ruanda, Tanzânia, República Democrática do Congo, Etiópia, Nigéria e Moçambique.
 É interessante observar um movimento no mesmo sentido, agora segundo a Heritage Foundation, em que países como Costa do marfim, Tanzânia e Congo têm apresentado melhoras quanto ao desenvolvimento de práticas institucionais importantes para o crescimento econômico: direitos de propriedade, combate à corrupção, estado de direito, acumulação de riqueza e livre comércio[11]. Dentre todas as nações ranqueadas, Tanzânia e Costa do Marfim apresentaram um crescimento de 1.0 em relação a pontuação em indexes anteriores – praticamente um dos maiores índices de evolução entre todos os listados.


 Dito de outro modo, a mensagem é evidente: o capitalismo tem logrado alçar da pobreza extrema e lançar a patamares maiores de riqueza contingentes cada vez maiores de pessoas, povos e nações. Como o diz Rodrigo da Silva:

o número de pessoas vivendo na mais absoluta pobreza vem caindo consideravelmente no mundo desde a Revolução Industrial. De fato, se os ricos ficaram mais ricos desde o início do capitalismo, os pobres também vem melhorando suas posições como nunca antes havia sido possível.

Os etíopes vivem hoje, em média, 24 anos a mais do que em 1960. Os chilenos já são mais ricos do que qualquer nação do mundo desenvolvido na década de cinquenta. A mortalidade infantil é menor hoje no Nepal do que na Espanha em 1960. Há 35 anos, 84% dos chineses vivia abaixo da linha da pobreza – esse número caiu para 6%, como reflexo da abertura econômica iniciada com a subida de Deng Xiaoping ao poder. Desde 1990, aliás, o percentual da população mundial vivendo na extrema pobreza caiu mais da metade – para menos de 18%.

Atualmente, os sul coreanos vivem, em média, 26 anos a mais e ganham 15 vezes mais por ano do que em 1955 (ganham 15 vezes mais também que os norte coreanos, mas essa é outra história). Os mexicanos vivem agora, em média, mais do que os britânicos viviam em 1955. Em Botswana a população ganha, em média, mais do que os finlandeses ganhavam em 1955 (em 1966, cada cidadão botsuano ganhava em média 70 dólares por ano; o país tinha míseros doze quilômetros de estradas pavimentadas e vinte e dois habitantes com diploma universitário). Em duas décadas, a proporção de vietnamitas vivendo com menos de dois dólares por dia caiu de 90% para 30%[12].

 Voltando os olhos, agora, para a situação nacional, faz-se ainda mais forçoso concluir como a ruína de um povo está intimamente relacionada com a intervenção da ação pública em esferas onde sua atuação não é necessária. Se, por um lado, pudemos observar, graças á ação de políticas públicas como Bolsa Família, a redução, entre 2004 e 2013, dos índices de pobreza no país de 20% para 9%[13], por outro constatamos que as regiões onde esta pobreza mais se concentra continuam sendo os estados que compõem as macrorregiões do Norte e Nordeste, e mais especificamente suas zonas rurais[14].  E sua causa, acreditem, já é bem antiga e conhecida: falta de infra-estrutura e a frágil agricultura familiar.

 Avançando mais profundamente no contexto brasileiro, não podemos deixar de mencionar mais uma vez, ainda mais com o tema proposto, as causas da pior crise econômica da história nacional. Como salienta Raul Velloso[15], o primeiro ponto significativo neste percurso de péssima economia doméstica que nos conduziu ao atual estado de coisas consiste justamente na expansão dos gastos públicos de forma a insuflar ou gerar uma quantidade exponencial de demanda agregada, em detrimento do estímulo a poupança familiar e, por conseguinte, aos investimentos. A ideia de se buscar um superávit primário, e a necessidade de conter as despesas correntes que a ela se associa, foi abandonada completamente. Gastos sem lastros rentáveis – fundos existem ou possivelmente arrecadados – passaram a ser expedidos sob medida de contratação de empréstimos e endividamento, conduzindo a uma situação insustentável de déficit orçamentário e salto gigantesco da divida pública em relação ao PIB.

 Em adição, a economia do setor privado não apresentou crescimento no mesmo ritmo da expansão dos gastos. Isto em parte, sobretudo, à burocracia lamentável e aos tributos escorchantes aplicados sobre a produção e o lucro. A situação tornou-se pior com os reflexos da crise de 2008, quando a inadimplência saltou no país, especialmente a partir de meados dos anos 2010; fato este, por sua vez, decorrente da escassez de crédito aos pequenos e médios empresários – boa parte do crédito fornecido pelo sistema bancário teve seu consumo concentrado pelo próprio Tesouro, numa clara medida de financiar seus déficits, uma vez que os recursos para tais gastos estavam se esgotando.


 A clara consequência destes fatores tornou-se óbvia: a dificuldade de concentrar capital através da poupança, em detrimento da alta carga tributária e da falta de competividade do setor industrial principalmente, fez diminuir sensivelmente a taxa de poupança e, quase no mesmo momento, a taxa de investimentos do setor privado. Aliado a isto, os recursos captados pelo Estado não se reverteram em investimentos de infra-estrutura. Como nos indica Rabello de Castro[16] , parte considerável dos recursos oriundos da iniciativa privada – que, de outro modo, seriam utilizados de forma mais eficiente se alocados conforme o mecanismo da troca voluntária de agentes econômicos – perdeu-se, evaporou-se dentro da própria máquina pública. Do montante inicial capturado via impostos, praticamente metade era desviada para outros fins, como programas sociais e custos com saúde e previdência. Outros 40% eram destinados a manter os custos da burocracia estafante, incluído aí salários do funcionalismo público, benefícios, etc... Apenas o restante, deste modo, era “devolvido” ao setor produtivo sob a forma de investimentos. Note como o capital que anteriormente poderia ter sido reinvestido em geração de empregos e descobertas de processos de produção inovadoras e menos custos pulverizou-se quase por completo neste ínterim. Por fim, a quantidade daquela demanda agregada, financiada pelo próprio governo, não pôde ser suprida pela produção manufatureira e industrial nacional. O custo das importações de bens intermediários e outros insumos, primordiais para tais ramos da economia, a perda de competividade causada por políticas protecionistas, a dificuldade de entrada de novos concorrentes e, principalmente, a ausência de mão-de-obra qualificada solaparam qualquer crescimento ou inovação neste setor.

 Em resumo, novamente segundo Velloso[17], esta estrutura econômica e social brasileira, impulsionada por um forte populismo e pelas ilusões de que a inclusão social pode ser obtida unicamente mediante políticas públicas, fez do Estado brasileiro um ente redistributivista sui generis, no qual apenas um terço do estado de bem estar social redistribui a riqueza oriunda dos mais afortunados para os relativamente mais pobres. De fato, justamente este modelo acabou com qualquer possibilidade de se atingir uma gestão pública que pudesse ser chamada de eficiente.  

 A consequência mais óbvia de todo este processo, ao fim e ao cabo, é demonstrada pela recente pesquisa do FMI, segundo a qual 7 países da América Latina, entre eles Bolivia, Chile, Perú e Colômbia apresentam crescimento econômico anual muito superior ao notado no Brasil, que, aliás, figura, juntamente com Argentina e Venezuela, como talvez os únicos países da região mergulhados em forte recessão[18]. Em termos globais, em 2014, por exemplo, ficamos em 24º lugar em ranking mundial de crescimento econômico, atrás de nações como Indonésia, Filipinas, Índia, Cingapura, Sudão do Sul, Iêmen e Malásia[19].  E, pior ainda, em 2015, segundo o IBGE, o Brasil voltou a registrar crescimento no índice de extrema pobreza, estagnada desde 2009, quando chegara ao patamar de 8%. No ano passado, este índice saltou incríveis 1,5%[20]. Há estimativas, inclusive, de que este índice tenda a aumentar nas atuas condições financeiras do país.

 Portanto, longe do que nossa Socialista Morena nos leva a acreditar, a síndrome de Estocolmo que tanto advoga parece realmente existir neste insidioso campo da economia política – só que ao contrário. É justamente o péssimo ambiente de negócios, o tamanho exagerado do Estado brasileiro, inflacionado com sua progressiva intervenção na economia nacional através de um projeto nacional – bem mal sucedido - de subsídios e comando central das atividades econômicas, além da ausência de poupança e investimentos privados que nos legaram a atual desilusão de nossa classe mais pobre com o discurso politicamente correto – e efetivamente desastroso. Um último apontamento, se o leitor assim me permitir: viva o capitalismo!





[1] https://pt-br.facebook.com/SocialistaMorena/posts/623342084392965
[2] http://www.socialistamorena.com.br/tipinhos-da-direita-brazuca/
[3] http://www.worldbank.org/en/news/press-release/2015/10/04/world-bank-forecasts-global-poverty-to-fall-below-10-for-first-time-major-hurdles-remain-in-goal-to-end-poverty-by-2030
[4] Ibidem.
[5] https://openknowledge.worldbank.org/bitstream/handle/10986/6507/449860PUB0Box3101OFFICIAL0USE0ONLY1.pdf
[6] http://www.ppge.ufrgs.br/anpecsul2015/artigo/os_determinantes.pdf
[7] http://www.bresserpereira.org.br/Papers/2007/07.22.CrescimentoDesenvolvimento.Junho19.2008.pdf
[8] http://noticias.r7.com/internacional/idh-mostra-que-diferenca-entre-nacoes-ricas-e-pobres-esta-diminuindo-no-mundo-24072014
[9] http://pt.actualitix.com/pais/wld/indice-de-desenvolvimento-humano-por-pais.php
[10] http://exame.abril.com.br/economia/as-13-economias-que-devem-mais-crescer-nos-proximos-anos/
[11] http://www.heritage.org/index/ranking
[12] http://spotniks.com/5-ideias-de-esquerda-que-jamais-fizeram-o-menor-sentido-mas-voce-sempre-acreditou/
[13] http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/09/brasil-e-exemplo-na-reducao-da-pobreza-segundo-relatorio-da-onu
[14] https://nacoesunidas.org/pobreza-permanece-concentrada-no-norte-e-no-nordeste-do-brasil-diz-estudo-centro-onu/
[15] http://www.raulvelloso.com.br/o-dia-do-juizo-fiscal/
[16] http://www.saraiva.com.br/o-mito-do-governo-gratis-8184803.html
[17] http://www.raulvelloso.com.br/o-dia-do-juizo-fiscal/
[18] http://exame.abril.com.br/economia/7-paises-da-america-latina-que-crescem-o-dobro-do-brasil/
[19] http://exame.abril.com.br/economia/7-paises-da-america-latina-que-crescem-o-dobro-do-brasil/
[20] http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2016/12/02/internas_economia,559690/extrema-pobreza-volta-a-crescer-no-brasil-apos-seis-anos-aponta-ibge.shtml

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Desengane-se: o Conservadorismo e o Liberalismo possuem afinidades

 Há certo tempo foi escrito por Carlos Góes, membro fundador do Instituto Mercado Popular, um texto[1] um tanto quanto ousado, provocador, que se versa sobre um tema essencialmente polêmico, a saber, a divergência entre conservadorismo e liberalismo. Contudo, distante de ser revelador quanto a doutrina do conservadorismo, o texto acaba pecando por sua análise superficial quanto ao tema a que se propõe.

 Em muitos momentos, parece-nos que certos conceitos e visões manifestados pelo autor a respeito da doutrina conservadora não correspondem ou não a descrevem – perdem-se em lugares-comuns e equívocos singelos. O mesmo se pode dizer quanto ao liberalismo: os próprios autores citados em seu texto possuem páginas e mais páginas que evocam um comum acordo com muitos autores ditos conservadores.

 Mas, comecemos do início. Propõe Góes que “o foco fundamental dos conservadores é na tradição, nos costumes e na continuidade”, utilizando, para tanto, o famoso texto de Russel Kirk, contido em sua obra A Política da Prudência[2]. Ora, nesta mesma obra – nada modesta, nem pequena -, enfatiza o autor que o conservadorismo se trata de doutrina filosófica e política cujo principal objetivo é a conservação do edifício social e político, com os respectivos valores a ele associados, que contribuíram e nos legaram todos os benefícios, tradições e virtudes que gozamos em vida coletiva. O império da Lei, a ordem, a liberdade civil, a propriedade privada, as trocas voluntárias do comércio compõem o corolário de uma civilização por demais valiosa que precisa, sob pena de fazer desaparecer tudo aquilo pelo qual nutrimos profundo amor e veneração, ser conservada a fim de assegurar às gerações vindouras os tesouros que hoje herdamos e necessitamos conservar.

 Por isto mesmo, por esta visão que possui em seu seio preocupação primordial com o futuro e com a herança cultural que hoje é construída, melhorada e preservada, entendem os modernos conservadores que – isto sim – a sociedade deve ser entendida como um contrato. Mas não um contrato à maneira jusnaturalista, que precede um estado de natureza teórico e fundamenta um corpo político. Um contrato tácito, silencioso, milenar, de compromissos, direitos e deveres, que compõe a um determinado povo sua identidade e a seus habitantes seu sentimento de pertença, de solidariedade, o fundamento do tecido social que une a todos a partir de uma linguagem de compreensão comum e sem o qual as individualidades dissipar-se-iam como moscas num dia quente de verão. Em suma, um contrato que tem em si um capital social e humano, cheio daquele conhecimento empírico e não “teorizável” em livros ou compêndios, que foi resultado da interação social de muitas gerações precedentes e que correspondem ás muitas soluções para problemas concretos enfrentados no passado.

 A experiência, a realidade empírica, a história, é sem dúvida a única fonte e farol confiável para a tomada de decisão moral e política. As tradições e práticas que há tento perduram têm mais valor do que abstrações e cálculos geométricos em razão do fato de terem sobrevivido, como diz Coutinho[3], aos “testes do tempo”. Tais valores são racionais justamente porque resultam de uma “seleção natural”, em que as práticas mais adequadas à conservação e sobrevivência de um ordenamento social e político preservaram-se no tempo, demonstrando a sua vantagem em relação a outras possíveis alternativas.

 Neste sentido, a experiência mostra-se mais sábia e, portanto, mais valiosa para a ciência da moral e da política do que as soluções metafísicas e abstratas de um grupo qualquer de filósofos ou intelectuais, no mais das vezes nada mais do que meras utopias. Mas se engana se com isto se quer dizer que o conservadorismo consista numa ode adulatória ao status quo. Em direção diametralmente oposta à afirmação “as mudanças, embora necessárias para a nossa sobrevivência, são vistas como um mal inevitável”, a doutrina conservadora enxerga a mudança como a possibilidade máxima de conservação, de reparo de uma pequena parte em prol da sustentação de todo o edifício. A mudança não é avessa ao espírito conservador. Este a vê como algo positivo, necessário uma vez que a sociedade é um corpo orgânico, sujeito a mudanças para as quais as próprias tradições devem adaptar-se; algo positivo também desde que seja operada e levada adiante de forma prudente, gradual, sem pôr em risco as demais estruturas que mantêm a solidez do corpo político.


 Para tanto, é revelador notar a defesa ardorosa de Edmund Burke[4], talvez o maior de todos os conservadores modernos, da revolução americana e de sua independência face à coroa britânica. A política inglesa na colônia ultramarina já deixara de conservar e proporcionar aquilo que justamente a constituira através dos séculos: a liberdade dos súditos, a representação, a autonomia. Tornara-se tirania, e a busca dos colonos por independência e uma nova constituição que lhes assegurasse de uma vez por todas sua liberdade e independência era interesse genuíno e inteiramente legítimo. Da mesma forma, sua crítica ferrenha à Revolução Francesa não pode confundir-se com o interesse em manter o Antigo Regime e suas instituições. A crítica à Revolução dá-se, principalmente, por seu método, por sua psicologia de destruição total, pela aniquilação total do capital social e pela tentativa em reduzir a zero, em fazer como tábula rasa toda uma sociedade de séculos e séculos de história e desenvolvimento. Não se tratava de manter o status quo; trata-se de manter o que havia de positivo no estado francês, de evitar, em suma, a barbárie.

 Mais revelador ainda é notar as influências de outro grande filósofo conservador, David Hume, no pensamento político e econômico de Adam Smith[5]. A Riqueza das Nações, publicada em 1776, expõe de forma clara a preponderância do peso da experiência e do espírito cético sobre a análise de um fenômeno de tamanha grandeza como aquilo que Smith denomina como Sociedade Comercial. Sua obra não é um tratado filosófico-metafísico, de proposições abstratas ou puramente lógicas e formais. Seu estudo é antes de mais nada resultado da observação acurada da experiência fornecida pela imbrincada rede de relações comerciais e sociais que constituem o nascente capitalismo. Seu livro não visa a um objetivo moral de orientar um leitor por um rigoroso “dever-ser”. Ao fim e ao cabo, apenas exprime aquilo que é o livre comércio, e as vantagens inúmeras que dele advém.

 Chocante é também observar, se concordamos de início com Góes, como um conservador ardoroso como Joaquim Nabuco[6], leitor famigerado de Burke e John Mill, opôs-se como ninguém mais à escravidão no Brasil. Ou como um liberal de tanto prestígio como Hayek[7] demonstrou, à guisa de continuidade da tradição iniciada por Burke, Hume, Smith e Toqueville, que o livre mercado nada mais era do que o fruto de algo denominado Ordem espontânea – uma tradição criada pelos próprios indivíduos em interação social que viram nesta prática um instrumento de grande vantagem e valor e decidiram, por isto mesmo, mantê-la ao longo dos séculos. A sociedade comercial, das trocas voluntárias, tão natural à vida humana como a linguagem –eis a mensagem primordial de Hayek em sua obra A Constituição da Liberdade[8].

 Vale lembrar, por fim, que há no próprio Hayek o mesmo receio observado em Benjamim Constant, Ludwig von Mises, Eric Vögelin, Willhem Röpfke, Murray Rothbard e tantos outros, radicais liberais ou conservadores intransigentes: a tentativa de manusear, moldar e manipular a sociedade como se esta fosse um laboratório propenso a servir de campo de prática de experiências que pudessem comprovar teorias abstratas e metafísicas desenvolvidas por cientistas afastados da realidade social. A sociedade é um todo orgânico, com suas próprias leis e sujeita a eterna mudança, que não pode ser mudada à força por ordem ou pela força de um tirano de uma elite de burocratas governamentais. A afinidade que, em suma, une liberais e conservadores é esta, i.e.,a luta pela liberdade e preservação das tradições positivas através da mudanças ou regeneração dos costumes que perderam seu sentido ou se mostraram prejudiciais. Ou, como diria, Oakeshott, o amor por aquilo que herdamos e a que damos valor é o verdadeiros instinto conservador, que até os mais radicais possuem, ainda que em menor medida[9].




[1] http://mercadopopular.org/2014/01/nao-se-engane-o-conservadorismo-e-antagonico-ao-liberalismo/
[2] http://livrosconservadores.com.br/a-politica-da-prudencia-russell-kirk/
[3] http://docslide.com.br/documents/as-ideias-conservadoras-joao-pereira-coutinhopdf.html
[4] http://www.kirkcenter.org/index.php/detail/how-dead-is-burke-1950/
[5] https://disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/69198/mod_resource/content/3/CHY%20A%20Riqueza%20das%20Na%C3%A7%C3%B5es.pdf
[6] http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000096.pdf
[7] http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp036379.pdf
[8] http://docplayer.com.br/10369204-A-contribuicao-de-hayek-as-ideias-politicas-e-economicas-de-nosso-tempo.html
[9] http://faculty.rcc.edu/sellick/On%20Being%20Conservative.pdf

sábado, 17 de dezembro de 2016

“A Minha Vontade ou a Barbárie” – Os Criminosos contra as Instituições


No último dia 13, após aprovação em segundo turno da PEC 241/55, que propõe o teto para as despesas não financeiras da União, uma manifestação organizada pelos grupos Frente Povo sem Medo e Frente Brasil Popular ensejou mais um episódio significativo que demonstra como nossa esquerda (ou pelo menos uma parte dela) nutre respeito pelas instituições do país.

 Como podemos observar neste vídeo[1], o alvo dos ataques criminosos foi a própria FIESP, considerada a Bastilha[2], o baluarte do “Antigo Regime” que encontrou oportunidade de consolidação de seu poder na bancada dos golpistas no Congresso e na Presidência da República.

 O motivo alegado para o protesto foi justamente demonstrar o repúdio pela “perda de direitos” sociais, representada pela mencionada emenda, e a possibilidade de flexibilização de direitos trabalhistas e previdenciários num futuro próximo. Claro está que afirmação da perda de direitos não passa de um sofisma; uma afirmação abstrata que não leva em consideração que a saúde e a educação foram áreas preservadas pelo congelamento dos gastos, e que todos os demais direitos coletivos (tais como estes) não são de graça e não podem ser mantidos a menos que duras reformas, impopulares, sejam levadas a cabo.

 Afirmam também tais grupos, planejando e endossando a prática de crimes e total falta de aptidão para a vida em sociedade, que agem somente desta forma em razão da ilegitimidade do governo Temer, que por definição não tem no diálogo sua maneira de agir. Outra inversão de valores. Desde a sinalização de que o processo de Impeachment poderia tornar-se realidade, até sua conclusão definitiva neste ano, a posição fortemente defendida pela hoje oposição foi claramente a do não diálogo, da rigidez frontal, da acusação insidiosa, da demonização dos adversários, da frugalidade e inutilidade de dialogar com abastados mancomunados com o capital estrangeiro e com o “neoliberalismo opressor”. E a iniciativa espalhou-se para os movimentos sindicais e companhia aparelhada – também chamada de movimentos populares -, cuja instrução nada mais foi senão o de combater pela força os “inimigos do povo”, atribuindo os piores adjetivos àqueles que ousassem pensar diferente. Sua finalidade não pôde ser outra a não ser espalhar o ódio, levantar as massas, espraiar a intranquilidade e o desprezo total pelo estado de coisas que possuímos.

 No começo do ensaio mencionei que esta esquerda nutre um tipo de respeito pelas instituições brasileiras. Reitero: trata-se de um respeito muito singular, cuja medida de valor consiste na conveniência. Quando a ex-presidente presidia o poder após ser eleita através das eleições mais sujas da história do país, com suspeitas de financiamento ilícito de sua chapa durante as campanhas eleitorais de sua chapa, esboroando a legitimidade de seu mandato e deixando claro que também seu segundo mandato era fraudulento, alguns desses grupos reservavam-se ao silêncio. Por pura conveniência, boa parte dos que hoje gritam “fora Temer” por considerar seu governo ilegítimo, não gritaram, pelas mesmas razões, “fora Dilma” no dia seguinte após o vazamento destas informações. Estranho, não é?

 Da mesma forma, pouco ou quase nada chiaram quando em 2003 o então presidente Lula propôs algo extremamente semelhante ao o que viria ser a PEC 55, á época criticada pela oposição tucana e posteriormente arquivada por falta de apoio no Congresso. Ou levantaram a questão da consulta com a sociedade quando a reforma do Ensino Médio foi proposta pela então chefe do executivo, Dilma Roussef. Menos ainda ousaram reclamar quando a FIESP concedeu seu apoio à mesma durante suas eleições[3], ou quando a apoiou quando esta decidiu, juntamente com Levy, manter baixas a taxa Selic do Banco Central.

 Para justificar os atos violentos perpetrados neste dia, e em muitos outros, os paladinos da democracia popular se arvoram no famoso discurso da exclusão, que redime e diz que o crime, o vandalismo, a falta de cidadania são próprios daqueles que não tem voz na política, não participam do poder ou do espaço público, não tem meios de serem ouvidos. Se esquecem, apenas, de explicar de onde origina a legitimidade de utilizar a mera força, sabendo que ninguém pode dar mais poder do que possui. Se dizem representar os desvalidos e miseráveis, esquecidos pela República. Por qual decreto? Qual assembleia? Qual referendo? Podemos inclusive duvidar que esta massa de desvalidos aprove suas ações. Colocam em risco a integridade de outras pessoas e violam direitos intrínsecos, salvaguardados por nossa Constituição Federal, tais como a inviolabilidade da propriedade e a segurança, utilizando como razão legitimadora a violação da integridade dos manifestantes por parte da Polícia Militar!

 Na matéria do Diário do Centro do Mundo[4], lemos que a depredação a FIESP tratou-se também de um acerto de contas, tímido, por aquilo que ela desviou e que pertencia ao povo brasileiro. Os manifestantes são juízes de que Vara? Representam o Ministério Público? Agem em nome da lei? Que senso de justiça iluminado, realmente formidável. Fazem justiça com as próprias mãos, segundo o próprio juízo, agindo pela acepção do direito do mais forte. Dizem que a violência é justa quando o governo é ilegítimo. Princípio sem dúvida justo, mas que levanta o questionamento, a saber, era a FIESP uma autoridade pública? O presidente Temer estava em suas dependências? Sua equipe, o Congresso Federal, todo o centro de controle e decisões residia naquele prédio?

 Em suma, o que assistimos no dia 13 não foi um ato democrático em defesa da liberdade ou da própria democracia. Foi um exemplo de falta de cultura cívica, de uma completa ausência dos valores da cidadania e da vida em comunidade política. Esta esquerda mais uma vez demonstrou que não sabe lidar com a derrota política quando esta ocorre. Demonstrou mais um típico caso de choramingo, fruto da incompreensão e da recusa em lidar com uma realidade que se concretizou diferente daquela almejada.      




[1] https://www.youtube.com/watch?v=oQQvdrsvQfY
[2] http://www.esquerdadiario.com.br/Milhares-de-pessoas-em-ato-contra-PEC-55-expressam-seu-odio-a-Fiesp
[3] https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/03/17/Das-desonera%C3%A7%C3%B5es-ao-%E2%80%98ren%C3%BAncia-j%C3%A1%E2%80%99-como-a-Fiesp-rompeu-com-Dilma
[4] http://www.diariodocentrodomundo.com.br/o-que-aconteceu-na-fiesp-durante-protesto-contra-a-pec-do-teto-foi-legitima-defesa-por-kiko-nogueira/

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Quais as causas da crise econômica no Brasil?


Caro leitor, se alguém lhe lançasse esta pergunta, você seria capaz de respondê-la num só átimo? Provavelmente não, afinal as explicações para qualquer crise costumam envolver uma série de dados, fontes diferentes, autores e trabalhos consultados, etc... No entanto, longe de ser algo tão difícil de compreender ou fixar, as causas da crise no Brasil podem ser resumidas conforme aparecem a seguir.

 Na esfera econômica, a crise suscitada e que veio a tona a partir de fins de 2014 encontra suas causas, sobretudo, na economia doméstica e no novo tripé macroeconômico adotado ainda no final do segundo mandato Lula. Tal processo evidencia uma trágica sucessão de erros e nos convida a pensar no (in)sucesso do modelo econômico de crescimento que nos propusemos a seguir até agora.

 O primeiro ponto significativo neste percurso que contribui para o estado de coisas que vemos hoje consistiu na expansão dos gastos públicos de forma a insuflar ou gerar uma quantidade exponencial de demanda agregada, em detrimento do estímulo a poupança familiar e, por conseguinte, aos investimentos. A ideia de se buscar um superávit primário, e a necessidade de conter as despesas correntes que a ela se associa, foi abandonada completamente. Gastos sem lastros rentáveis – fundos existem ou possivelmente arrecadados – passaram a ser expedidos sob medida de contratação de empréstimos e endividamento, conduzindo a uma situação insustentável de déficit orçamentário e salto gigantesco da divida pública em relação ao PIB.

 Por outro lado, a economia do setor privado não cresceu no mesmo ritmo da expansão dos gastos. Isto em parte, sobretudo, à burocracia lamentável e aos tributos escorchantes aplicados sobre a produção e o lucro. A situação tornou-se pior com os reflexos da crise de 2008, quando a inadimplência saltou no país, especialmente a partir de meados dos anos 2010; fato este, por sua vez, decorrente da escassez de crédito aos pequenos e médios empresários – boa parte do crédito fornecido pelo sistema bancário teve seu consumo concentrado pelo próprio Tesouro, numa clara medida de financiar seus déficits, uma vez que os recursos para tais gastos estavam se esgotando.

 Aqui, a consequência destes dois fatores tornou-se óbvia: a dificuldade de concentrar capital através da poupança, em detrimento da alta carga tributária e da falta de competividade do setor industrial principalmente, fez diminuir sensivelmente a taxa de poupança e, quase no mesmo momento, a taxa de investimentos do setor privado. Aliado a isto, os recursos captados pelo Estado não se reverteram em investimentos de infra-estrutura. Como nos indica Rabello de Castro[1], parte considerável dos recursos oriundos da iniciativa privada – que, de outro modo, seriam utilizados de forma mais eficiente se alocados conforme o mecanismo da troca voluntária de agentes econômicos – perdeu-se, evaporou-se dentro da própria máquina pública. Do montante inicial capturado via impostos, praticamente metade era desviada para outros fins, como programas sociais e custos com saúde e previdência. Outros 40% eram destinados a manter os custos da burocracia estafante, incluído aí salários do funcionalismo público, benefícios, etc... Apenas o restante, deste modo, era “devolvido” ao setor produtivo sob a forma de investimentos. Note como o capital que anteriormente poderia ter sido reinvestido em geração de empregos e descobertas de processos de produção inovadoras e menos custos pulverizou-se quase por completo neste ínterim. Por fim, a quantidade daquela demanda agregada, financiada pelo próprio governo, não pôde ser suprida pela produção manufatureira e industrial nacional. O custo das importações de bens intermediários e outros insumos, primordiais para tais ramos da economia, a perda de competividade causada por políticas protecionistas, a dificuldade de entrada de novos concorrentes e, principalmente, a ausência de mão-de-obra qualificada solaparam qualquer crescimento ou inovação neste setor.


 Quase que instantaneamente, sem verem suas necessidades satisfeitas pela pífia indústria nacional, os consumidores brasileiros viram-se compelidos a importar. O nível de importações igualou-se e, em pouco tempo, superou as exportações, causando novos desequilíbrios. A oferta monetária, expandida pelo endividamento do Estado e pelos programas generosos de financiamentos a grandes empresários, iniciou uma subida gradual e irresistível da inflação, depreciando nosso poder de compra. A fim de tentar impedir a elevação generalizada dos preços, a dupla dinâmica Dilma-Mantega investiu em outra medida arriscada (e arbitrária): revogou contratos com o setor energético e petroquímico, estabelecendo novas cláusulas esdrúxulas com indexação de preços e tarifas. A estratégia era clara: empresas como a Petrobrás tornar-se-iam os instrumentos políticos e econômicos de manutenção de popularidade política às vésperas das eleições, além do controle de preços. Como consequência direta, bilhões de reais tiveram de ser desviados de forma a cobrir os déficits destas empresas consideradas “estratégicas” para o desenvolvimento nacional, condenando qualquer tipo de contabilidade responsável e minando os investimentos internos destas próprias empresas.

 Todavia, esta alternativa também se revelou um fiasco. A subida de preços, decorrente da inflação, não pôde ser contida, e fez piorar o quadro de serviços e gastos ineficientes da própria máquina pública. Como saída para segurar a “pressão inflacionária e estimular a criação de poupança” (risos), a União não teve outra escolha senão elevar de forma brutal a taxa básica de juros. Os efeitos de se ter, talvez, as maiores taxas de juros do mundo se mostram tenebrosos. O primeiro a ser afetado é o próprio governo, que vê a dívida pública, incluindo eventuais moratórias e custos adicionais, elevada e portanto mais difícil de ser quitada. Os demais a sentirem seus efeitos são todos os demais agentes da sociedade. Em especial, a elevada taxa de juros, associada aos fatores já descritos acima, provocaram um novo fenômeno, nem um pouco novo, nem inusitado: os negócios e as aplicações em mercados privados perderam rentabilidade relativamente ás aplicações no setor público, em especial na aquisição de títulos da dívida pública. Investidores, acionistas, possuidores de capital passaram a destinar seus recursos na compra de tais títulos – que nada mais são do que uma mera estratégia de rolagem de dívidas já existentes -, tornando ainda mais rarefeito o mercado de capitais e investimentos no setor produtivo da sociedade. A arrecadação e a receita governamental, ao mesmo tempo em que suas despesas saltaram, disparam para baixo, em plena queda livre. O buraco fiscal tornou-se uma realidade inevitável.

 O último pilar no qual o então governo petista se arregimentava ás vésperas da reeleição de Dilma – a alta taxa de emprego – também esboroou-se com o expandir da inflação e a subida dos preços. Os desajustes provocados pelo aumento da oferta monetária via expansão do crédito fácil apenas fizeram com que fosse impraticável calcular corretamente qualquer tipo de relação custo-benefício para investimentos de longo prazo. As inseguranças trazidas pela violação às claras das metas da inflação desencorajam empresários no seu papel de criação e inovação de processos que envolvessem várias etapas ao longo do tempo, já que, a longo prazo, a depreciação da moeda sugava qualquer rentabilidade possível do investimento. Por conseguinte, todas as atenções se voltaram para o fomento de serviços e bens de consumo imediato e produzidos em pouquíssimo tempo, em escala de especialização e divisão de funções baixíssimo. Noutros termos, a necessidade de mão-de-obra em alta escala desapareceu. Massas de trabalhadores se viram às ruas num piscar de olhos.

 O risco de insolvência e a clara indisposição do governo Dilma, em seu segundo mandato, de proceder a reformas necessárias para aliviar o quadro clinico do paciente apenas surtiram o efeito de afastar investidores e capitais estrangeiros do solo brasileiro. Some-se a isto a insegurança e a falta de previsibilidade que nossas instituições políticas proporcionam (com uma presidente irresponsável, sustentada por uma equipe de corruptos e sem qualquer respeito pelas regras de propriedade e validade de contratos) e teremos outra causa mortis do nosso cadáver, a saber, a desvalorização cambial. A retirada brusca e inusitada de moeda estrangeira pareceu fechar um longo processo já principiado de forma totalmente equivocada. Internacionalmente, as exportações brasileiras perderam competividade com o aumento de seus preços e dos insumos necessários a sua produção. Internamente, a carestia generalizava-se. O efeito em cascata já estava criado.

 Em síntese, podemos dizer que a crise que nos assola, nos termos de Raul Velloso[2], decorre principalmente da intervenção do Estado na economia, processo intensificado a partir de 2009. Para resumir todo este imbróglio:
  • ·  Alta carga tributária que, mesmo com desonerações sobre ramos específicos da economia, saltou para incríveis 37% do PIB já em 2014;
    ·       Gastos públicos exagerados e ineficientes, que, além de pulverizar os recursos da sociedade, se reverteram em serviços insatisfatórios;
    ·       Estagnação do setor industrial e de transformação, cujo ritmo defasado não pôde acompanhar o aumento dos gastos da União, e cujas causas estão associadas à própria ação governamental;
    ·       Educação e formação superior longe do ideal, com oferta escassa de mão-de-obra bem formada, especialmente o tipo de formação voltada à tecnologia;
    ·       Expansão da oferta monetária via expansão do crédito, a partir do endividamento que causou, por um lado, um gigantesco desequilíbrio fiscal e, por outro, inflação generalizada, escassez de poupança e acumulação de capital e desemprego;
    ·       Desperdícios dos recursos da União com o financiamento de grandes empresários e a alocação equivocada de recursos;
    ·       Indexação de preços, controle coercitivo dos setores energético e petroquímico, e o aumento (inevitável) da taxa de juros.
    Claro está, portanto, que o modelo econômico escolhido desde o plano real e intensificado nos últimos anos, pautado sobre o desenvolvimento protecionista liderado pelo “Estado empresário” e herdado do período ditatorial militar, encontra-se falido. É urgente efetuar reformas liberalizantes e regeneradoras de nossa capacidade de criação de riqueza, sob pena de nos afundarmos numa espiral do desespero sem fim.



[1] http://www.saraiva.com.br/o-mito-do-governo-gratis-8184803.html
[2] http://www.raulvelloso.com.br/o-dia-do-juizo-fiscal/

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

O que penso sobre o Aborto

 Restringir-me-ei neste ensaio a desenvolver minha posição em relação a este tema tão controverso. Longe de querer propor uma solução final a um problema insolúvel, proponho antes um exercício de concatenação e dedução lógica de consequências a partir de seus princípios originários. Portanto, este texto basicamente não se versará sobre seu aspecto prático.

 Em primeiro lugar, me parece que as divergências têm inicio num ponto fundamental, a saber, se o embrião e o feto já possuem vida – no sentido biológico do termo. Minha posição em respeito a este ponto é deveras clara: há concepção e vida desde o momento da fecundação. O embrião e o feto caracterizam uma vida humana plena, ainda em gestação. O fato de se discutir se este ser em desenvolvimento já possui um sistema nervoso desenvolvido que lhe permitiria sentir dor é particularmente secundário em relação ao tema central.

 Aqui estabeleço, ao mesmo tempo, uma conclusão e o ponto de partida essencial. O aborto envolve, em suma, uma dimensão ética que não podemos ignorar. Se se trata de uma vida humana, é moralmente correto defende-la com todas as faculdades que temos à disposição. “Age moralmente”, dizia o filósofo do esclarecimento, Immanuel Kant. Tenha o homem, a mulher, o ser humano, como um fim em si mesmo, jamais somente como um meio. Reflita e estabeleça seu principio de ação como uma máxima universalizável muito antes de agir, verberaria Hannah Arendt. É o sumo dever ético, de cada ser humano, proteger a vida, a nossa, do nosso próximo[1]. Podem dizer, “É um direito da mulher poder realizar o aborto” – antes de qualquer direito, é seu dever, fruto da sua virtude e liberdade, proteger a vida humana. Cada um de nós é em si a humanidade inteira.

 Por conseguinte, se assumimos que cabe a alguma autoridade, no nosso caso a autoridade pública, assegurar o direito à vida, da mesma forma como é legítima sua ação em proteção de qualquer individuo quando este se encontra em ameaça iminente de morte ou violação da integridade, podemos considerar ato legítimo sua interferência direta também nesta questão. Ninguém pode se valer de um poder absoluto, que não possui, nem submeter a domínio absoluto qualquer individuo, livre por natureza ou definição. A ação governamental de proibição à prática do aborto, deste modo, é ainda mais justificável dado que o embrião ou o feto não possuem quaisquer meios de defesa frente a uma ação violenta. O aborto é, claramente até aqui, não apenas ato infenso ao bom senso e ao sentimento de valoração imensurável da vida humana, como também uma prática extremamente cruel e torpe. A única exceção plausível poderia ser[2], de fato, o penoso caso de risco de morte, por parte da gravidez, existente à gestante. E isto não apenas porque, em caso de morte da progenitora, a vida do feto também se extinguiria, como também, podendo ser esta mulher mãe de outros filhos, cabe a ela e ao companheiro – se porventura o tenha – a criação e a proteção daqueles cujo sustento é impossível por suas próprias forças.

 Atingida esta segunda semi-conclusão, introduzo outro problema que não deve, de forma alguma, ser esquecido. Como parece ser essência do estado e de seus serviços públicos, ele opera mal, com resultados insatisfatórios e é extremamente ineficiente. Tal como no combate às drogas e nas campanhas pelo desarmamento, sua ação não soluciona os problemas em evidência e as consequências advindas conseguem deteriorar suas condições. E os custos envolvidos em todos estes casos são incrivelmente altos. A prática do aborto, infelizmente, como qualquer outro homicídio, jamais poderá ser sanada. Parece existir um movimento irresistível que conduz nações inteiras à legalização de sua prática. Este momento, cedo ou tarde, também chegará ao Brasil, isto já não estiver instalado em seu seio. Todavia, como já ficou claro anteriormente, sua possível legalização não conduz, ou não deve conduzir, a fazer do estado um ente responsável perante a sociedade, no sentido de possuir um dever, em fornecer as condições de possibilidade do aborto. Não sendo direito de qualquer pessoa praticar ato contra a vida de outrem, tampouco deve ser dever daquele que por origem deve assegurar o direito à vida oferecer todos os meios necessários a esta prática abominável.

 Em contrapartida ao o que muitos de seus opositores defendem, o principal campo de batalha contra a prática do aborto, no qual realmente os esforços podem render frutos muito mais valiosos e eficientes a longo prazo, consiste no ensino e na disseminação da virtude[3]. Uma sociedade livre não existe sem antes estar pautada em valores ou princípios de aceitação comum. A finalidade desta sociedade, como sabemos, deve sempre ser a liberdade, individual, civil e política; e, para tanto, se converge porque entendemos que uma sociedade de indivíduos livres é, além de moralmente superior às suas possíveis alternativas, a melhor organização possível, haja vista que possibilita a autonomia e a ação livre - porque moral – de todos. Neste sentido, e apenas neste, a legalização do aborto torna-se minimamente razoável (embora, a meu ver, continue imoral): muito mais valoroso e importante do que a coerção é a possibilidade da livre escolha, a tomada de consciência da importância e do caráter virtuoso de uma determinada conduta, neste caso, a colocação da vida como valor supremo. Os esforços da sociedade contra o aborto podem ser mais eficientemente empregados quando destinados a unir aquilo que sempre esteve no cerne da mensagem liberal: a liberdade não tem sentido se não estiver associada à virtude. A liberdade é pré-condição para a ação virtuosa, e esta é extremamente necessária para a sobrevivência da liberdade.

 A mensagem de que o aborto não passa de uma relativização da vida deve ser espalhada se se quer assegurar que vida de muitos seja preservada. Cedo ou tarde, o aborto será legalizado e, como informei no início, trata-se de uma questão que origina infindáveis debates, sem antes apresentar um desfecho plausível. O importante é estarmos preparados e agirmos com a coerência necessária, isto é, as mulheres contrárias ao aborto, que sigam com a gestação e futura criação até o fim; os contrários ao aborto, que se disponham a socorrer à mulher que desejar interromper a gravidez, mostrando-lhe o absurdo desta medida e lhe fornecendo, de algum modo, auxilio para que a gestação continue.




[1] Salvo, é claro, se este próximo atenta contra minha própria vida e liberdade.
[2] Ainda assim, tal situação não conduz a uma relação de causalidade sui generis que possa nos fazer afirmar categoricamente que em todos os casos semelhantes ele possa ser permitido.
[3] Virtude no sentido clássico do termo.