"Quando vejo o princípio de liberdade em ação, vejo agir um princípio vigoroso, e isto, de início, é tudo que sei. É o mesmo caso de um líquido; os gases que ele contém se liberam bruscamente: para se fazer um julgamento, é necessário que o primeiro movimento se acalme, que o liquido se torne mais claro, e que nossa observação possa ir um pouco além da superfície".
Edmund Burke.

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Impostos e a Curva de Laffer: o site Voyager mentiu de novo



 Recentemente deparamo-nos com o artigo da plataforma online Voyager intitulado “A mentira que inventaram para os ricos não pagarem impostos: Curva de Laffer, um dos pilares da teoria econômica conservadora, é uma mentira”, no qual se pretende demonstrar o equívoco no qual consiste a curva de laffer e as implicações deste modelo.

 Apesar de bem escrito e com várias fontes, o artigo é grosseiro, não leva ou desconhece a teoria tradicional econômica a respeito dos impostos, não reflete ou distorce as próprias fontes que utilizou (o que não é novidade, como pode ser ver neste texto), faz ilações logicamente insustentáveis e termina por demonstrar sua própria ignorância sobre a Curva de Laffer. Na coluna de hoje, faremos uma análise sobre este tema tão controvertido que é a tributação e como determinar seus níveis ótimos, além de nos debruçar sobre este “formidável” artigo, fruto da engenhosidade dos autores da Voyager.  Spoiler: A página te enganou de novo.

Impostos e seus efeitos

 É largamente aceito na Academia nas ciências econômicas que a tributação não traz consequências positivas para produtores e consumidores. Necessários para a arrecadação fiscal, os impostos têm por características principais distorcer os incentivos que regem a atividade individual e reduzir a amplitude ou a dimensão da atividade econômica dos respectivos mercados sobre os quais se aplicam. A chamada Economia do Bem-Estar, ramo da economia que se detém na árdua tarefa de determinar simultaneamente a eficiência alocacional de recursos e sua consequente distribuição de renda, talvez seja um dos campos que mais se dedica ao assunto.

 Na sua acepção, os impostos estão profundamente associados ao conceito de “peso morto”: a perda de bem-estar econômico que é resultante de sua aplicação. Para compreender melhor o processo pelo qual se dá a perda de eficiência e de bem-estar a partir da introdução de um tributo, tome como exemplo um mercado qualquer, perfeitamente competitivo, no qual a livre interação entre vendedores e compradores resulta equilibrada pela ação de um preço de equilíbrio que equaliza as quantidades ofertada e demanda. Neste cenário, dizemos que o mercado encontra-se em equilíbrio, e que as forças em curso (oferta e demanda) o conduzem para um ponto ótimo, no qual há a aplicação máxima e mais eficiente possível dos recursos à disposição de compradores e vendedores, sem que haja desperdícios ou excessos de qualquer natureza. Neste estágio, forma-se um excedente econômico ou social resultante da soma dos excedentes do produtor e do consumidor, que representa o ganho obtido pelas duas partes em interação neste mercado.

 Para ilustrar melhor este processo, observe a tabela abaixo. Nela subscrevem-se a quantidade de produtos dispostos á venda e compradores dispostos a consumir conforme variam os preços finais. Note que as variações nos dois campos representam o funcionamento de duas leis básicas da economia: constantes as demais variáveis, um preço de venda mais alto faz subir a quantidade produzida que os vendedores estão dispostos a ofertar, ao passo que faz reduzir o número de unidades que os consumidores estão dispostos a adquirir. São justamente as leis de oferta e demanda e sua interação que coordenam a alocação de recursos de um dado mercado para um ponto ótimo, onde a quantidade produzida torna-se idêntica à quantidade demanda. Nos termos de Smith, os produtores e consumidores neste processo são levados como que por uma mão invisível a coordenar suas ações de forma eficiente e livre da coerção de um órgão regulatório. Note que a faixa verde a apresenta justamente este preço de equilíbrio:


MERCADO PRODUTO A

PREÇO UNITÁRIO
QUNATIDADE OFERTADA
QUANTIDADE DEMANDADA
 $0
0
0
 $10
50
0
 $8
40
1
 $6
30
2
 $5
20
4
 $4
18
8
 $3
16
10
 $2
15
15
 $1.5
9
22
 $1
4
30
 $0.5
0
50

 Agora, nesta próxima tabela, observe os excedentes do produtor, representado pela diferença entre os custos de produção e receita obtida com as vendas; do consumidor, caracterizado pela diferença entre a disposição de pagar pelo bem e o preço efetivamente pago, e a soma resultante entre ambas que dá origem ao excedente total. Em nosso contexto, o excedente do consumidor é representado pela multiplicação entre o número de consumidores que está disposto a pagar mais do que $2 por unidade e a diferença entre esta disposição o valor efetivamente pago, ao passo que o excedente do produtor é dado pela multiplicação entre os produtores que definitivamente conseguem produzir a um preço de venda inferior a $2 e a diferença entre este custo mínimo e preço efetivo de venda. Para os economistas, o valor demonstrado pelo excedente total representa o ganho geral oriundo da permuta entre vendedores e compradores e pode nos dizer o quanto, em termos de bem-estar, é gerado por determinada atividade e o quanto ficam em melhor situação os agentes envolvidos em tais transações:

PRODUTORES

CONSUMIDORES

QUANTIDADE DE PRODUTORES
PREÇO MÍNIMO ACEITÁVEL
QUANTIDADE DE CONSUMIDORES
PREÇO MÁXIMO ACEITÁVEL
0
 $0
0
 $0
50
 $10
0
 $10
40
 $8
0
 $8
30
 $6
1
 $6
20
 $5
2
 $5
18
 $4
6
 $4
16
 $3
10
 $3
15
 $2
15
 $2
9
 $1.5
22
 $1.5
4
 $1
30
 $1
0
 $0.5
50
 $0.5
EXCEDENTE DO PRODUTOR
 $17.5
EXCEDENTE DO CONSUMIDOR
 $62

 EXCEDENTE TOTAL
 $79.5


 Neste instante, porém, suponha que um benevolente governante estabeleça um imposto sobre os produtores no valor de $0.5 por unidade vendida, e que estes, receosos pela queda na quantidade demanda por seus serviços em razão deste tributo, repassem ao consumidor apenas parte do novo custo, sob a forma de um novo preço de venda, a saber, $2.30. Quais as consequências imediatas resultantes desta medida? Em primeiro lugar, com um novo custo de $0.50, parcialmente repassado ao novo preço de $2.30, subentende-se que aos produtores será necessário produzir os mesmos bens a um custo máximo de $1.80, o que implica na saída deste mercado de todos os ofertantes que não sejam capazes de produzir a um preço de venda (descontados os impostos) inferior a $2. Pelo lado dos compradores, o preço mais alto repele justamente aqueles que não aceitam pagar mais do que $2 por unidade ofertada. Como consequência, portanto, temos um novo preço de equilíbrio:

MERCADO PRODUTO A (COM IMPOSTOS)

PREÇO UNITÁRIO
QUNATIDADE OFERTADA
QUANTIDADE DEMANDADA
 $0
0
0
 $10.3
40
0
 $8.3
30
0
 $6.3
20
1
 $5.3
18
2
 $4.3
16
4
 $3.3
15
6
 $2.30
9
9
 $1.8
4
18
 $1.3
0
25
 $0.8
0
40


E um novo excedente total:

QTD DE PRODUTORES
PREÇO MÍNIMO ACEITÁVEL
QTD DE CONSUMIDORES
PREÇO MÁXIMO ACEITÁVEL
0
 $0
0
 $0
40
 $10.3
0
 $10.3
30
 $8.3
0
 $8.3
20
 $6.3
1
 $6.3
18
 $5.3
2
 $5.3
16
 $4.3
4
 $4.3
15
 $3.3
6
 $3.3
9
 $2.30
9
 $2.30
4
 $1.8
18
 $1.8
0
 $1.3
25
 $1.3
0
 $0.8
40
 $0.8
EXCEDENTE DO PRODUTOR
 $7.2
EXCEDENTE DO CONSUMIDOR
 $53,9

 EXCEDENTE TOTAL
 $61,9


  
 Em segundo lugar, além da redução da receita obtida pelos produtores e do excedente total - o qual demonstra estarem todos os agentes econômicos em pior situação a partir da implementação do tributo, com perda de bem-estar superior a 20% -, temos que os impostos afetam não somente a parte diretamente tributada – em nosso caso, os produtores -, mas estendem seus efeitos sobre todas as partes envolvidas na atividade em questão. Mesmo que os impostos incidissem sobre os consumidores, um preço superior conduziria, inexoravelmente, a uma redução do número de consumidores dispostos a adquirir o bem ao novo preço dado. No fim do processo, com a queda na quantidade demandada, apenas os produtores capazes de produzir a um menor preço permaneceriam neste mercado. O peso morto ocasionado pela implementação de um tributo – neste caso, cerca de $18,6 – representa, por um lado, a receita fiscal obtida pelo governo e, por outro, estima aproximadamente a razão do encolhimento de determinado ramo da atividade econômica.  


 A Curva de Laffer, neste sentido, explicita uma relação aritmética entre a alíquota de um imposto e sua progressão marginal, e o nível de arrecadação obtido para cada aumento. Apesar de não ter por objetivo buscar uma chamada “alíquota ótima”, pelo qual seria possível encontrar a máxima alíquota possível combinada com o maior nível de arrecadação também possível, a Curva é pródiga ao conseguir representar o efeito marginal ou decrescente que resulta da implementação de alíquotas marginais sobre diversos mercados. Por exemplo, ainda que um aumento da alíquota tributária em nosso caso para $0.8 por unidade vendida pudesse conduzir a um aumento da arrecadação, outra alíquota, agora de $1 por unidade, com certeza conduziria a uma redução não apenas da atividade econômica, mas também da arrecadação, de forma que a rentabilidade marginal deste imposto se demonstraria negativa.

Por que a arrecadação pode cair com o aumento de impostos?

 A resposta a esta pergunta esclarece porque a parábola da curva de laffer possui inclinação negativa e porque, afinal, um corte de impostos pode resultar num aumento da arrecadação.

 A chave para este mistério encontra-se na questão dos incentivos e sua relação com o custo de oportunidade, segundo o qual o custo de um bem, ação ou escolha é equivalente àquilo do qual abrimos mão para obtê-lo. Este conceito é melhor exemplificado com o uso do tradeoff mais comum com o qual nos deparamos hoje: a escolha entre desfrutar mais horas de lazer ou dedicar mais tempo ao trabalho. Imagine que um sujeito qualquer receba por hora a importância de $10. Para si, uma hora adicional de lazer significa possuir $10 a menos para gastar com suas preferências e obrigações. No entanto, caso venha a ser promovido e bonificado com um novo salário de $30, cada hora adicional de lazer que decida desfrutar implicará num custo ainda maior em termos de poder aquisitivo. Noutros termos, sua hora livre encarece à medida que aumentam seus rendimentos por hora trabalhada.

 No entanto, a partir do momento em que se inserem os impostos sobre a folha de pagamento, a situação pode inverter-se por completo. Imagine que para cada salário por hora igual ou superior a $20 e inferior a $30 aplique-se uma alíquota de 20% de impostos sobre a remuneração total, e 30% para os ordenados a partir de $30. Neste caso, o mesmo sujeito que passou a receber $30, ficará, em verdade, com apenas 21$ disponíveis para uso próprio. A depender de outros fatores, como custo de vida e nível de preços da economia, $21 pode parecer-lhe insuficiente para abrir mão de mais horas de lazer, levando-lhe à decisão de recusar dispensar mais horas em sua atividade laboral ou mesmo recusar uma simples promoção, já que, por exemplo, $1 a mais de rendimentos para um ordenado $29 significa abrir mão de $9 iniciais, contra apenas uma faixa entre $5.8 e $4 caso permanecesse com seu rendimento entre $20 e $29 por hora trabalhada.

 A mesma situação é premente no que tange aos impostos sobre a renda. Numa situação hipotética na qual os cidadãos de um país com rendimentos anuais de até $19.999,99 são isentos de tributação, receber um centavo a mais no ano fiscal podem oferecer um incentivo contrário à produtividade ou à acumulação de riqueza caso a alíquota para rendimentos superiores seja alta. Neste sentido, 40% de impostos para rendas superiores á isenção informada significam que qualquer cidadão pode se encontrar em situação pior, em termos de riqueza e poder aquisitivo, para cada $1 ganho no ano.      

 A alíquota marginal, ou adicional, que incide sobre a hora trabalhada ou o $1 de renda adicionais pode, portanto, representar uma grande distorção em termos de incentivo desincentivo à produção, ao consumo e à formação de capital. Não á toa David Stockman, diretor de orçamento do próprio governo Reagan, conta a seguinte história:

 [Reagan já estivera ele mesmo na curva de Laffer. “Fiquei rico fazendo filmes durante a Segunda Guerra Mundial”, dizia. Naquela época, a sobretaxa de guerra sobre a renda chegava a 90%. “Bastava fazer quatro filmes para ficar na alíquota mais alta”, observou. “Então todos nós parávamos de trabalhar depois do quarto filme e íamos para o interior”. As alíquotas elevadas faziam que as pessoas trabalhassem menos. Alíquotas mais baixas faziam que as pessoas trabalhassem mais. Sua experiência pessoal provou isso.  


 Para fazer coro à conclusão prévia de que alíquotas marginais afetam de forma diferenciada diferentes tipos de grupos e atividades, um recente relatório emitido pelo Banco Central Europeu em 2010, de autoria dos economistas Mathias Trabandt e Harald Uhlig, estimou que as receitas tributárias incididas sobre o trabalho poderiam aumentar em até 30% sem acarretar em perdas adicionais de receita, ao passo que nos impostos sobre os rendimentos de capital tal aumento é viável se estabelecido em até 6%. Na União Europeia, os números são, respectivamente, 8% e 1%. Surpreendentemente, em outro artigo do mesmo período, desta vez da Universidade de Chicago e para o qual colaborou Mathias Uhlig, estimou-se que um corte geral de 32% nas alíquotas de impostos trabalhistas não traria grandes impactos ao orçamento federal americano, ao passo que o mesmo corte poderia ser estabelecido na União Europeia, sem perdas de receitas adicionais, em incríveis 54%. Sobre os rendimentos do capital, pouco mais de 50% de corte nos impostos norte-americanos seriam autossustentados (não exigiriam a contrapartida com outra forma de arrecadação), contra incríveis 79% na Europa. Os casos mais emblemáticos, porém, continuam sendo o de países como Dinamarca e Suécia, que estariam no lado descendente da curva de laffer e, portanto, poderiam melhorar sua situação orçamentária a partir do corte de impostos.     

  Diferentemente, portanto, da forma como a exposição da Curva de Laffer no artigo da Voyager nos leva a entender o assunto, sua contribuição mor encontra-se no papel que as alíquotas de impostos, em especial as marginais, – o imposto adicional pago por uma unidade adicional produzida, consumida ou poupada - exercem sobre os incentivos e, portanto, sobre a atividade econômica como um todo. Salta à vista, doravante, a completa falta de sentido da seguinte afirmação do texto:

 À primeira vista, o argumento pode parecer uma sofisticação de uma primeira aproximação trivial – que seria a simples linha reta ascendente, ou seja, a arrecadação cresceria linearmente de acordo com a alíquota. Mas essa “sofisticação” não resiste a uma análise com certo rigor: mesmo com alíquota 100%, ainda existiria atividade econômica diferente de zero, pois as pessoas não iriam simplesmente ficar inertes, sem fazer nada; e mesmo com altíssima sonegação e mercados paralelos, ainda haveria os “flagrantes” dessas atividades, recolhendo alguma quantia. Portanto, a hipótese de Laffer já parte de uma premissa falsa — o que já permite descartar essa ideia, mas vamos adiante.

 Podemos perguntar ao leitor: quais atividades possuem ou possuíram uma alíquota de 100% sobre a quantidade produzida? O sistema de mão de obra escrava e a servidão feudal constituem ótimos exemplos. E quais os incentivos gerados por estas instituições conduzem à atividade econômica? O medo do açoite e da morte violenta, da exploração do trabalho e do confisco sobre a produção individual. Não chega a ser surpresa, doravante, que o crescimento econômico estabelecido sobre tais instituições costuma ser extremamente limitado, insustentável a longo prazo, legando à boa parte dos membros da sociedade um estado de miséria desolador e irremediável. A ilação do autor da Voyager beira às raias do absurdo, ao nos induzir que não haveria diferenças em termos de produtividade, níveis de produção e até mesmo de direitos humanos entre instituições econômicas com alíquotas tributárias baixas ou razoavelmente altas e outras absurdamente altas.  

A História macroeconômica dos EUA

 Outra conclusão elaborada no texto que não decorre necessariamente das premissas assumidas diz respeito ao sentido geral da interpretação da história macroeconômica dos EUA, a saber, que o corte de impostos foi um fator fundamental para os períodos de baixo crescimento da economia estadunidense. Trata-se, porém, de um raciocínio extremamente falso, pois, como vimos, a principal asserção da Curva Laffer consiste na suposição de que, em determinado momento, um corte adicional na alíquota de um imposto pode ocasionar até mesmo um aumento da arrecadação - em momento algum, contudo, afirmou seu idealizador que a Curva possui ligação direta com o crescimento econômico.

 Com efeito, tanto Krugman quanto Mankiw são contundentes ao esclarecer que o crescimento econômico é resultado da interação de uma série de fatores, entre eles os níveis de poupança nacional, a oferta monetária, a política fiscal, a taxa básica de juros, o estoque de capital, a produtividade dos fatores de produção, a economia externa e a formação de mão-de-obra. Neste sentido, é extremamente difícil – para não dizer incongruente e irresponsável no tema em questão – isolar um único fator a fim de encontrar possíveis relações entre seus efeitos e as causas finais de um processo tão vasto.

 Isto é melhor ilustrado quando nos deparamos com a era Reagan. Ao final dos anos 70 enfrentava os EUA sua maior taxa de desemprego em 20 anos (acima de 7%), com uma inflação anual quase acima dos 10% - a maior registrada em praticamente todo o século XX. A impopularidade do então presidente James Carter em 1980 conduziu à eleição do republicano Reagan, cujas medidas monetárias encabeçadas pelo presidente do Banco Central Americano durante seu governo, Paul Volcker, estabilizaram os níveis de preço da economia e fizeram-nos convergirem para as recém-estabelecidas metas de inflação. Embora os anos de ajuste inflacionário entre 1981 e 1984 tenham assistido a uma das maiores taxas de juros da economia norte-americana e conduzido, momentaneamente, a maior taxa de desemprego desde a Grande Drepressão (quase 10% em 1982 e 1983), há um quase consenso entre os economistas de que as mudanças levadas a cabo durante a administração Reagan prepararam o terreno para o boom econômico que vivenciaria a economia americana toda a década de 90, cujo forte crescimento e outras variáveis indicativas de saúde econômica só se alterariam drasticamente com a crise financeira de 2008.

 Outros pontos importantes a serem destacados dizem respeito, primeiramente, ao esquecimento de que a política fiscal de qualquer nação, outro fator muito importante para o crescimento econômico, inclui os níveis de tributação e o orçamento público. Com efeito, ainda que os EUA tenham testemunhado um corte drástico de impostos durante os primeiros anos da administração Reagan, os déficits públicos consecutivos durante seu governo conduziram a um salto da dívida pública americana e do gasto total público em relação ao PIB: ao fim de seu segundo mandato, a dívida pública havia praticamente triplicado, saindo do patamar de US$ 900 bilhões para incríveis US$ 2.7 trilhões. E, dados os efeitos fortemente negativos de déficits orçamentários frequentes e crescimento acelerado da dívida pública sobre a economia como um todo, quais haveriam de ser as principais causas do baixo crescimento estadunidense durante a década de 90, o corte de impostos ou o descontrole dos gastos públicos, aliados a duras medidas necessárias para reverter o quadro caótico legado pela administração Carter?

 Em segundo lugar, é preciso acrescentar que as taxas de crescimento da era Carter são fortemente distorcidas pelas taxas de inflação da época, o que, num primeiro momento, nos levam a crer que o crescimento real foi bem inferior. Para comparar melhor os dois períodos, iremos utilizar a taxa real de crescimento proporcionada pelo PIB real, donde a inflação já se encontra descontada. Utilizando como referência dólares americanos de 2009, em ambas as décadas o crescimento médio anual é exatamente o mesmo: 3,4% ao final dos anos de 1970-1979 e 1980-1989, sendo que em 1984, em plena administração Reagan, obtiveram os americanos a maior taxa de crescimento desde 1951, com incríveis 7,3%. No tocante à taxa de desemprego, nota-se pouca diferença entre os dois períodos. A década de 70 acumularia média anual de taxa de desemprego de 6,8%, contra 7,3% ao longo da década seguinte.  Já no que se refere à inflação, o período Carter defrontou-se com uma taxa média anual de 7%, contra 5,5% ao longo do período subsequente.

 A história é semelhante nas terras além-mar. No Reino Unido da era Thatcher, marcada por profundas políticas anti-inflacionárias, o alto desemprego em relação aos anos precedentes foram contrabalançados pela redução da taxa de inflação, que observou uma queda do patamar dos quase 20%, em 1979, para 9% em 1990, utilizando-se como ano base a libra esterlina de 1917. Ao longo dos 12 anos em que estivera no poder, a taxa média anual de inflação situou-se em pouco mais de 8%, contra 10,6% nos 12 anos precedentes. A taxa real de crescimento apresenta um movimento semelhante ao observado no contexto americano: tanto o período 1978-1990 quanto o anterior 1967-1979 observam um crescimento médio anual de cerca de 2,6%, com destaques negativos para a década de 70, onde o PIB nominal encolheu mais de 5% em 1976 e onde tiveram os britânicos sérios problemas com dívidas externas associadas ao FMI.

 Em ambos os contextos, porém, observa-se algo em comum, a saber, o direcionamento da política econômica de cada nação ao combate dos fatores desestabilizadores da economia e indutores de baixo crescimento, associados a altas taxas de desemprego, déficits públicos, queda de produtividade e desindustrialização. O corte de impostos foi essencial no sentido de suspender o efeito de retroalimentação causado por longos períodos de inflação, nos quais uma desvalorização constante da moeda acaba contrabalançada por um aumento nos impostos em virtude de evitar déficits maiores.

Conclusão

 Pelo que fica exposto, não resta dúvida de que o artigo da Voyager é mais uma obra preciosa da engenhosidade e artifícios criativos de seus autores. É verdade que a discussão a respeito da Curva de Laffer é extensa e ainda sem um ponto final, bem como é difícil observar, de fato, os efeitos empíricos da teoria.

 No entanto, é evidente a falta de compreensão sobre o assunto, especialmente sobre os impactos dos impostos sobre a atividade econômica. Também salta à vista a descontextualização dos autores citados, o que pode indicar uma clara tentativa de distorcer o sentido de discursos e até mesmo obras inteiras. Krugman, juntamente com Samuelson, por exemplo, considera que os corte de impostos levados adiante após a morte de John Kennedy, e por ele proposto, foram um fator fortemente responsável pelo forte crescimento econômico observado ao longo da década de 1960.

 A lição final que se subtrai desta longa exposição, portanto, consiste numa mensagem simples: os impostos não são positivos, tampouco neutros; alteram os incentivos sobre os agentes econômicos e são responsáveis por reduzir a atividade econômica. A curva de Laffer tem como proposta analisar os impactos de alíquotas marginais sobre a arrecadação, sem ter como único objetivo encontrar um ponto ótimo ou uma alíquota ótima de tributação.

Fontes




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