Recentemente deparamo-nos com o artigo da
plataforma online Voyager intitulado “A mentira que inventaram para os ricos
não pagarem impostos: Curva de Laffer, um dos pilares da teoria econômica
conservadora, é uma mentira”, no qual se pretende demonstrar o equívoco no qual
consiste a curva de laffer e as implicações deste modelo.
Apesar de bem escrito e com várias fontes, o
artigo é grosseiro, não leva ou desconhece a teoria tradicional econômica a
respeito dos impostos, não reflete ou distorce as próprias fontes que utilizou
(o que não é novidade, como pode ser ver neste texto), faz ilações logicamente
insustentáveis e termina por demonstrar sua própria ignorância sobre a Curva de
Laffer. Na coluna de hoje, faremos uma análise sobre este tema tão
controvertido que é a tributação e como determinar seus níveis ótimos, além de
nos debruçar sobre este “formidável” artigo, fruto da engenhosidade dos autores
da Voyager. Spoiler: A página te enganou de novo.
Impostos
e seus efeitos
É largamente aceito na
Academia nas ciências econômicas que a tributação não traz consequências
positivas para produtores e consumidores. Necessários para a arrecadação fiscal,
os impostos têm por características principais distorcer os incentivos que
regem a atividade individual e reduzir a amplitude ou a dimensão da atividade
econômica dos respectivos mercados sobre os quais se aplicam. A chamada
Economia do Bem-Estar, ramo da economia que se detém na árdua tarefa de
determinar simultaneamente a eficiência alocacional de recursos e sua
consequente distribuição de renda, talvez seja um dos campos que mais se dedica
ao assunto.
Na sua acepção, os impostos estão
profundamente associados ao conceito de “peso morto”: a perda de bem-estar
econômico que é resultante de sua aplicação. Para compreender melhor o processo
pelo qual se dá a perda de eficiência e de bem-estar a partir da introdução de
um tributo, tome como exemplo um mercado qualquer, perfeitamente competitivo,
no qual a livre interação entre vendedores e compradores resulta equilibrada
pela ação de um preço de equilíbrio que equaliza as quantidades ofertada e
demanda. Neste cenário, dizemos que o mercado encontra-se em equilíbrio, e que
as forças em curso (oferta e demanda) o conduzem para um ponto ótimo, no qual
há a aplicação máxima e mais eficiente possível dos recursos à disposição de
compradores e vendedores, sem que haja desperdícios ou excessos de qualquer
natureza. Neste estágio, forma-se um excedente econômico ou social resultante
da soma dos excedentes do produtor e do consumidor, que representa o ganho
obtido pelas duas partes em interação neste mercado.
Para ilustrar melhor este processo, observe a
tabela abaixo. Nela subscrevem-se a quantidade de produtos dispostos á venda e
compradores dispostos a consumir conforme variam os preços finais. Note que as
variações nos dois campos representam o funcionamento de duas leis básicas da
economia: constantes as demais variáveis, um preço de venda mais alto faz subir
a quantidade produzida que os vendedores estão dispostos a ofertar, ao passo
que faz reduzir o número de unidades que os consumidores estão dispostos a
adquirir. São justamente as leis de oferta e demanda e sua interação que
coordenam a alocação de recursos de um dado mercado para um ponto ótimo, onde a
quantidade produzida torna-se idêntica à quantidade demanda. Nos termos de
Smith, os produtores e consumidores neste processo são levados como que por uma
mão invisível a coordenar suas ações de forma eficiente e livre da coerção de
um órgão regulatório. Note que a faixa verde a apresenta justamente este preço
de equilíbrio:
MERCADO PRODUTO A
|
||
PREÇO UNITÁRIO
|
QUNATIDADE OFERTADA
|
QUANTIDADE DEMANDADA
|
$0
|
0
|
0
|
$10
|
50
|
0
|
$8
|
40
|
1
|
$6
|
30
|
2
|
$5
|
20
|
4
|
$4
|
18
|
8
|
$3
|
16
|
10
|
$2
|
15
|
15
|
$1.5
|
9
|
22
|
$1
|
4
|
30
|
$0.5
|
0
|
50
|
Agora, nesta próxima tabela, observe os
excedentes do produtor, representado pela diferença entre os custos de produção
e receita obtida com as vendas; do consumidor, caracterizado pela diferença
entre a disposição de pagar pelo bem e o preço efetivamente pago, e a soma
resultante entre ambas que dá origem ao excedente total. Em nosso contexto, o
excedente do consumidor é representado pela multiplicação entre o número de
consumidores que está disposto a pagar mais do que $2 por unidade e a diferença
entre esta disposição o valor efetivamente pago, ao passo que o excedente do
produtor é dado pela multiplicação entre os produtores que definitivamente
conseguem produzir a um preço de venda inferior a $2 e a diferença entre este
custo mínimo e preço efetivo de venda. Para os economistas, o valor demonstrado
pelo excedente total representa o ganho geral oriundo da permuta entre
vendedores e compradores e pode nos dizer o quanto, em termos de bem-estar, é
gerado por determinada atividade e o quanto ficam em melhor situação os agentes
envolvidos em tais transações:
PRODUTORES
|
CONSUMIDORES
|
||
QUANTIDADE DE PRODUTORES
|
PREÇO MÍNIMO ACEITÁVEL
|
QUANTIDADE DE CONSUMIDORES
|
PREÇO MÁXIMO ACEITÁVEL
|
0
|
$0
|
0
|
$0
|
50
|
$10
|
0
|
$10
|
40
|
$8
|
0
|
$8
|
30
|
$6
|
1
|
$6
|
20
|
$5
|
2
|
$5
|
18
|
$4
|
6
|
$4
|
16
|
$3
|
10
|
$3
|
15
|
$2
|
15
|
$2
|
9
|
$1.5
|
22
|
$1.5
|
4
|
$1
|
30
|
$1
|
0
|
$0.5
|
50
|
$0.5
|
EXCEDENTE DO PRODUTOR
|
$17.5
|
EXCEDENTE DO CONSUMIDOR
|
$62
|
EXCEDENTE TOTAL
|
$79.5
|
Neste instante, porém, suponha que um
benevolente governante estabeleça um imposto sobre os produtores no valor de
$0.5 por unidade vendida, e que estes, receosos pela queda na quantidade
demanda por seus serviços em razão deste tributo, repassem ao consumidor apenas
parte do novo custo, sob a forma de um novo preço de venda, a saber, $2.30.
Quais as consequências imediatas resultantes desta medida? Em primeiro lugar,
com um novo custo de $0.50, parcialmente repassado ao novo preço de $2.30,
subentende-se que aos produtores será necessário produzir os mesmos bens a um
custo máximo de $1.80, o que implica na saída deste mercado de todos os
ofertantes que não sejam capazes de produzir a um preço de venda (descontados
os impostos) inferior a $2. Pelo lado dos compradores, o preço mais alto repele
justamente aqueles que não aceitam pagar mais do que $2 por unidade ofertada.
Como consequência, portanto, temos um novo preço de equilíbrio:
MERCADO PRODUTO A (COM IMPOSTOS)
|
||
PREÇO UNITÁRIO
|
QUNATIDADE OFERTADA
|
QUANTIDADE DEMANDADA
|
$0
|
0
|
0
|
$10.3
|
40
|
0
|
$8.3
|
30
|
0
|
$6.3
|
20
|
1
|
$5.3
|
18
|
2
|
$4.3
|
16
|
4
|
$3.3
|
15
|
6
|
$2.30
|
9
|
9
|
$1.8
|
4
|
18
|
$1.3
|
0
|
25
|
$0.8
|
0
|
40
|
E um novo excedente total:
QTD DE PRODUTORES
|
PREÇO MÍNIMO ACEITÁVEL
|
QTD DE CONSUMIDORES
|
PREÇO MÁXIMO ACEITÁVEL
|
0
|
$0
|
0
|
$0
|
40
|
$10.3
|
0
|
$10.3
|
30
|
$8.3
|
0
|
$8.3
|
20
|
$6.3
|
1
|
$6.3
|
18
|
$5.3
|
2
|
$5.3
|
16
|
$4.3
|
4
|
$4.3
|
15
|
$3.3
|
6
|
$3.3
|
9
|
$2.30
|
9
|
$2.30
|
4
|
$1.8
|
18
|
$1.8
|
0
|
$1.3
|
25
|
$1.3
|
0
|
$0.8
|
40
|
$0.8
|
EXCEDENTE DO PRODUTOR
|
$7.2
|
EXCEDENTE DO CONSUMIDOR
|
$53,9
|
EXCEDENTE TOTAL
|
$61,9
|
Em segundo lugar, além da redução da receita
obtida pelos produtores e do excedente total - o qual demonstra estarem todos
os agentes econômicos em pior situação a partir da implementação do tributo,
com perda de bem-estar superior a 20% -, temos que os impostos afetam não
somente a parte diretamente tributada – em nosso caso, os produtores -, mas
estendem seus efeitos sobre todas as partes envolvidas na atividade em questão.
Mesmo que os impostos incidissem sobre os consumidores, um preço superior
conduziria, inexoravelmente, a uma redução do número de consumidores dispostos
a adquirir o bem ao novo preço dado. No fim do processo, com a queda na
quantidade demandada, apenas os produtores capazes de produzir a um menor preço
permaneceriam neste mercado. O peso morto ocasionado pela implementação de um
tributo – neste caso, cerca de $18,6 – representa, por um lado, a receita
fiscal obtida pelo governo e, por outro, estima aproximadamente a razão do
encolhimento de determinado ramo da atividade econômica.
A Curva de Laffer, neste sentido, explicita
uma relação aritmética entre a alíquota de um
imposto e sua progressão marginal, e o nível de arrecadação obtido para
cada aumento. Apesar de não ter por objetivo buscar uma chamada “alíquota
ótima”, pelo qual seria possível encontrar a máxima alíquota possível combinada
com o maior nível de arrecadação também possível, a Curva é pródiga ao
conseguir representar o efeito marginal ou decrescente que resulta da
implementação de alíquotas marginais sobre diversos mercados. Por exemplo,
ainda que um aumento da alíquota tributária em nosso caso para $0.8 por unidade
vendida pudesse conduzir a um aumento da arrecadação, outra alíquota, agora de
$1 por unidade, com certeza conduziria a uma redução não apenas da atividade
econômica, mas também da arrecadação, de forma que a rentabilidade marginal
deste imposto se demonstraria negativa.
Por
que a arrecadação pode cair com o aumento de impostos?
A resposta a esta pergunta esclarece porque a
parábola da curva de laffer possui inclinação negativa e porque, afinal, um
corte de impostos pode resultar num aumento da arrecadação.
A chave para este mistério encontra-se na
questão dos incentivos e sua relação com o custo de oportunidade, segundo o
qual o custo de um bem, ação ou escolha é equivalente àquilo do qual abrimos
mão para obtê-lo. Este conceito é melhor exemplificado com o uso do tradeoff
mais comum com o qual nos deparamos hoje: a escolha entre desfrutar mais horas
de lazer ou dedicar mais tempo ao trabalho. Imagine que um sujeito qualquer
receba por hora a importância de $10. Para si, uma hora adicional de lazer
significa possuir $10 a menos para gastar com suas preferências e obrigações.
No entanto, caso venha a ser promovido e bonificado com um novo salário de $30,
cada hora adicional de lazer que decida desfrutar implicará num custo ainda
maior em termos de poder aquisitivo. Noutros termos, sua hora livre encarece à
medida que aumentam seus rendimentos por hora trabalhada.
No entanto, a partir do momento em que se
inserem os impostos sobre a folha de pagamento, a situação pode inverter-se por
completo. Imagine que para cada salário por hora igual ou superior a $20 e
inferior a $30 aplique-se uma alíquota de 20% de impostos sobre a remuneração
total, e 30% para os ordenados a partir de $30. Neste caso, o mesmo sujeito que
passou a receber $30, ficará, em verdade, com apenas 21$ disponíveis para uso
próprio. A depender de outros fatores, como custo de vida e nível de preços da
economia, $21 pode parecer-lhe insuficiente para abrir mão de mais horas de
lazer, levando-lhe à decisão de recusar dispensar mais horas em sua atividade
laboral ou mesmo recusar uma simples promoção, já que, por exemplo, $1 a mais
de rendimentos para um ordenado $29 significa abrir mão de $9 iniciais, contra
apenas uma faixa entre $5.8 e $4 caso permanecesse com seu rendimento entre $20
e $29 por hora trabalhada.
A mesma situação é premente no que tange aos
impostos sobre a renda. Numa situação hipotética na qual os cidadãos de um país
com rendimentos anuais de até $19.999,99 são isentos de tributação, receber um
centavo a mais no ano fiscal podem oferecer um incentivo contrário à
produtividade ou à acumulação de riqueza caso a alíquota para rendimentos
superiores seja alta. Neste sentido, 40% de impostos para rendas superiores á
isenção informada significam que qualquer cidadão pode se encontrar em situação
pior, em termos de riqueza e poder aquisitivo, para cada $1 ganho no ano.
A alíquota marginal, ou adicional, que incide
sobre a hora trabalhada ou o $1 de renda adicionais pode, portanto, representar
uma grande distorção em termos de incentivo desincentivo à produção, ao consumo
e à formação de capital. Não á toa David Stockman, diretor de orçamento do
próprio governo Reagan, conta a seguinte história:
[Reagan já estivera ele mesmo na curva de
Laffer. “Fiquei rico fazendo filmes durante a Segunda Guerra Mundial”, dizia.
Naquela época, a sobretaxa de guerra sobre a renda chegava a 90%. “Bastava
fazer quatro filmes para ficar na alíquota mais alta”, observou. “Então todos nós
parávamos de trabalhar depois do quarto filme e íamos para o interior”. As
alíquotas elevadas faziam que as pessoas trabalhassem menos. Alíquotas mais
baixas faziam que as pessoas trabalhassem mais. Sua experiência pessoal provou
isso.
Para fazer coro à conclusão
prévia de que alíquotas marginais afetam de forma diferenciada diferentes tipos
de grupos e atividades, um recente relatório emitido pelo Banco Central Europeu
em 2010, de autoria dos economistas Mathias Trabandt e Harald Uhlig, estimou
que as receitas tributárias incididas sobre o trabalho poderiam aumentar em até
30% sem acarretar em perdas adicionais de receita, ao passo que nos impostos
sobre os rendimentos de capital tal aumento é viável se estabelecido em até 6%.
Na União Europeia, os números são, respectivamente, 8% e 1%. Surpreendentemente,
em outro artigo do mesmo período, desta vez da Universidade de Chicago e para o
qual colaborou Mathias Uhlig, estimou-se que um corte geral de 32% nas
alíquotas de impostos trabalhistas não traria grandes impactos ao orçamento
federal americano, ao passo que o mesmo corte poderia ser estabelecido na União
Europeia, sem perdas de receitas adicionais, em incríveis 54%. Sobre os
rendimentos do capital, pouco mais de 50% de corte nos impostos
norte-americanos seriam autossustentados (não exigiriam a contrapartida com
outra forma de arrecadação), contra incríveis 79% na Europa. Os casos mais
emblemáticos, porém, continuam sendo o de países como Dinamarca e Suécia, que
estariam no lado descendente da curva de laffer e, portanto, poderiam melhorar
sua situação orçamentária a partir do corte de impostos.
Diferentemente, portanto, da
forma como a exposição da Curva de Laffer no artigo da Voyager nos leva a
entender o assunto, sua contribuição mor encontra-se no papel que as alíquotas
de impostos, em especial as marginais, – o imposto adicional pago por uma
unidade adicional produzida, consumida ou poupada - exercem sobre os incentivos
e, portanto, sobre a atividade econômica como um todo. Salta à vista,
doravante, a completa falta de sentido da seguinte afirmação do texto:
À
primeira vista, o argumento pode parecer uma sofisticação de uma primeira aproximação
trivial – que seria a simples linha reta ascendente, ou seja, a arrecadação
cresceria linearmente de acordo com a alíquota. Mas essa “sofisticação” não
resiste a uma análise com certo rigor: mesmo com alíquota 100%, ainda existiria
atividade econômica diferente de zero, pois as pessoas não iriam simplesmente
ficar inertes, sem fazer nada; e mesmo com altíssima sonegação e mercados
paralelos, ainda haveria os “flagrantes” dessas atividades, recolhendo alguma
quantia. Portanto, a hipótese de Laffer já parte de uma premissa falsa — o que
já permite descartar essa ideia, mas vamos adiante.
Podemos perguntar ao leitor: quais atividades
possuem ou possuíram uma alíquota de 100% sobre a quantidade produzida? O
sistema de mão de obra escrava e a servidão feudal constituem ótimos exemplos.
E quais os incentivos gerados por estas instituições conduzem à atividade
econômica? O medo do açoite e da morte violenta, da exploração do trabalho e do
confisco sobre a produção individual. Não chega a ser surpresa, doravante, que
o crescimento econômico estabelecido sobre tais instituições costuma ser
extremamente limitado, insustentável a longo prazo, legando à boa parte dos
membros da sociedade um estado de miséria desolador e irremediável. A ilação do
autor da Voyager beira às raias do absurdo, ao nos induzir que não haveria
diferenças em termos de produtividade, níveis de produção e até mesmo de
direitos humanos entre instituições econômicas com alíquotas tributárias baixas
ou razoavelmente altas e outras absurdamente altas.
A História macroeconômica dos EUA
Outra conclusão elaborada no texto que não
decorre necessariamente das premissas assumidas diz respeito ao sentido geral
da interpretação da história macroeconômica dos EUA, a saber, que o corte de impostos
foi um fator fundamental para os períodos de baixo crescimento da economia
estadunidense. Trata-se, porém, de um raciocínio extremamente falso, pois, como
vimos, a principal asserção da Curva Laffer consiste na suposição de que, em
determinado momento, um corte adicional na alíquota de um imposto pode
ocasionar até mesmo um aumento da arrecadação - em momento algum, contudo,
afirmou seu idealizador que a Curva possui ligação direta com o crescimento
econômico.
Com efeito, tanto Krugman quanto Mankiw são
contundentes ao esclarecer que o crescimento econômico é resultado da interação
de uma série de fatores, entre eles os níveis de poupança nacional, a oferta
monetária, a política fiscal, a taxa básica de juros, o estoque de capital, a
produtividade dos fatores de produção, a economia externa e a formação de
mão-de-obra. Neste sentido, é extremamente difícil – para não dizer
incongruente e irresponsável no tema em questão – isolar um único fator a fim
de encontrar possíveis relações entre seus efeitos e as causas finais de um
processo tão vasto.
Isto é melhor ilustrado quando nos deparamos
com a era Reagan. Ao final dos anos 70 enfrentava os EUA sua maior taxa de
desemprego em 20 anos (acima de 7%), com uma inflação anual quase acima dos 10%
- a maior registrada em praticamente todo o século XX. A impopularidade do
então presidente James Carter em 1980 conduziu à eleição do republicano Reagan,
cujas medidas monetárias encabeçadas pelo presidente do Banco Central Americano
durante seu governo, Paul Volcker, estabilizaram os níveis de preço da economia
e fizeram-nos convergirem para as recém-estabelecidas metas de inflação. Embora
os anos de ajuste inflacionário entre 1981 e 1984 tenham assistido a uma das
maiores taxas de juros da economia norte-americana e conduzido, momentaneamente,
a maior taxa de desemprego desde a Grande Drepressão (quase 10% em 1982 e 1983),
há um quase consenso entre os economistas de que as mudanças levadas a cabo
durante a administração Reagan prepararam o terreno para o boom econômico que
vivenciaria a economia americana toda a década de 90, cujo forte crescimento e
outras variáveis indicativas de saúde econômica só se alterariam drasticamente com
a crise financeira de 2008.
Outros pontos importantes a serem destacados
dizem respeito, primeiramente, ao esquecimento de que a política fiscal de
qualquer nação, outro fator muito importante para o crescimento econômico, inclui
os níveis de tributação e o orçamento público. Com efeito, ainda que os EUA
tenham testemunhado um corte drástico de impostos durante os primeiros anos da
administração Reagan, os déficits públicos consecutivos durante seu governo
conduziram a um salto da dívida pública americana e do gasto total público em
relação ao PIB: ao fim de seu segundo mandato, a dívida pública havia
praticamente triplicado, saindo do patamar de US$ 900 bilhões para incríveis
US$ 2.7 trilhões. E, dados os efeitos fortemente negativos de déficits
orçamentários frequentes e crescimento acelerado da dívida pública sobre a
economia como um todo, quais haveriam de ser as principais causas do baixo
crescimento estadunidense durante a década de 90, o corte de impostos ou o
descontrole dos gastos públicos, aliados a duras medidas necessárias para
reverter o quadro caótico legado pela administração Carter?
Em segundo lugar, é preciso acrescentar que as
taxas de crescimento da era Carter são fortemente distorcidas pelas taxas de
inflação da época, o que, num primeiro momento, nos levam a crer que o
crescimento real foi bem inferior. Para comparar melhor os dois
períodos, iremos utilizar a taxa real de crescimento proporcionada pelo PIB
real, donde a inflação já se encontra descontada. Utilizando como referência
dólares americanos de 2009, em ambas as décadas o crescimento médio anual é
exatamente o mesmo: 3,4% ao final dos anos de 1970-1979 e 1980-1989, sendo que
em 1984, em plena administração Reagan, obtiveram os americanos a maior taxa de
crescimento desde 1951, com incríveis 7,3%. No tocante à taxa de desemprego,
nota-se pouca diferença entre os dois períodos. A década de 70 acumularia média
anual de taxa de desemprego de 6,8%, contra 7,3% ao longo da década seguinte. Já no que se refere à inflação, o período
Carter defrontou-se com uma taxa média anual de 7%, contra 5,5% ao longo do
período subsequente.
A história é semelhante nas
terras além-mar. No Reino Unido da era Thatcher, marcada por profundas políticas
anti-inflacionárias, o alto desemprego em relação aos anos precedentes foram
contrabalançados pela redução da taxa de inflação, que observou uma queda do
patamar dos quase 20%, em 1979, para 9% em 1990, utilizando-se como ano base a libra esterlina de 1917. Ao longo dos 12 anos em que
estivera no poder, a taxa média anual de inflação situou-se em pouco mais de
8%, contra 10,6% nos 12 anos precedentes. A taxa real de crescimento apresenta
um movimento semelhante ao observado no contexto americano: tanto o período
1978-1990 quanto o anterior 1967-1979 observam um crescimento médio anual de
cerca de 2,6%, com destaques negativos para a década de 70, onde o PIB nominal encolheu mais de 5% em 1976 e onde tiveram os britânicos sérios problemas com dívidas
externas associadas ao FMI.
Em ambos os contextos, porém, observa-se algo
em comum, a saber, o direcionamento da política econômica de cada nação ao
combate dos fatores desestabilizadores da economia e indutores de baixo
crescimento, associados a altas taxas de desemprego, déficits públicos, queda
de produtividade e desindustrialização. O corte de impostos foi essencial no
sentido de suspender o efeito de retroalimentação causado por longos períodos
de inflação, nos quais uma desvalorização constante da moeda acaba
contrabalançada por um aumento nos impostos em virtude de evitar déficits
maiores.
Conclusão
Pelo que fica exposto, não resta dúvida de que
o artigo da Voyager é mais uma obra preciosa da engenhosidade e artifícios criativos
de seus autores. É verdade que a discussão a respeito da Curva de Laffer é
extensa e ainda sem um ponto final, bem como é difícil observar, de fato, os
efeitos empíricos da teoria.
No entanto, é evidente a
falta de compreensão sobre o assunto, especialmente sobre os impactos dos
impostos sobre a atividade econômica. Também salta à vista a
descontextualização dos autores citados, o que pode indicar uma clara tentativa
de distorcer o sentido de discursos e até mesmo obras inteiras. Krugman,
juntamente com Samuelson, por exemplo, considera que os corte de impostos
levados adiante após a morte de John Kennedy, e por ele proposto, foram um
fator fortemente responsável pelo forte crescimento econômico observado ao
longo da década de 1960.
A lição final que se subtrai desta longa
exposição, portanto, consiste numa mensagem simples: os impostos não são
positivos, tampouco neutros; alteram os incentivos sobre os agentes econômicos
e são responsáveis por reduzir a atividade econômica. A curva de Laffer tem
como proposta analisar os impactos de alíquotas marginais sobre a arrecadação,
sem ter como único objetivo encontrar um ponto ótimo ou uma alíquota ótima de
tributação.
Fontes
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