Há poucas horas o
ex-presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva veio a público, durante encontro com
grupos sociais de agricultores, oferecer defesa à atual presidente em
exercício, Dilma Roussef, defronte às acusações de irresponsabilidade fiscal que
emanam da oposição, dos meios de comunicação e dos cidadãos comuns deste país.
Encontrando-se em vigência a investigação
acurada, seguida de reprovação ríspida de qualquer situação ou contexto que
pareça, ainda que debilmente, consistir em ato de corrupção, vimos a recomendação,
na semana anterior, por parte do Tribunal de Contas da União pela reprovação
das contas da campanha eleitoral da presidente quando candidata em 2014. Segundo
o órgão, os tesoureiros e administradores dos recursos da União, sob a
conivência de Dilma Roussef, incorreram nas chamadas “pedaladas fiscais”, onde
o repasse obrigatório de recursos do Tesouro a Caixa Econômica Federal, ao
Banco do Brasil e ao BNDES foi postergado em virtude da manutenção de programas
e privilégios sociais. Estas últimas instituições viram-se, deste modo,
delegadas ao levantamento de seus próprios recursos para a quitação dos rombos
milionários deixados pela União.
Face à esta situação, que progressivamente se
configura numa rejeição total da imagem da presidente e pode originar a
deposição de seu mandato e poderes, Lula optou por tentar dirimir as
consequências negativas deste mais novo escândalo protagonizado pelo TCU. Em um
discurso com vistas a aglutinar forças e lados dissidentes quanto à atual gestão
petista do poder executivo, o ex-presidente reafirmou a necessidade de se
furtar aos ataques perpetrados pela oposição, frisando que há ainda há, ao
alcance de sua legenda, meios suficientes para a saída da crise atual. O que,
no entanto, mas suscitou indignação em sua fala consiste na afirmação,
pretensamente ingênua, de que, se assim agiu, Dilma levou adiante as pedaladas
fiscais com o intuito único de manter os programas sociais do Bolsa Família e
do Minha Casa, Minha Vida.
Óbvio está que esta afirmação, apesar de
perdulária, apresenta um dúbio conteúdo. Primeiramente, se a asserção acima causa
estranheza a qualquer cidadão consciente do que atualmente se passa nas
instituições políticas, econômicas e cívicas que lhe rodeiam, não é exagero,
todavia, afirmar que esta não é desprovida de sentido. Com efeito, as pedaladas
fiscais foram tomadas em consonância à finalidade de arrecadar votos e
fidelizar eleitores quando o déficit público e o endividamento dos cofres do
Tesouro já se sobressaíam e colocavam em risco os programas sociais do governo.
O receio de que se perdesse o poder assombrou de tal modo seus detentores e
toda a coligação aliada que considerações éticas e legais não se impuseram na
tomada de decisões sobre as medidas necessárias para a aquisição de votos. Em
adição, Lula não apenas consentiu – em tom semelhante a uma confissão – com as
atuais constatações públicas acerca das contas da campanha de sua apadrinhada,
como também levou-nos a crer que os tais programas sociais, mais do que
fundamentar e estender benesses às parcelas mais pobres da população
brasileira, tinham função primordialmente política.
Em segundo lugar, conforme já havíamos enfatizado
no ensaio “A função política da corrupção”, com esta frase se torna legítimo tomar
o atual escândalo de corrupção como uma tragédia republicana, possivelmente sem
precedentes em nossa história. Muito mais do que o desvio ilícito e oculto de recursos
públicos para a satisfação de demandas privadas de funcionários públicos,
políticos ou empresários apoiadores do governo, o “Petrolão” e seus desmembramentos
atualmente em curso nos apontam distintamente para a prática pérfida da
perpetuação sem escrúpulos do poder político e dos instrumentos de coerção:
quantias insondáveis de dinheiro espoliadas do erário tiveram por finalidade
financiar campanhas, comprar votos, fornecer privilégios, estabelecer alianças,
enquanto o estado real da economia do país deteriorava-se sem que a isso nossa
presidente e seus aliados se detivessem com a merecida atenção.
Os esforços levados a cabo para que o poder se
mantivesse sob seu desígnio apenas revelou o fratricídio do Estado Democrático
de Direito, pois a Lei, soberana e superior até mesmo ao mais alto cargo
administrativo, esvaziou-se de seu significado, sendo usurpada e substituída
pela arbitrariedade do governante tornada a nova lei, o novo critério de
decisão e valoração das ações passadas e vindouras.
Sem muito esforço, desconfia-se e até
observa-se certo tipo de coerção do poder executivo sobre as demais Casas.
Táticas de intimidação e ameaça sobre o TSE ou sobre o STF, juntamente com o
fornecimento de propina em troca de apoio político cego e indistinto constituem
sintoma de desfalecimento das principais instituições da República, assim como
colocam em dúvida se há de fato, no sistema político brasileiro, uma real
divisão de poderes. Desconfia-se até mesmo da validade das últimas eleições,
onde rumores despontam a respeito de processos fraudulentos durante as
campanhas eleitorais. Se nota, principalmente, que a democracia nos parece ter
sido subtraída por um poder tirano, adulador das massas e rancoroso de nossos
valores da propriedade e autonomia.
Por fim, assistimos hoje a uma verdadeira
tragédia das instituições que compõem nosso corpo civil, e cujas finalidades
deveriam servir à manutenção de nossa liberdade. Com tudo isso, torna-se
assente, sobretudo, o aspecto falido de uma retórica populista voltada ao apelo
pelo combate à desigualdade e à pobreza. Programas sociais tais quais os
mencionados acima são também responsáveis pela deterioração presente da
economia, onde o cidadão pobre, afastado das grandes oportunidades e do acesso
a uma qualidade de vida melhor, sorverá o principal fruto amargo e indigesto
deste regime. Reformas de certa forma radicais, além de uma liderança política
sisuda e sábia, fazem-se mais do que necessárias se é objetivo comum a restituição
da República e a solidez das liberdades individuais que lhe são resultantes. A
tragédia republicana, talvez a maior de nossa história, desenrola com furor e
se nos toma de assalto, enquanto, receosos, lutamos e para que uma sociedade
livre enfim tenha lugar neste país chamado Brasil.