"Quando vejo o princípio de liberdade em ação, vejo agir um princípio vigoroso, e isto, de início, é tudo que sei. É o mesmo caso de um líquido; os gases que ele contém se liberam bruscamente: para se fazer um julgamento, é necessário que o primeiro movimento se acalme, que o liquido se torne mais claro, e que nossa observação possa ir um pouco além da superfície".
Edmund Burke.

terça-feira, 11 de julho de 2017

O Triste Caso da Loucura Petista

 Tudo começou com uma postagem de um colega. Nela, uma notícia[1] trazia que a mais notável conquista advinda com o período de regência petista, a erradicação da fome, revertia-se, evaporava-se, para tristeza de todos, com o “golpe” de 2014 e a crise econômica que assola o país.

  Bastou meu comentário de que o retorno do Brasil ao mapa da fome representava muito mais parte da herança do legado petista (em especial da última presidente) do que as consequências de uma nova política econômica, para que um verdadeiro circo de horrores se instaurasse.

 Argumentei que o modelo econômico de políticas fiscal e monetária expansionistas, adotado, sobretudo, a partir de 2009 havia esgotado nossas capacidades produtivas e nos lançado na maior crise econômica de nossa história e que seus efeitos nefastos haviam de perdurar ainda por muitos anos, legando à geração futura um peso e um atraso irreparáveis. Foi quando ouvi a primeira resposta original: “Como se o déficit fiscal fosse a causa de nossa instabilidade política (?)”. De imediato pensei que não havia me expressado de forma clara. Repeti que nossa crise econômica tinha forte fundamento fiscal, com elementos de descontrole dos gastos públicos e aumento dos déficits ficais, complementando que este comportamento tinha influência em nossa instabilidade política, embora esta não fosse a causa principal para a falência no combate à fome e que os escândalos de corrupção recentes do presidente Michel Temer não eram o objeto de discussão do artigo que originara a discussão. Ouvi que eu deveria procurar tratamento por estar sofrendo de problemas mentais.

 Logo na sequência, ouvi de outro que súbito se juntou ao debate que o movimento era típico dos “neoliberais”, amantes da coisa pública somente para buscarem subsídios para seus planos privados de lucro e poder e devotos oposicionistas a partir do momento que a fonte esgotava-se. Não redargui, por achar isto irrelevante para o propósito da discussão, mas pensei que o sujeito talvez houvesse confundido quem realmente esposara o BNDES. Para piorar, outro ainda acusou-me de contribuir para a situação lastimável ao ter votado no Aécio (!!!???).

 Naquele momento deveria ter tido a sensibilidade de “largar o osso” e investir meu tempo em algo menos absurdo, mas, talvez por afeto ao debate público, insisti. Apresentei os livros que fundamentavam minha posição , escritos por economistas e analistas políticos de saber respeitável – e, de novo, um tiro na água. Escutei (ou melhor, li) que o argumento da autoridade não é suficiente numa discussão, ao que, evidentemente concordei e que, por isto mesmo, dizia aguardar sua contra argumentação. Em resposta, o “camarada” desatou a falar da teoria de Chomsky a respeito da crise de 2008 e suas influências da maldade neoliberal sobre a democracia (?). Neste momento, citei outra obra na qual era demonstrado que nossos vizinhos (à exceção de Argentina e Venezuela), bem como diversas outras nações do globo, haviam apresentado um crescimento médio por ano bem superior aos nossos resultados e que esta constatação deitava em terra a importância da variável crise mundial para a crise que eclodira em 2014.


 Li em resposta que eu representava a soma do débil mental e do desonesto, que vivia em outra realidade, e que me furtava ao reconhecimento da triste realidade do “golpe”. Burro que sou, disse que a deposição de Dilma Roussef tinha fundamento legítimo na fraude contábil que cometera em seu governo e que a narrativa do golpe era sem sentido, utilizando para tal algumas fontes[2] diferentes[3][4]. Não teve jeito: a heresia consumara-se. Meu inquisidor, então, citou 5 artigos[5] no qual se argumentava que a acusada fora inocentada da acusação de ter emitido editos de crédito suplementar (curiosamente, 3 das fontes eram todas “golpistas”, notadamente o jornal O Globo, Valor Econômico[6] e o Estadão).      

 Li 3 das 5 notícias mencionadas e, para minha surpresa, em todas havia uma certa unanimidade: Dilma não havia incorrido em emissão de empréstimos ao enviar editos de crédito suplementar, conforme apontava a acusação, mas, mesmo assim, incorrera em improbidade administrativa ao efetivar transações extra-orçamentárias junto ao Tesouro. Na matéria do Estadão citada por ele[7]:

Ao atrasar os repasses aos bancos, o governo adiava despesas e, com isso, o registro, pelo Banco Central, desses passivos na dívida líquida do setor público. Para Marx, embora não seja crime comum, essa prática configura improbidade administrativa. “Todos os atos seguiram o único objetivo de maquiar as estatísticas fiscais, utilizando-se, para tanto, do abuso do poder controlador por parte da União e do 'drible' nas estatísticas do BC”, sustenta

 O procurador ressalta que essa irregularidade teve sérias consequências para a economia, entre elas o rebaixamento do rating pelas agências de classificação de risco. “É inegável que a prática das ‘pedaladas’ minou a credibilidade das estatísticas brasileiras, contribuindo para o rebaixamento da nota de crédito do País”.

 No mesmo sentido, na matéria citada pelo Jornal O Globo[8]:

“A conclusão do procurador da República responsável pelas investigações é que não houve crime, mas improbidade administrativa, uma vez que se objetivou uma maquiagem das contas fiscais com as "pedaladas". "Todos os atos seguiram o único objetivo de maquiar as estatísticas fiscais, utilizando-se para tanto do abuso do poder controlador por parte da União e do 'drible' nas estatísticas do Banco Central", disse Marx no pedido de arquivamento.

Um inquérito civil público investiga a prática de improbidade. O procedimento está na fase de apontar os responsáveis pelas manobras apuradas.”

Já numa fonte internacional, o autor concluiria que, embora as acusações dos editos de crédito suplementar fossem relativamente frágeis, ainda restava para a defesa esclarecer as outras três acusações que fundamentavam o pedido de impeachment[9]: “Las pedaladas fiscales es una de las cuatro acusaciones contra la presidenta, por lo que pese a que resulta exculpada de ello, el juicio continúa.”

 Em sequência, questionei-o se havia lido as fontes citadas, apresentando os trechos supracitados. Ele me respondeu convidando-me a ler as matérias em sua completude (?), ao que respondi que o convite, ainda mais em seu caso, era um pedido de mão dupla. Nervoso, acusou-me de incoerência e reforçou que eu deveria procurar tratamento urgentemente. Em nota, perguntei por que diabos, se é tão contrario à mídia golpista, havia citado fontes “direitosas”. Provavelmente sem graça e enrubescido frente a seu computador, esclareceu somente que as citou para que comprovasse que até os golpistas estavam cientes de que tudo não passara de uma “armação”.


 Resolvi tentar esclarecer em que medida os atos praticados pela gestão Roussef constituíam fraude contábil. Expliquei que, segundo a teoria patrimonialista da ciência contábil, todo o débito é igual ao crédito, e que todo o ativo deve ter sua origem representada, quantitativa e qualitativamente, no passivo. Esforcei-me para tentar fazê-lo entender que todo o aumento de patrimônio de determinada entidade deve ter seu registro correspondente no que tange à origem deste novo montante, de forma a equilibrar os recursos que eram próprios da entidade com os recursos que somavam-se a seu patrimônio, mas que tinham origem em terceiros. E esforcei-me para fazê-lo compreender que as operações do edito de crédito suplementar faziam aumentar mentirosamente o patrimônio da União, sem o correspondente registro de origem destes recursos, uma vez que o Tesouro havia emitido mais dinheiro. Na prática, isto significava dizer que a União havia enriquecido, sem, contudo, explicar de onde a riqueza adicional havia surgido – clara violação dos princípios contábeis estabelecidos por lei e que regem todas as entidades nacionais, inclusive a coisa pública.

 Adicionei que o verdadeiro golpe fora Dilma não enfrentar as consequências de seus atos por intermédio de uma ação do ministro Lewandowski. Injuriado, respondeu que minha ingenuidade clamava ao desassossego por confiar em um ministro do STF (?), e infrutíferas foram mais tratativas para explicar que  a questão não era a confiança neste ou naquele ministro, mas sim no “golpe” de ter imiscuído a ex-presidente de arcar com a perda de parte de seus direitos políticos.

 Sem sucesso em todos estes esforços, apenas respondeu que tudo era obra de minha mente fantasiosa e que estava preocupado comigo. Reforcei que precisava ler o que postava como fonte para sua argumentação, ao que, surpreso, li que os links postados na discussão, inclusive os meus, eram irrelevantes (!!??).

 Pois bem. Pude chegar à conclusão, após todo este imbróglio, que se a massa de militantes ou órfãos do petismo comporta-se, de maneira geral, desta forma, um eventual retorno ao poder do Partido dos Trabalhadores pode, sem sombra de dúvida, representar uma ascensão do fascismo, considerando este fenômeno do fascismo a partir das características que uma influente autora de esquerda, Marcia Tiburi, lhe associa: a impossibilidade de estabelecer um diálogo racional em razão da postura violenta ou da dissociação com a realidade, e a incapacidade de submeter o próprio pensamento e ação à inquirição filosófica, ao questionamento.

 É nítido que o petismo precisa atravessar a etapa de sua auto-análise, de buscar entender os erros do passado se quiser ainda procurar acertos no futuro. Enquanto não houver este movimento de “mea culpa”, seus seguidores condenam-se ao fracasso e ao ridículo político. Salta à vista, no entanto, o risco à democracia que a ascensão destas massas ao poder pode causar. A loucura e a falta de toque à realidade constituem forças mais que necessárias para a irracionalidade transformada em método de poder. Infelizmente, tempos sombrios se avizinham.




[1] https://www.brasil247.com/pt/247/brasil/305381/Golpe-recoloca-o-Brasil-no-mapa-da-fome-da-ONU.htm
[8] https://oglobo.globo.com/brasil/pedalada-de-dilma-no-plano-safra-nao-foi-operacao-de-credito-nem-crime-diz-mpf-19712360
[9] http://www.telesurtv.net/news/Senado-de-Brasil-exculpa-a-Dilma-Rousseff-de-maniobra-fiscales-20160627-0037.html

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