Tudo começou com uma postagem de um colega. Nela,
uma notícia[1]
trazia que a mais notável conquista advinda com o período de regência petista,
a erradicação da fome, revertia-se, evaporava-se, para tristeza de todos, com o
“golpe” de 2014 e a crise econômica que assola o país.
Bastou meu comentário de que o retorno do
Brasil ao mapa da fome representava muito mais parte da herança do legado
petista (em especial da última presidente) do que as consequências de uma nova
política econômica, para que um verdadeiro circo de horrores se instaurasse.
Argumentei que o modelo econômico de políticas
fiscal e monetária expansionistas, adotado, sobretudo, a partir de 2009 havia
esgotado nossas capacidades produtivas e nos lançado na maior crise econômica
de nossa história e que seus efeitos nefastos haviam de perdurar ainda por
muitos anos, legando à geração futura um peso e um atraso irreparáveis. Foi
quando ouvi a primeira resposta original: “Como
se o déficit fiscal fosse a causa de nossa instabilidade política (?)”. De imediato
pensei que não havia me expressado de forma clara. Repeti que nossa crise
econômica tinha forte fundamento fiscal, com elementos de descontrole dos
gastos públicos e aumento dos déficits ficais, complementando que este
comportamento tinha influência em nossa instabilidade política, embora esta não
fosse a causa principal para a falência no combate à fome e que os escândalos
de corrupção recentes do presidente Michel Temer não eram o objeto de discussão
do artigo que originara a discussão. Ouvi que eu deveria procurar tratamento
por estar sofrendo de problemas mentais.
Logo na sequência, ouvi de outro que súbito se
juntou ao debate que o movimento era típico dos “neoliberais”, amantes da coisa
pública somente para buscarem subsídios para seus planos privados de lucro e
poder e devotos oposicionistas a partir do momento que a fonte esgotava-se. Não
redargui, por achar isto irrelevante para o propósito da discussão, mas pensei
que o sujeito talvez houvesse confundido quem realmente esposara o BNDES. Para
piorar, outro ainda acusou-me de contribuir para a situação lastimável ao ter
votado no Aécio (!!!???).
Naquele momento deveria ter tido a
sensibilidade de “largar o osso” e investir meu tempo em algo menos absurdo,
mas, talvez por afeto ao debate público, insisti. Apresentei os livros que
fundamentavam minha posição , escritos por economistas e analistas políticos de
saber respeitável – e, de novo, um tiro na água. Escutei (ou melhor, li) que o
argumento da autoridade não é suficiente numa discussão, ao que, evidentemente
concordei e que, por isto mesmo, dizia aguardar sua contra argumentação. Em
resposta, o “camarada” desatou a falar da teoria de Chomsky a respeito da crise
de 2008 e suas influências da maldade neoliberal sobre a democracia (?). Neste
momento, citei outra obra na qual era demonstrado que nossos vizinhos (à
exceção de Argentina e Venezuela), bem como diversas outras nações do globo,
haviam apresentado um crescimento médio por ano bem superior aos nossos
resultados e que esta constatação deitava em terra a importância da variável crise
mundial para a crise que eclodira em 2014.
Li em resposta que eu representava a soma do
débil mental e do desonesto, que vivia em outra realidade, e que me furtava ao
reconhecimento da triste realidade do “golpe”. Burro que sou, disse que a
deposição de Dilma Roussef tinha fundamento legítimo na fraude contábil que
cometera em seu governo e que a narrativa do golpe era sem sentido, utilizando para
tal algumas fontes[2]
diferentes[3][4]. Não teve jeito: a heresia
consumara-se. Meu inquisidor, então, citou 5 artigos[5] no qual se argumentava que
a acusada fora inocentada da acusação de ter emitido editos de crédito
suplementar (curiosamente, 3 das fontes eram todas “golpistas”, notadamente o
jornal O Globo, Valor Econômico[6] e o Estadão).
Li 3 das 5 notícias mencionadas e, para minha
surpresa, em todas havia uma certa unanimidade: Dilma não havia incorrido em
emissão de empréstimos ao enviar editos de crédito suplementar, conforme
apontava a acusação, mas, mesmo assim, incorrera em improbidade administrativa ao
efetivar transações extra-orçamentárias junto ao Tesouro. Na matéria do Estadão
citada por ele[7]:
“Ao atrasar os repasses aos bancos, o governo adiava despesas e, com
isso, o registro, pelo Banco Central, desses passivos na dívida líquida do
setor público. Para Marx, embora não seja crime comum, essa prática configura
improbidade administrativa. “Todos os atos seguiram o único objetivo de maquiar
as estatísticas fiscais, utilizando-se, para tanto, do abuso do poder
controlador por parte da União e do 'drible' nas estatísticas do BC”, sustenta
O
procurador ressalta que essa irregularidade teve sérias consequências para a
economia, entre elas o rebaixamento do rating pelas agências de classificação
de risco. “É inegável que a prática das ‘pedaladas’ minou a credibilidade das
estatísticas brasileiras, contribuindo para o rebaixamento da nota de crédito
do País”.
No mesmo sentido, na matéria citada pelo
Jornal O Globo[8]:
“A
conclusão do procurador da República responsável pelas investigações é que não
houve crime, mas improbidade administrativa, uma vez que se objetivou uma
maquiagem das contas fiscais com as "pedaladas". "Todos os atos
seguiram o único objetivo de maquiar as estatísticas fiscais, utilizando-se
para tanto do abuso do poder controlador por parte da União e do 'drible' nas
estatísticas do Banco Central", disse Marx no pedido de arquivamento.
Um
inquérito civil público investiga a prática de improbidade. O procedimento está
na fase de apontar os responsáveis pelas manobras apuradas.”
Já numa fonte internacional,
o autor concluiria que, embora as acusações dos editos de crédito suplementar fossem
relativamente frágeis, ainda restava para a defesa esclarecer as outras três
acusações que fundamentavam o pedido de impeachment[9]: “Las pedaladas fiscales es una de las cuatro acusaciones contra la
presidenta, por lo que pese a que resulta exculpada de ello, el juicio
continúa.”
Em sequência, questionei-o se havia lido as
fontes citadas, apresentando os trechos supracitados. Ele me respondeu
convidando-me a ler as matérias em sua completude (?), ao que respondi que o
convite, ainda mais em seu caso, era um pedido de mão dupla. Nervoso, acusou-me
de incoerência e reforçou que eu deveria procurar tratamento urgentemente. Em
nota, perguntei por que diabos, se é tão contrario à mídia golpista, havia
citado fontes “direitosas”. Provavelmente sem graça e enrubescido frente a seu
computador, esclareceu somente que as citou para que comprovasse que até os
golpistas estavam cientes de que tudo não passara de uma “armação”.
Resolvi tentar esclarecer em que medida os
atos praticados pela gestão Roussef constituíam fraude contábil. Expliquei que,
segundo a teoria patrimonialista da ciência contábil, todo o débito é igual ao
crédito, e que todo o ativo deve ter sua origem representada, quantitativa e
qualitativamente, no passivo. Esforcei-me para tentar fazê-lo entender que todo
o aumento de patrimônio de determinada entidade deve ter seu registro
correspondente no que tange à origem deste novo montante, de forma a equilibrar
os recursos que eram próprios da entidade com os recursos que somavam-se a seu
patrimônio, mas que tinham origem em terceiros. E esforcei-me para fazê-lo
compreender que as operações do edito de crédito suplementar faziam aumentar
mentirosamente o patrimônio da União, sem o correspondente registro de origem
destes recursos, uma vez que o Tesouro havia emitido mais dinheiro. Na prática,
isto significava dizer que a União havia enriquecido, sem, contudo, explicar de
onde a riqueza adicional havia surgido – clara violação dos princípios contábeis
estabelecidos por lei e que regem todas as entidades nacionais, inclusive a
coisa pública.
Adicionei que o verdadeiro golpe fora Dilma
não enfrentar as consequências de seus atos por intermédio de uma ação do
ministro Lewandowski. Injuriado, respondeu que minha ingenuidade clamava ao desassossego
por confiar em um ministro do STF (?), e infrutíferas foram mais tratativas
para explicar que a questão não era a
confiança neste ou naquele ministro, mas sim no “golpe” de ter imiscuído a
ex-presidente de arcar com a perda de parte de seus direitos políticos.
Sem sucesso em todos estes esforços, apenas
respondeu que tudo era obra de minha mente fantasiosa e que estava preocupado
comigo. Reforcei que precisava ler o que postava como fonte para sua argumentação,
ao que, surpreso, li que os links postados na discussão, inclusive os meus,
eram irrelevantes (!!??).
Pois bem. Pude chegar à conclusão, após todo
este imbróglio, que se a massa de militantes ou órfãos do petismo comporta-se,
de maneira geral, desta forma, um eventual retorno ao poder do Partido dos
Trabalhadores pode, sem sombra de dúvida, representar uma ascensão do fascismo,
considerando este fenômeno do fascismo a partir das características que uma
influente autora de esquerda, Marcia Tiburi, lhe associa: a impossibilidade de estabelecer
um diálogo racional em razão da postura violenta ou da dissociação com a
realidade, e a incapacidade de submeter o próprio pensamento e ação à
inquirição filosófica, ao questionamento.
É nítido que o petismo precisa atravessar a
etapa de sua auto-análise, de buscar entender os erros do passado se quiser
ainda procurar acertos no futuro. Enquanto não houver este movimento de “mea
culpa”, seus seguidores condenam-se ao fracasso e ao ridículo político. Salta à
vista, no entanto, o risco à democracia que a ascensão destas massas ao poder pode
causar. A loucura e a falta de toque à realidade constituem forças mais que
necessárias para a irracionalidade transformada em método de poder.
Infelizmente, tempos sombrios se avizinham.
[1] https://www.brasil247.com/pt/247/brasil/305381/Golpe-recoloca-o-Brasil-no-mapa-da-fome-da-ONU.htm
[8] https://oglobo.globo.com/brasil/pedalada-de-dilma-no-plano-safra-nao-foi-operacao-de-credito-nem-crime-diz-mpf-19712360
[9] http://www.telesurtv.net/news/Senado-de-Brasil-exculpa-a-Dilma-Rousseff-de-maniobra-fiscales-20160627-0037.html