Numa sabatina recente no programa a Hora do
Voto, da Rede Gazeta, o pré-candidato Flávio Rocha tornou-se motivo de chacota
nas redes sociais após afirmar que 100 anos de socialismo, inclusive no Brasil,
haviam deixado como legado que a receita para a superação da pobreza só poderia
advir da compatibilização entre liberdade política e liberdade econômica.
A declaração, em verdade uma resposta ao
questionamento do jornalista Bob Fernandes acerca da existência de uma massa
populacional brasileira considerada pobre ou mísera, a despeito de utilizar
sabiamente como recurso a experiência histórica moderna, se mostrou insuficiente
para que o presidenciável fizesse frente de forma mais satisfatória aos seus
entrevistadores e ouvintes.
Sua resposta apresenta um expediente clássico:
no campo do saber e da busca da verdade – e, mais ainda, no campo das ciências
humanas – a história e a experiência social se mostram como o único recurso
confiável para guiar nossas conclusões e tomadas de decisão, uma vez que
qualquer nova teoria surgida nesse campo padece do velho problema de não poder
ser provada por meio de exames laboratoriais ou experiências imediatas. Neste sentido,
o colapso da antiga União Soviética e a queda de inúmeros regimes do leste
europeu que guardavam em si certas singularidades opostas à “filosofia liberal
do ocidente” não são de modo algum acontecidos insignificantes. Representam a
falência de estratégias de produção e organização política baseadas no controle
de preços e salários, da imprensa, da liberdade individual, da produção incentivada
unicamente por decisões livres de agentes econômicos associadas ao gozo da
propriedade privada dos meios de produção e ordenadas conforme restrições
formais de um ordenamento jurídico com ampla proteção aos direitos de
propriedade.
A constatação, contudo, tem um porém. Em termos
lógicos, o fato da opção A não corresponder ao que dela esperava não fornece
qualquer validade em deduzir que não-A será necessariamente eficiente para
atingir a mesma finalidade. Trocando em miúdos, dizer que o socialismo (real ou
deturpado, pouco importa) falhou em criar prosperidade e justiça não implica em
dizer que seu avesso é, por uma relação necessária, de causa e efeito, a única
saída para os mesmos objetivos.
É nesse impasse lógico que deveria ser introduzido por qualquer defensor do dogma liberal (incluindo eu mesmo) a afirmação teórica e recheada de provas empíricas de que a prosperidade e a igualdade são possíveis somente quando certas condições são satisfeitas. Não basta dizer não-A; é preciso que se afirme e justifique racionalmente porque B.
Flávio Rocha poderia ter muito bem dito que o
conceito de subdesenvolvimento e o problema da pobreza estão historicamente relacionados
à baixa acumulação de capital. Poderia citar os estudos de Solow, Harrod-Domar,
Kusnetz, Rostow, Schultz e tantos outros estudiosos do crescimento econômico
para ir adiante e afirmar que a superação da pobreza depende da utilização de
parte da renda gerada socialmente para criação de poupança, investimento em
técnicas mais avançadas de produção, formação de mão-de-obra qualificada e
aquisição de estoques cada vez maiores de capital.
Poderia dizer que, como Solow, acredita e tem provas empíricas de que a
difusão do progresso técnico é o fator fundamental do desenvolvimento econômico
e que as escorchantes regulamentações, o protecionismo, a alta e distorciva
carga tributária impedem que novas descobertas e tecnologias (muitas vezes
vindas de fora) se espraiem pelos diversos setores da economia nacional. Poderia
resumir e dizer que o aumento da renda do brasileiro, em especial daquele que
se encontra na pior situação possível em termos materiais, será resultado direto
dos ganhos de produtividade do trabalho, afinal, desde os tempos nos quais Adam
Smith compôs sua monumental A Riqueza das
Nações, admite-se, com aporte sólido na experiência histórica dos últimos 200 anos, que a riqueza provém de uma produção cada vez maior e
mais eficiente de bens e serviços. Sobre o aspecto igualdade, poderia muito bem
trazer à discussão à famosa Lei de Kuznets, pela qual, no processo de
desenvolvimento, o aumento da renda per capita é acompanhada rigorosamente de
um aumento crescente e estável nos níveis de desigualdade, a qual, contudo,
tende a decair sensivelmente a medida que um determinado nível de crescimento é
atingido - fato corroborado, por exemplo, pela constatação de que nos países
considerados ricos e desenvolvidos a remuneração do trabalho, em média, tende a
ser próximo, igual ou mesmo maior do que o emprego do capital físico ou
financeiro.
A entrevista de Flávio Rocha, para bem dizer a
verdade, não é de toda ruim. O presidenciável apresenta uma boa argumentação
acerca do principal problema do Brasil, a saber, sua (in)solidez fiscal que põe
a perder a capacidade pública e privada de se realizar investimentos e provoca
fortes distorções no campo da competividade empreendedora, a força motriz do
desenvolvimento econômico, segundo Schumpeter. O estado brasileiro nada mais é,
nos padrões atuais, uma instituição que distribui privilégios a classes e
marajás abastados, socializando a todos os demais, cidadãos em sua maioria
pequenos e sem poder de pressão, os custos dessa manobras estapafúrdias. E,
pior, é ainda um estado capaz de sufocar a inovação, a busca pela eficiência, campeão
em afugentar o capital privado nas áreas onde justamente os recursos públicos
são escassos para produzir qualquer mudança positiva.
É indubitável que um modelo de crescimento à gauche, sob as rédeas do controle
estatal e de um planejamento estatal que insistem em coibir a prática da busca
pelo lucro e o auto-interesse, é antiquado. Trágico, quando se voltam os olhos
para seus lampejos existentes, como Cuba e Venezuela. Mas é verdade, também, que
a busca da riqueza no Brasil vai precisar muito mais do que dizer que 100 anos
de socialismo não funcionaram. Se Socialista ou não, pouco importa neste momento.
O importante, para o Brasil, é que deixemos o capitalismo de fato,
concorrencial, com acúmulo de poupança e criação de estoques de capital,
produtividade entrar e ficar. Se foi a partir desta fórmula que muitas nações
lograram sair do martírio da pobreza ou do subdesenvolvimentismo, por que se
resiste tanto a aplica-la no Brasil? E por que poucos liberais, em especial
dentre aqueles que na mídia se identificam como tal, dão a entender que podem
provar não somente não-A, mas também B?